sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ô meu camarada, 70 aninhoshshshs

Tim Maia era um tremendo pilantra. Mas, como vários pilantras, de incontestável talento.

Quem leu a biografia "Vale Tudo", escrita por Nelson Motta, não consegue ficar irritado com Tim. E olha que ele sacaneou muita gente. A partir do momento em que ficou famoso, rico e pobre inúmeras vezes, escrotizou sempre em nome do dinheiro. Dava voltas em quem trabalhava para ele, mas, como músico geralmente não escolhe trabalho (tal como jornalista), poucos se recusavam a fazer parte da sua banda, a Vitória Régia.

Não se pode dizer que Tim seja o resultado direto da soul music. Considero-o mais um filho do rhythm blues e do funk do que, por exemplo, de James Brown ou do Tower of Power. Claro que ele está impregnado de ambos, mas percebo em Tim mais de Sam Cooke, de Marvin Gaye ou de Smokey Robinson. Tem tintas também de Isley Brothers, Earth, Wind & Fire, de Kool and the Gang e de Parliament/Funkadelic.

Seus primeiros discos, mais o Racional e o Tim Maia Disco Club, são muito bons. Estão ali, cabeça a cabeça, com os da Banda Black Rio, o de Dom Salvador e Abolição ou o de Gerson King Combo. É o suburbão do Rio, do Cassino Bangu, do Vasquinho de Morro Agudo.

Do Show dos Bairros, na falecida Rádio Mundial AM, que embalava minhas manhãs pelo radinho de pilha da empregada.

"E agora, música de Maria da Graça..."

"E agora, música do Encantado..."

Onde estão esses bairros agora?

A negrada de black power sendo vista com desconfiança. Lembro do João Saldanha, gaúcho mas com malandragem tipicamente zona-sulista carioca, fazer um comentário pregando que os jogadores de futebol não podiam usar aquele cabelão à Ohio Players. Segundo João, a bola, na hora de ser cabeceada, seria amortecida pela carapinha.

É claro que Paulo César Caju deu de ombros para mais um dos "conceitos" do João. Ele, Dé, Geraldo Assobiador, Rodrigues Neto, Merica, e outros tantos que ostentavam o cabelão em forma de copa de árvore.

Do Leme ao Pontal, Tim mandava ver
Tim era a malandragem da Tijuca, quase Rio Comprido, quase Estácio, quase Praça Onze. Ali pela Haddock Lobo, nas proximidades da Rua do Bispo.

Ali, debaixo do Viaduto Paulo de Frontin, há uma confluência de bairros que nem os CEPs das cartas conseguem exatamente decifrar. Quem pega o carnê do IPTU se irrita: todos querem ser Tijuca, ainda que estejam um pouquinho fora da linha divisória.

A malandragem da Tijuca difere daquela de Copacabana, da de Ipanema, da do Méier, da Zona da Leopoldina. Cada um é malandro à sua forma e todos se respeitam. O tijucano mistura o Morro do Estácio com a Zona do Mangue, que era ali perto.

No então baixo meretrício, assentaram as primeiras famílias estrangeiras, chegaram as primeiras famílias judias. Era uma babel de portugueses, espanhois, italianos, e muitos russos, poloneses, ucranianos, romenos, moldavos, que tinham em comum a fé no Talmud e na Torah. Uma única língua os ligava, apesar de cada um falar a sua.

A Tijuca é cercada de morros. Borel, Casa Branca, Formiga, Salgueiro e, na ponta, São Carlos, hoje Estácio. Tim era um produto da Saens Pena, subindo Conde de Bonfim ou Santo Afonso na direção da Usina. Rua Uruguai, Desembargador Isidro, Praça Afonso Pena. As porradarias contra os "perus de farda" do Colegio Militar. As meninas do Instituto de Educação, o Hospital Gafrée e Guinle (primeiro do país de referência para a Aids), a Praça da Bandeira.

Tim e Erasmo Carlos são os melhores produtos de exportação da Tijuca. Poucos bairros do Rio emplacam dois mestres dessa magnitude entre os 10 mais da MPB moderna. Se o brilho está a uni-los, separa-os o fato de um ter um balanço irresistível e o outro ser um letrista admirável. São da mesma geração, ouviram os mesmos rocks que, com a ida de Tim para os Estados Unidos, se transformaram nos caminhos da música negra que os brancos não conseguiram se apossar.

Fosse vivo, Tim faria 70 anos. Para comemorar a data, no mínimo daria uma declaração tirando onda com isso. Claro, não a levaria a sério porque não é realmente para levar a sério.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Mais que má-fé, burrice

Em alguns dias, a gente não quer falar de coisa séria.

Faço essa pequena introdução para dizer que estava lendo um ótimo artigo de Ricardo Seelig, no blog Collector's Room, sobre a mistura de ignorância com má-fé quando dizem que o Led Zeppelin fez história plagiando artistas menos conhecidos.

Tudo o que ele diz, eu concordo. Ninguém se torna grande assim se for um mero copiador.

A primeira vez que ouvi falar disso foi quando alguém de mal com a vida disse que "Ride in the Sky", do primeiro LP do Lucifer's Friend, foi totalmente plagiada em "Immigrant Song", do Led III. Tudo por causa da entrada das duas músicas. Resolvi ouvir com calma uma e outra para concluir que, apesar da semelhança de alguns acordes, são canções totalmente distintas.

O princípio da aleivosia é justamente esse: atribuir a alguém, cuja importância é incontestável, a esperteza de tirar o pão da boca de outro que não tem a mesma projeção. A alemã Lucifer's Friend começou como uma boa banda de hard rock, mas, provavelmente por causa da falta de brilho dos seus integrantes, individualmente e coletivamente, foi cada vez mais seguindo na direção de um pop cafona e insuportável.

Depois do primeiro bom disco de estreia, que tinha tintas fortes do Uriah Heep e do Deep Purple, tudo o que veio depois tem pouca ou nenhuma importância. Aliás, o único legado do Lucifer's é o cantor John Lawton, que substituiu David Byron no... Uriah Heep!

(Que, curiosamente, a partir daí trilhou caminhada semelhante ao do Lucifer's. Lawton estreou no ótimo Firefly, continuou no razoável Innocent Victim e fechou sua passagem no péssimo Fallen Angel. Depois disso, o Heep se tornou uma banda medíocre, que continua assustando os incautos tal como um cadáver malcheiroso até hoje).

Mas, voltando ao Zeppelin, ninguém tem uma carreira vertiginosa à toa. Já no Led I mostrava a capacidade do quarteto. Ainda naquele ano de 1969, vinha o Led II, mais brilhante que o disco de estreia. E no ano seguinte, no Led III, ninguém mais tinha dúvidas sobre a capacidade de Page, Plant, Jones e Bonham.

Sempre usei este espaço para deixar clara minha paixão pelo Deep Purple. Mas não posso deixar de reconhecer: enquanto o quinteto fazia uma música ultrapassada já em 1968, o Led largava na frente. O Purple precisou de três discos (Shades Of, The Book Of Talyesin, Deep Purple e Concert For Group And Orchestra) para chegar à fórmula que o consagrou - e o colocou tardiamente no mesmo panteão do Zeppelin.

Quando se pensava que o Zep tinha esgotado a capacidade, eis que surge outro trabalho incomparável: Led IV. Houses Of The Holly aparece na sequência e é igualmente fabuloso. Num vácuo talvez de criatividade e provocado também por questões particulares, chega vez de Physical Graffiti, um album duplo somente com sobras (e que sobras!) de canções que tinham sido feitas e não foram incluídas nos discos anteriores.

The Song Remains The Same infelizmente se tornou somente o disco do filme do Zep, uma experiência pretensiosa e confusa, com base numa história sem pé ne cabeça que serve de pano de fundo para os shows do Madison Square Garden. Presence até hoje é subestimado e In Through The Outdoor seria um projeto de uma banda já cansada, mas disposta a algumas novas linguagens. Claro que, se comparado a tudo que havia sido feito até então, não é um bom disco, mas confrontado com muito do que estava sendo realizado por outras bandas, no mesmo período, In Through é, sim, bastante bom.

Nisso tudo, o Zep dependeu apenas das próprias pernas. Page era um guitarrista estupendo, com uma sensibilidade que ia do blues ao rock pesado, passando pelo folk. Plant era sua alma-gêmea e, ao contrário do Purple, ninguém consegue ver um cantor diferente fazendo a outra metade da dupla. Jones tinha a capacidade de materializar, com outros instrumentos, aquilo que Page imaginava. E Bonham... bem, Bonham ainda hoje é considerado referência quando se trata de somar técnica, balanço e peso à bateria.

O Zep era diferenciado. Pode ser até que tenha se inspirado em outros trabalhos - não na seara do rock pesado, mas na do folk britânico executado por bandas como Lindisfarne, Fairport Convention e até mesmo The Chieftains. Não é à toa que Sandy Dennis, cantora do Fairport, faz uma aparição especial em "The Battle of Evermore", uma das grandes canções acústicas do Led IV.

Por causa de toda essa bagagem, dizer que o Zep "chupou" outras bandas e consolidou assim sua trajetória, não é somente desonhecimento e má-fé. É burrice, acima de tudo. O que não faltava ao quarteto era disposição para criar, algo bem mais complexo que meia dúzia de acordes coincidentes.

As acusações de plágio renderam mais aos acusadores do que ao próprio Zep. A turma que aponta o dedo para Page, Plant, Jones e Bonham não faz mais nada a não ser pegar carona na fama alheia.

E convenhamos que, por esse processo, o Zep dá uma mãozinha até para quem é medíocre e obscuro.



Veneno antiignorância

Parecia combinação. E já explico a razão.

Na madrugada de domingo, vi um filme ótimo, "Flor do Deserto", sobre uma somali que se tornou modelo de sucesso internacional. Ela, porém, escondia o segredo de ter sido emasculada, seguindo a brutal tradição de alguns povos africanos, que laceram a genitália feminina em nome de uma suposta instrução sagrada do Corão.

Na manhã do mesmo domingo, vejo na capa da Revista de Domingo, do Globo, uma imensa vagina, negros pelos pubianos à farta. Uma pintura de Courbet, exposta no Louvre para que todos a admirem (mesmo crianças e adolescentes), ilustrando uma excelente matéria sobre definições e limites do erotismo.

Impressionante como nosso conservadorismo e nossos compromissos religiosos, incutidos na cultura e na sociedade, nos leva a uma discussão que há muito deveria estar superada. Pelo menos para mim, claro, que gosto da arte erótica e aprecio a pornografia dentro de certos limites.

(Que limites? Os de que somente homens e mulheres adultos estejam envolvidos na exposição. Tudo que foge disso, abomino, critico e denuncio - sobretudo se há crianças envolvidas.)

A religião nos ensinou que o sexo é impuro e a vagina perigosa. Não foi o catolicismo, apenas. Todas as formas de professar a fé, principalmente entre as seculares, têm algum problema com as mulheres. As diminui, as reprime, as considera vetores da loucura humana. O homem, está nos principais livros sagrados, perde o rumo da "moral" quando se submete aos desejos e à sedução femininos.

É grande a dificuldade de se falar de sexo com adolescentes, principalmente meninas. Dá um apagão e, geralmente, os homens transferem a tarefa para as mães. Que são tão ou mais travadas que os pais! Envergonhamo-nos de tratar de um aspecto natural da nossa existência. Existência não apenas do ponto de vista da reprodução, mas do prazer.

O sexo é uma experiência sensacional, maravilhosa, intensa. O melhor dos esportes. Não se inventou ainda algo capaz de dar tanto bem-estar quanto o contato entre dois corpos.

E temos problemas em falar sobre isso. Ora, que pai não sabe que sua filha terá experiências sexuais? Sabe mas não admite. Estranho isso: por que não admitir? De onde virão os netos que ele tanto sonha? Todos sabemos como funciona o processo.

Deveríamos nos orgulhar da normalidade das nossas vidas e dos nossos corpos, não condená-la. Sociopatia nada tem a ver com sexo, por mais que tentem ligar as duas coisas. O fazem não por ignorância, mas por um conservadorismo pautado por preceitos baseados em pilares religiosos.

O desejo não é impuro, o prazer não é pecaminoso.

Quero consumir e falar sobre erotismo e pornografia. E de tratá-las com a normalidade que merecem.

Afinal, a normalidade é o maior antídoto contra a ignorância.
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Fadiga de material

Tocou o "barata voa" nas hostes petistas. Pelo jeito, o partido vai abocanhar pouquíssimo na próxima eleição. Claro que isso é um complicador para o futuro: primeiro, porque diminuem as chances de um bom desempenho nas eleições de 2014; segundo, porque fica mais complicado colocar Dilma na parede. Do jeito que as coisas estão se processando, ela chega para a reeleição na interessnate condição de depender pouco do PT. O PT é que vai precisar dela. Muito.

Só que, do lado de tucanos e democratas, as coisas estão igualmente pretas. Em São Paulo, não há garantia alguma de que José Serra vá ao segundo turno com Celso Russomano. E se for, as pesquisas dizem que não ganha.

Não é muito difícil assim entender o que está acontecendo. O eleitor se encheu de uma coisa e de outra. Em Belo Horizonte, está quase reelegendo Márcio Lacerda porque ele nem é PT, tampouco PSDB. Em Recife, Eduardo Campos deve fazer o prefeito, condição que, assim como na capital mineira, representa uma novidade, uma alternativa.

O que o Serra vai dizer do Russomano? Nada, ou melhor, pouco. Mas abriu fogo pesado contra o PT ao conectar Fernando Haddad ao mensalão. Não que ex-ministro da Educação tenha alguma ligação com o episódio, mas seu partido... Isso já é handicap suficiente.

Como ficar contra a opinião pública, que vem batendo palmas para cada relatório do ministro Joaquim Barbosa? Como ficar contra o cidadão que acredita, com as condenações que o Supremo vem decretando, que estamos atravessando o rubicão da sujeira e da impunidade?

Sobretudo, o discurso adotado pelo PT contra o julgamento no STF é rechaçado pelo cidadão. Caso façam uma pesquisa de opinião perguntando se a mais alta corte do País está errando na dose, não tenho dúvidas de que a resposta será um rotundo e sonoro "não".

Ninguém leva a sério a baboseira de acusar os ministros de não julgarem tecnicamente, mas de acordo com aquilo que foi sugerido pelos formadores de opinião - e que, em tese, contaminou as impressões da sociedade. Pior: o eleitor não admite tal teoria conspiratória. Por isso está dizendo não ao PT, como já disse ao PSDB e ao DEM.

A questão é fadiga de material. Chega um momento em que o desgaste de tanto tempo de poder cobra o preço. O processo é bonito exatamente por causa disso: apodreceu, bota outro no lugar. E apesar dos inúmeros erros e vícios do nosso processo eleitoral, considero que seja mais arejado do que nas grandes democracias: nos Estados Unidos, ou é democrata ou é republicano, na Inglaterra ou é conservador ou trabalhista, na França ou é direita ou esquerda. O maniqueísmo reduz as possibilidades.

Vai dar Russomano em São Paulo? Pode ser. Vai ser ruim? Vai trabalhar com os bispos da Universal? Pode ser também. O fato é que ele é uma opção, uma nova opção. Ou aí alguém tem alguma ingenuidade de que, para atingir o patamar que atingiu, não estará carreando votos também de ex-petistas desapontados ou de ex-tucanos decepcionados?

Não é o voto da ignorância, do despreparo, como muitos querem acreditar. Ora, por que desqualificar uma escolha legítima dessa forma? Trata-se do mesmo voto que já botou de Jânio a Erundina. Então, teria mais qualidade se o voto fosse em Haddad ou em Serra?

Isso é preconceito próprio do messianismo que algumas figuras da política invocam para si mesmos. O povo não é esse ente tacanho e desinteressado que muitos acreditam; não é essa massa manipulável que muitos atribuem. Tal classificação é dada por elites intelectuais que, na falta de argumento melhor para qualificar seus candidatos, bota a culpa no alheio.

Depois me contem se Russomano, caso vença as eleições em São Paulo, ganhou apenas na periferia, nas zonas mais modestas.