quarta-feira, 8 de maio de 2013

O troco do poder econômico

Considero o Facebook a nova maravilha da humanidade. Acho sensacional tanta gente opinando, concordando e discordando. E gosto mais ainda daqueles que são professorais, que escrevem verdadeiros tratados sociológicos e filosóficos. Não, não é deboche da minha parte, apesar de alguns textos nitidamente irônicos. Ironia, aliás, é arma de têmpera divina, como disse Agripino Grieco. Quem? Ora, deixa pra lá.
 
O ataque da Polícia Civil mostrado pelo "Fantástico", domingo, a um traficantão, é o assunto do momento. Todos, claro, têm suas teorias. Mas, de todas as que li, a que segue abaixo (em vermelho) foi a que gostei mais. (Omito o nome do autor por ser ele um jornalista, de um grande veículo do Rio de Janeiro e não me autorizou a colocá-la aqui neste espaço - embora o Face seja um local público.) Digo a razão depois. Vejam-na. 
 
O DESENHO QUE APRENDI COM O MATEMÁTICO

Vou fazer um desenho aqui muito melhor do que a matéria do Fantástico, já que muita gente viu, mas não entendeu nada do que viu. Serei – ou tentarei ser – mais didático.

Sabe por que deve-se evitar ao máximo matar bandidinho? Porque tem muito policialzinho amiguinho de bandidinho. Mas é muito. Muito. São quase a mesma coisa. A diferença é o contracheque e a farda (ou distintivo). E que um às vezes está em helicóptero e às vezes na viela.
...

É policialzinho que vende o fuzilzinho para o bandidinho. É policialzinho que vende cocaína para o bandidinho. E quando o bandidinho se anima e tenta criar asinhas, o policialzinho vai lá e mata aquele bandidinho porque criar asinha não estava no combinado. E coloca outro bandidinho igualzinho em seu lugar, com asa mais curtinha. E todo mundo continua ganhando o dinheirinho. E a criminalidade não diminui.

Por isso, o mais legalzinho é que o BOM policial PRENDA o bandidinho para que o bandidinho NOS CONTE quem são os policiaisinhos que trabalham com eles neste comerciozinho que não é só de cocaína, de crack, essas coisas que (buuuuu), assustam nossas criancinhas.

Tem policialzinho amigo de bandidinho que não vende pó, mas vende gás de cozinha, vende água, coisas fundamentais para a vida numa favela. Que vende TV a cabo. E mata adoidado quem não pagar no fim do mês. Imagina ir na lotérica, no asfalto, pagar a conta da Light, ver que o dinheiro acabou e levar um tiro do dono da lotérica, que é policial. Bacana, né?

Ih, acontece parecido lá, sabia? Não, não sabia? Pooooooooooooooooxa. Procure saber. Por isso, volto a dizer, o bandidinho tem que ser PRESO para ajudar o BOM policial (sim, eles existem) a encontrar o BANDIDÃO.

Esse bandidão nem sempre tem cara de mau, nem sempre é preto e mora em favela. Esse bandidão costuma morar bem, frequentar palácios e parlamentos, delegacias e quartéis.

A gente sabe que esse bandidinho com fuzil causa repulsa. Sim, causa. Normal que cause. Mas para que ele exista cada vez menos, a saída não é mata-lo. Quanto mais matar bandidinho, mais difícil será de pegar o bandidão, que continuará fabricando bandidinhos e mais bandidinhos. E mais bandidinhos, e mais bandidinhos. Entendeu?

O matemático que me ensinou isso foi meu pai, que dedicou 40 anos de sua vida a lecionar matemática, história, geografia e filosofia num negócio que existia no Brasil chamado escola pública, gratuita e de qualidade.

P.s: não é tão difícil de entender, vai. Isso não tem NADA A VER com defender bandido. MUITO PELO CONTRÁRIO. Larga o Playstation um pouquinho, vai.
 
Bem, tudo certo. Por este prisma, toda operação policial visa abater algum bandido que não serve mais ao "sistema" (já ouvi essa expressão em algum lugar... Lembrei! Num blockbuster do cinema nacional!). O autor do texto acima, nos comentários que se seguiram, continuou esgrimindo e tratando com, digamos, certo desprezo - sim, a ironia é uma forma de desprezo -, quem dele discorda. Um gesto pouco cavalheiresco, mas permitido.
 
O autor do texto garante que bandido pé de chinelo entrega bandidão e policial corrupto. Para ele, o pé de chinelo deve sempre ser preso para que possa dar o nome de quem o financia, ou seja, a parte de cima dessa terrível cadeia criminosa alimentar. Creio que nosso preclaro autor esteja assistindo filmes demais.
 
Não tenho conhecimento, e não tenho mesmo, que a parte de cima da pirâmide tenha sido de alguma forma atingida, em algum momento na história deste país. De cara, os bandidões constituem advogadões (ou advogadaços) que vão desconstituir as acusações ou pela falta de provas, ou pelos "embargos auriculares" - para que não conhece o termo, é aquele papo com o juiz numa boa mesa -, ou ainda pelo simples fato de que o acusador não é figura ilibada e idônea - coisa que geralmente o bandidão é.
 
No máximo, o bandidinho levanta poeira, mas não puxa o tapete. O bandidão nem será tão constrangido assim. Mas o problema é que o bandidinho, se resolver mesmo abrir a boca, assina a sentença de morte.
 
Aí, trata-se de uma questão cartesiana: calar, continuar vivo e de alguma forma nos negócios (mesmo que não por muito tempo); ou abrir a boca e submeter-se ao holocausto para que a família não seja fuzilada? A opção me parece óbvia.
 
Ou seja: não será exatamente prendendo bandidinhos (não que eu concorde com a operação mostrada pelo "Fantástico"; aquilo ali foi uma torpeza, em todos os sentidos, e só aconteceu porque foi realizada dentro de uma favela) que bandidões serão presos. Aliás, bandidinho não prende bandidão porque bandidão não deixa rastro, não passa recibo e não se deixa filmar.
 
O caríssimo jornalista deveria estar preocupado, preocupadíssimo, com uma PEC que tramita no Congresso e pretende tirar os poderes de investigação do Ministério Público. Os procuradores, sim, prendem bandidões - ou, pelo menos, dão aquela dor de cabeça que os mafiosos não gostam de ter.
 
O MP faz parte de um tripé que envolve Polícia Federal e Receita Federal, organismos que se não são impunes à corrupção, não sofrem o assédio direto de polícias civis e militares. E têm acesso a informações, sobretudo as fiscais, que não ficam ao alcance do meganha.
 
Se a casa de muita gente cai é porque o cometeu o pecado da vaidade. O bandidão é traído pelo bolso e não porque colocou quilos de cocaína e alguns fuzis na mala do carro e foi vendê-las no alto do morro.
 
O bandidão, acima de tudo, se serve do poder econômico. E parafraseando um amigo meu: no tempo em que se vendia gente, bandidinho era troco.
 
Tal como esse tal Matemático que foi fuzilado.
 
 

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