segunda-feira, 7 de maio de 2012

Caiu na rede é peixe

Cabral brinca: a opinião pública não achou graça alguma
Alguém realmente ficou surpreso com as imagens do lauto jantar desfrutado por Sérgio Cabral e Sérgio Cortes ao lado de Fernando Cavendish, em endereço nobilíssimo de Paris? Eu pelo menos não fiquei. Já havia me chamado a atenção aquele acidente no qual parentes de um e de outro morreram e sobre o qual o governador escapou por sorte do destino.

Disse num post anterior que conheci Cabral no mesmo banco de faculdade, fazendo campanha para vereador com panfleto desenhado por Ziraldo, amigo da família desde a época em que seu pai escreveu no "Pasquim". Tempos depois, encontro-o em evento político no Museu do Primeiro Reinado, quando, ao ser recebido com um abraço efusivo, me confidenciou que estava noivando a "neta do Tancredo" (o Tancredo aqui é Tancredo Neves, futuro e fugaz presidente da República). Num evento de final de ano, no Alcaparras, eis que cruzo com ele no banheiro do restaurante: Sérgio já era deputado, talvez presidente da Alerj - minha memória não chega a tantas minúcias.

De um ponto a outro, se passaram uns 10 anos. Cabral jamais escondeu a ambição. Era natural que, com uma trajetória que inclui ter sido um jovem senador, cultivasse amizades. E que essas mesmas amizades não tivessem surgido pela capacidade de o hoje governador contar piadas sujas - se é que realmente tem tal habilidade.

Há anos ouço que Cabral amealhou um invejável patrimônio, com direito a casa com deck para barcos de porte em Angra dos Reis. Com os vencimentos que acumula, pode ser que seja possível tanta coisa. Mesmo assim, quem já viu a casa não prestaneja em dizer que se trata de um imóvel de milionário. Mas vá lá que ele tenha conseguido financiamento para obter algo tão suntuoso.
Cavendish é o terceiro a partir da esquerda. Todos irradiam prosperidade

Também estranho a quantidade de notas na imprensa que dizem das viagens que Cabral faz ao exterior, sobretudo a Paris. Li dezenas delas na coluna de Jorge Bastos Moreno, no Globo. De início achei brincadeira, mas hoje me dou conta de que tratava-se de verdade. O governador parece ter imensa afinidade com a Cidade Luz. Por conta dessa constância de idas à aprazível e elegante capital francesa, em tom de chacota dizia-se que Cabral é o governador de direito enquanto seu vice, Luiz Pezão, é o governador de fato.

(Sem querer parecer futriqueiro, do Charles de Gaulle para o aeroporto de Basileia-Freinburg-Mulhouse, já dentro de território suíço, bastam 45 minutos de voo em confortáveis jatos de porte médio da Air France. Digo isso porque já fiz essa viagem. A trabalho, registre-se.)

Chamou-me a atenção também quando, tempos atrás, época em que o governador viveu crise conjugal, o prefeito Eduardo Paz tivesse colocado à disposição de Cabral o apartamento do irmão, na fronteira de Copacabana com Ipanema. Não haveria qualquer estranheza não fosse um fato: Guilherme Paz é banqueiro em São Paulo. Era o caso de agradecer a gentileza e não aceitar. Por razões óbvias.

Discordo do mestre Elio Gaspari quando disse que as fotos de Cabral e seus companheiros de noite francesa sejam bregas, próprias dos novos ricos que se fartam em Paris gastando um dinheiro que suspeitamente conseguiram. Acho que não seriam nada de mais não fosse:

1) serem protagonizadas por administradores públicos;

2) estarem nelas incluídas empresários;

3) serem em Paris, cidade preferida dos novos e velhos endinheirados dos quatro cantos do planeta;

4) terem vindo à tona no momento em que se discute um caso de corrupção de proporções bíblicas, que abarca partidos e políticos do governo e da oposição.

Defendo a tese que o homem tem direito a descontrair, sobretudo depois de um lauto jantar regado certamente pelo mais distinto vinho. A brincadeira, o "joie de vivre", o prazer da companhia de amigos queridos - tudo isso faz parte das missões, oficiais ou não. Devem ser gostosíssimos a hospedagem no Bristol, os paparicos na Cartier ou na Maison Chanel, a noite no Lasserre ou no Alain Ducasse, um borgonha exclusivíssimo, Bentley para levar e trazer. Quem pode desfrutar de tudo isso exibe sorrisos de satisfação.

Os homens públicos, porém, devem manter a sobriedade e a discrição. Fosse eu e um grupo de amigos, não seria nada de mais. Talvez nos chamassem de deslumbrados, deslumbramento esse que um governador, secretários e empresários com negócios dentro do governo não podem se deixar aprisionar. O meio político é implacável e para cada amigo, há dois inimigos. Que vão fazer excelente uso da informação quando for a hora.

Cabral pode nem ter sido flagrado em delito. Só que, ligando as pontas - notas nos jornais, fotos, fatos -, certamente se deduz que tenha uma ligação com Fernando Cavendish que vai além da amizade e da afinidade pelo bem-viver. Ainda que saia desse turbilhão ileso, sua conduta como gestor público não recomenda a recondução para cargo algum. Isso, claro, se o bom-senso e a memória prevalecerem.

As fotos e os vídeos são de 2009, mas a imprudência (ou a arrogância alimentada pela certeza de que podia fazer o que quisesse?) de Cabral fez com que viessem à tona agora. Momento de uma CPI que investiga o amigo Cavendish e sua empresa, e também quando o governador está empenhado na recondução do parceiro Eduardo Paz à Prefeitura do Rio.

Cabral abriu o flanco que faltava, dentro do seu partido e no Estado do Rio, para que seus adversários/inimigos reduzam sua importância. E se sua credibilidade não era das maiores, agora tende a murchar. Por mais que quem o ataque não mereça o respeito da opinião pública.

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