quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O penúltimo dos moicanos

Sou da geração de profissionais de imprensa que se formou babando as edições do Jornal da Tarde.

Era o estado da arte da criatividade jornalística. A diagramação moderna, excepcional, combinada com títulos críticos, que iam além da notícia, refletia aquilo que significava - e ainda significa - meu conceito para um diário. A interpretação do fato feita com a isenção necessária de mostrá-lo em sua inteireza. Sem eufemismos, máscaras ou recursos linguísticos que sugerem segundos e terceiros entendimentos.


Tudo está dito nas fotos
Para mim, nada havia de mais crítico e de mais agressivo que o JT naquele momento, 1983, quando entrei na velha Faculdade da Cidade para dar meus primeiros passos no jornalismo. Meses antes, me impressionara a primeira página com a foto do menino chorando a desclassificação brasileira na Copa da Espanha. Embaixo, somente a data em que a seleção de Telê Santana foi despachada de volta para casa, derrotada pela Itália por 3 a 2.

Formidável também é a capa com a estupenda foto do comício das Diretas Já, na Praça da Sé. Dizer mais o quê? A imagem era a mensagem completa. Crua, precisa, incisiva.

Sonhava em fazer um jornal assim. Não consegui, mas enquanto estive numa redação, persegui essa ideia diariamente. A de valorizar o material gráfico, a de dizer as coisas com expressões insubstituíveis, a de resumir a manchete numa única (e exata) palavra.

No Rio, ou se lia o Jornalão (como chamávamos O Globo, então representante-mor do conservadorismo nacional, com seu apoio incondicional ao governo militar que jazia no chão, em convulsão) ou o Jotabê, circunspecto, mas com maior liberdade de crítica - e que simbolizava (ainda que não sincera e verdadeiramente) a resistência à censura em favor da liberdade de imprensa no Brasil.

(Vale dizer que no Rio não tinham apenas esses dois veículos: a Última Hora tornou-se pálida sombra daquele diário que modernizara o jornalismo carioca, com Samuel Wainer; a Tribuna da Imprensa simbolizava a República de Ipanema, com Helio Fernandes, Paulo Francis, Marcos Vasconcellos, Flavio Rangel e outros luminares da cultura brasileira; o Pasquim representava o pensamento da Zona Sul e da elite intelectual carioca, com um texto que não frequentava subúrbios e morros; O Dia tinha por lei ser o órgão extra-oficial do Palácio Guanabara, pois ainda pertencia a Chagas Freitas e especializou-se na cobertura ficcional do cotidiano da pobreza carioca; e a Luta Democrática era um não menos divertido sub-O Dia, pura vaidade de Tenório Cavalcanti, o Homem da Capa Preta de Duque de Caxias, que depois o vendeu ao banqueiro de bicho Raul Capitão.)

O JT apaga sua luz não somente por incompetência administrativa ou porque tornou-se anacrônico num mundo que dispensa os vespertinos, atendido que é pelos matutinos - termos, aliás, que ninguém mais utiliza. A internet cravou-lhe os últimos pregos, como vem cravando no jornalismo impresso.

(Os números de circulação são cada vez mais preocupantes. Antes mesmo de pegarem a edição do dia, os madrugadores já sabem das notícias pelo celular ou pelo tablet. Nem é preciso ligá-los. Tampouco passar pela banca de jornais.)

Por que, então, os veículos impressos existem? Porque há uma imensa geração que os consome, tal como a minha. É a mesma gente que compra livros e revistas, acostumada desde o berço com a presença física desses elementos. Fomos todos estimulados na escola, em maior ou em menor grau, à leitura. Os clássicos brasileiros que nos obrigaram a consumir, naquelas abomináveis e paupérrimas edições da Ediouro, são os maiores responsáveis pelo nosso hábito. Aprendemos nessa época que leitura era, acima de tudo, sinônimo de cultura.

Hoje, escola é negócio e descompromisso. Há, sim, o estímulo à leitura, desde que feita nas telas do computador. Textos curtos, sintéticos, pouco analíticos, desestimulantes. Esse, por sinal, é o padrão do noticiário: informações básicas, três parágrafos no máximo.

Quem quiser saber mais, veja no jornal do dia seguinte. Mas dá preguiça. Por que saber mais se já se sabe o mínimo? Para muitos, basta o Jornal Nacional do dia anterior. Rádio é artigo em desuso, sobretudo o do carro.

Ler o JT no meio da tarde/começo da noite ficou impossível. A notícia já chegou pelo celular, sem mesmo que pedíssemos. Jornal dá trabalho, suja a mão, é caro, nos obriga a comprá-lo. Têm o Destak e o Metro, que são de graça e foram entregues no sinal naquela manhã...

Vou mudar minha conclusão: o JT tinha mesmo que baixar a porta de aço. Ninguém o lia, ninguém o entendia, ninguém o admirava mais. Tornou-se um corpo estranho num jornalismo que obriga o editor a fazer contorcionismo para conseguir um título interessante, já que o "lide" parece ser figura maldita nas redações atuais.

Foi melhor assim. O JT tinha uma história bonita demais para conviver com tanta mediocridade.
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Gelada é para quem tem cotovelo alisado pelo balcão do bar

Poderia dizer que me antecipei a certas coisas, mas pareceria cabotino. Quando ninguém falava em relógios, eu já me interessava por eles. Quando a maioria se empuçava de Skol, eu já procurava as cervejas de qualidade. E é sobre elas que vou (voltar) a falar a partir do próximo parágrafo.

Dias atrás, ouvi o comentarista de vinhos da CBN dizer que cerveja é "bebida de boteco". O que pode parecer um elogio era o mais puro desprezo devotado por alguém que considera que, fora do vinho, não há salvação. Acredita seguramente, convictamente, que o restante é poção para a embriaguez.

O princípio de toda e qualquer bebida é esse mesmo: a embriaguez, a perda do controle. Na Antiguidade, o vinho estava associado às festas com sexo. Baco é o deus romano e bacanal é um sinônimo quase esquecido para transas grupais. O similar nacional é o adjetivo suruba, cuja origem da palavra parece ser indígena.

Os índios, daqui e das Américas, têm vários tipos de beberagens para tirá-los "do sério". As explicações são as conexões divinas e com o desconhecido, o que, voltando na história de Baco, dá no mesmo. Todos saem dos seus estados de consciência e em nome de algo incontrolável passam a se relacionar com o parceiro ou parceira ao lado.

A cerveja tem a mesma origem do vinho. São fermentados, embora de elementos diferentes. Vêm dos mesmos lugares e dos mesmos povos. No século 20, porém, começaram a trilhar caminhos diferentes: um frequentava salões, outra era relegada às tabernas.

Enquanto o vinho era razão de curiosidade, a cerveja era motivo de desprezo. Muitas bebidas a ultrapassaram em interesse e finesse, como o uísque, por exemplo. No Brasil, sempre foi a válvula de escape do Zé Povinho. Enquanto a cachaça era enxergada como o remédio dos mendigos, a cerveja voltava-se para o cidadão de baixa renda.

Cerva, gelada, loura, breja, brahma - mesmo sendo Antarctica. A maior parte daquelas que está em disponibilidade é de má qualidade. Mas descobrimos isso muito tempo depois. Poucos se lembram, mas quem há de atestar se a falecida Brahma Porter era boa? Uma porter fabricada no Brasil. Pois é, e nem foi por uma microcervejaria.

Ou a Hanseática... (também da Brahma e cujo nome se refere diretamente à Alemanha.)

A Caracu ainda é vista somente como um afrodisíaco, cuja combinação com ovo de codorna é infalível quando o assunto é satisfazer o mulherio. Uma sweet stout honesta, talvez a última de uma época em que o pedreiro a tomava para dar uma reforçada na marmita de arroz, feijão, ovo, farinha e carne magra.

"Eurico, vai no armazém do Lopes pegar uma Barriguda pra mim". Era assim que meu avô, chofer de praça e gesseiro, se dirigia diariamente ao meu pai na hora do almoço - geralmente algum item da baixa gastronomia preparado pela minha avó, tal como um arroz com feijão gordo mais costela de vaca e aipim.

Barriguda era uma das cervejas do grupo Black Princess, cuja fábrica ficava na região da Mangueira, no Rio. O nome verdadeiro era Cerveja Sul-Americana, mas, por causa do formato da garrafa, também atendia pelo nome de Barriguda.

A Skol, quando apareceu, pretendia ser uma marca alternativa à Brahma e à Antarctica, que dominavam, respectivamente, os mercados do Rio e de São Paulo. Tanto que não chegou apenas cerveja; trouxe com ela uma linha de refrigerantes, do guaraná à soda limonada. Antes de tudo virar Ambev e depois ImBev, a Skol chegou a ser considerada uma boa cerveja entre as populares.

A Brahma fez de tudo para dominar o mercado de ponta a ponta. Lançou marcas alternativas, como a Malt 90, mais conhecida como Malt Nojenta. E nem era tão nojenta assim. A Brahma vinha perdendo qualidade seguidamente, até que os cariocas começaram a importar a Antarctica. No começo dos 80, conhecedor de cerveja era aquele que só tomava Antarctica.

Em Petrópolis, a Bohemia era uma espécie de segredo bem guardado. Uma Pilsen como uma Pilsen deve ser. Talvez já naquela época não chegasse ao nível de uma Urquell ou uma Búdvar, mas na memória afetiva de todos a Bohemia era uma cerveja especialíssima. Feita com a água da Serra, pura e saborosa. Mas como voltar no tempo e conferir se isso era verdade?

Dias atrás, conversando com meu primo Ricardo Grechi (com um C só, por erro do escrevente do cartório), ele lembrou de um final de ano no qual um velho tanque de roupas feito em concreto, que ficava junto à casa do empregados, esteve repleto até a boca de Bohemias estupidamente geladas. Embora fosse verão, Petrópolis estava friazinha.

Eram vários homens e eu entrando na maioridade. Tomamos muitas cervejas, apreciando a delícia de estar geladíssima e agradabilíssima, combinando com a temperatura amena. Ele jura que aquela era outra cerveja, bem distinta da Bohemia atual. Eu não posso dizer o mesmo. Não apenas porque não me lembro, mas porque também as conversas e os tira-gostos estavam igualmente sensacionais. Na minha memória de pós-adolescente, ficamos uma tarde inteira ali, debaixo de um barracão de madeira, jogando papo fora animadamente.

Ninguém fez degustação de coisa alguma. Como, então, comparar tempos atuais com idos?

Hoje, todos escrevem sobre cerveja, a conhecem como se fosse aquela empregada com que todos "se divertem". Detesto essa intimidade. Quando falam, falam sempre nas mesmas e com um desconhecimento de causa espantoso - mas que aos olhos do leitor comum parecem palavras de catedrático. Jamais provaram uma dunkel, não sabem o que é uma gueuze, acham lambic uma corruptela de alambique.

Poderia deixar eles falarem. Mas é que ler bobagem me irrita. Ainda mais bobagem com jeito de tese de doutorado. Fizessem um mínimo de pesquisa, lessem algo que não seja texto de internet, aprenderiam algo. Só que...

A preguiça é contagiosa.

Talvez quando estiverem cantando em verso e prosa as maravilhas do rum, as diferenças entre os tipos caribenhos, os aromas deixados pelo solo e pelos tipos de cana, escrevam menos besteiras, procurem mais, provem mais.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Imagine isso na Copa

Fora de dúvida que um aeroporto ficar 46 horas interditado por causa do acidente envolvendo um super-cargueiro é uma dessas lambanças monumentais. Nos faz, com justa razão, temer sobre o que vem por aí na Copa do Mundo e na Olimpíada, mesmo com os apelos ufanistas passados por uma propaganda de cerveja. Mas, apesar de todo o transtorno - que me atingiu no Rio, a quilômetros de distância de Campinas e sem que eu nada tivesse a ver com o caso -, as soluções que deram para que problemas semelhantes sejam sanados, se de novo acontecerem, beiram a burrice.

O mais fácil deles: comprar um equipamento de salvatagem, cujo kit básico custa cerca de R$ 2,5 milhões. O único que existe no Brasil, e estava em São Carlos, a quilômetros do acidente, foi usado provavelmente pela primeira vez. Pertence à TAM e foi alugado pela Infraero, para posterior ressarcimento pela Centurion Cargo, arrendatária do MD-11 que interditou a pista de Viracopos.

Um equipamento como este não é simplesmente comprado e colocado dentro de um armário. É necessária sua manutenção e, evidentemente, formação da turma de técnicos que vai operá-lo. Turma, não; turmas - para que haja turnos de revezamento. No mínimo, três delas em permanente disponibilidade, composta de seis a dez homens.

Tudo isso custa dinheiro: conservação, formação de pessoal, reciclagem técnica, instalações, transporte. Uma conta que não sairá barata, sobretudo quando se pesa a relação custo-benefício de se comprar um kit desses.

E quantos existem nos Estados Unidos? Quatro. Na Alemanha e na França? Três. Na Inglaterra? Dois. No Japão? Dois. Como se percebe, a solução mais fácil é a mais cara, não adotada pelas nações que abrigam alguns dos principais aeroportos do mundo.

E o que fazem, então, para que uma pista não fique interditada 46 horas, prejudicando voos de outras praças e companhias aéreas que operam na mesma unidade?

A resposta: têm mais de uma pista! Bestial, ó pá!

A solução é de uma cristalina simplicidade. Viracopos, que é um centro de grande porte, não tem uma pista alternativa. A unidade mais próxima dali é Guarulhos, considerados os tamanhos, para o caso de um desvio de operação.

Não que o projeto de Viracopos não preveja a segunda pista. Existe e está no papel há pelo menos 10 anos. Se começarem a fazê-la amanhã, ficará pronta com muito esforço em 2017.

Entenderam por que Heathrow, Narita, Barajas, Charles de Gaulle, Portela de Sacavén, Doha, JFK, a Guardia e outros grandes aeroportos não ficam interditados? (A não ser por razões climáticas).

O aeroporto de Munique, que ao lado do de Frankfurt forma a dupla de maiores da Alemanha, tem três pistas - duas principais, uma auxiliar. Heathrow outras três, assim como o Charles de Gaulle. Pelo custo de se construí-la, utilizá-la e na eventualidade de um acidente de proporções manter o fluxo circulando, conclui-se que é barato.

Mas o Brasil é o país das soluções improvisadas, que geralmente são as mais caras. Todos concordam que a obtenção de um kit de salvatagem para a retirada de aeronaves de grande porte é preciso. Mas, para que ele pudesse ser utilizado em Viracopos, teve de chegar pela rodovia, aumentando ainda mais o tempo de paralisação do complexo. Claro, como levar por via aérea se a única pista estava interditada?

Quando dizem "imagine isso na Copa", não é um temor sem sentido, pessimismo de brasileiro que tem vergonha do próprio país. Ninguém conhece melhor o Brasil do que nós mesmos, da mesma forma que ninguém sabe melhor como funciona a cabeça das nossas autoridades como nós mesmos.

Há quanto tempo se fala nas tragédias das chuvas, todo começo de ano, na Região Serrana do Rio?

Há quanto tempo se escuta que os barcos que viram no Rio Amazonas e seus afluentes matam centenas de pessoas por causa da superlotação?

Há quanto tempo se ouve dizer que a formação do estudante brasileiro é pífia, a ponto de uma auxiliar de enfermagem injetar café com leite na veia de uma paciente e matá-la?

São alguns exemplos trágicos da imensa e constante falta de prudência.

Agora, imagine isso na Copa!


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Os pecados da profundidade

Sábado foi Hebe Camargo. Domingo, Autran Dourado. Segunda, Eric Hobsbawn.

Aos olhos do grande público, Hebe foi uma perda incomensurável. Não discuto a importância da apresentadora para a TV brasileira, que foi grande. Não assisti jamais seus programas porque, pelo menos para mim, pouco significavam. Aqui, quando digo "jamais", é "jamais" mesmo.

Autran trouxe para o Brasil o pecado da alma mineira
Aos olhos do grande público, Autran e Eric são verdadeiros desconhecidos. Dois Joões Ninguém. Seus obituários nos jornais não lhes farão justiça. Estarão imprensados embaixo e alguma notícia ou de editais do governo. Serão tidos como meros intelectuais, que escreveram livros que pouca gente (ou nem tão pouca assim, sei lá) leu.

Hobsbawm: um dos ícones do pensamento de esquerda
Autran foi importantíssimo para a literatura brasileira. Tinha um texto anguloso, complexo. "Os Sinos da Agonia", seu romance mais conhecido, é difícil de ser entendido. Quem pensa que Minas legou ao Brasil apenas Drummond, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Lúcio Cardoso ou Guimarães Rosa comete um terrível lapso.

Mas Autran era assim mesmo: um caso à parte. Lembro de uma entrevista que vi com ele na qual contou sua experiência com drogas, sobretudo as alucinógenas. Disse não ter gostado, mas confessou ter encontrado um lado bom, o de perder o controle sobre si mesmo. Num mundo e numa cultura em que controle é regra e aspecto fundamental das convivências, achei curiosa a postura. Uma liberdade que talvez poucos tenham a coragem de ter, a de ser levado pelas circunstâncias.


Hebe simbolizava o povão
Era um homem de sólidas convicções esquerdistas. Tinha muito em comum com o historiador inglês Eric Hobsbawn, cujo livro mais conhecido no Brasil, "A Era dos Extremos - O Breve Século XX, 1914-1991", é um ensaio coerente sobre um mundo sem um pensamento político que se contraponha à corrente hegemônica pós-queda da União Soviética e do Muro de Berlim.

Eric não tece loas ao socialismo. Ao contrário, reconhece-lhe os erros de conduta. Mas observa que foi justamente esse confronto de ideias que obrigou o capitalismo a realizar uma severa correção de rota. A agravante, como ressalta, é que os desvios (supostamente para melhor) do capitalismo podem ser abandonados a qualquer momento, já que não existe mais um sistema que possa confrontá-lo.

Quando foi lançado (se minha memória não falha, há mais de uma década), a China ensaiava os primeiros passos dessa revolução silenciosa que protagoniza atualmente. Eric jamais enxergou em Cuba (pela falta de recursos naturais) ou na Coreia do Norte (pela ausência de relação com o restante do mundo) os vetores de substituição dos sistemas políticos por um produto híbrido, tal como Pequim hoje dirige com absoluto sucesso.

Eric também era preciso ao afirmar que as ditaduras são sempre palatáveis desde que a população seja atendida em suas reivindicações. Não bastaria, assim, que o povo tivesse sanadas necessidades básicas, mas que pudesse ter acesso àquilo que as sociedades de consumo oferecem. Ele aponta como sendo exatamente este o caminho do fracasso do socialismo: a população tem casa, alimentação, saúde, educação, mas não tem um sapato decente para calçar, um bom carro para dirigir ou um aparelho de TV do último tipo.

O erro do socialismo foi desprezar o supérfluo, de onde vêm os prazeres da vida. De nada adianta ter tecnologia para criar um caça de guerra que faça curvas em 90º e seu piloto não tenha em casa um forno de microondas. A China custou, mas percebeu isso. E está de pé, como vaticinou Hobsbawn.

Onde entra Hebe Camargo nisso tudo aqui? Não entra, não tem espaço para ela. Não tinha convicções políticas, tampouco se dedicava a análises históricas. Mesmo porque, não era sua intenção. Não era de direita, nem de esquerda, sobretudo não era paga para isso. Quando tentava ensaiar algo do gênero, falava aquilo que o povão compreendia. Nada muito intenso ou profundo.

Daí tanta popularidade.

Que, claro, nem Autran e nem Eric tinham.