segunda-feira, 16 de abril de 2012

A autonomia do DF tem que acabar

Li estarrecido a notícia publicada sábado, n'O Globo, afirmando que o governo do DF tem uma pesquisa na qual se Agnelo disputasse uma eleição com Arruda, Arruda ganhava! Isso para mim quer dizer simplesmente o seguinte: o DF não pode ter autonomia administrativa.

Já não podia em 2010, quando uma eleição enviezada colocou Rogério Rosso para completar os meses que faltavam do governo Arruda. Ninguém tem dúvida alguma de que uma gangue vampirizou o GDF durante décadas; as imagens feitas pelo Durval Barbosa são fortes demais, impressionantes demais, incontestáveis demais. Então, como é que o eleitor pode querer que o Arruda volte?

Pior: no Reynaldo Azevedo, na Veja, está que Agnelo perderia até mesmo para Joaquim Roriz num suposto pleito. Para quem não sabe, ou não quer saber ou não pretende se lembrar, Arruda e Roriz são rigorosamente o mesmo grupo político. Quem serviu a um, serviu a outro.

E não é somente isso: Arruda renunciou, assim como Roriz renunciou à cadeira no Senado. Roriz, aliás, está inelegível pela próxima década. Foi tragado pela Ficha Limpa.

Então, é só aparecem denúncias (fortes, pesadas e fortemente documentadas) para que o eleitor do DF queira novamente os mesmos bandidos que não faz muito tempo estavam no poder?

Vale ressaltar que, no governo Arruda, teve auxiliar direto do ex-governador sendo levado preso para a Papuda! PA-PU-DA! Foi em cana como bandido comum.

Vale ressaltar que Roriz foi flagrado numa gravação acertando com Tarcísio Franklin de Moura, ex-presidente do BRB, a divisão de um dinheiro que, para quem está com a memória fraca, era público. E queriam levar o butim para ser repartido no escritório de outro facínora, Nenê Constantino, acusado de grilagem de terras e de mandar cometer um assassinato.

Vale ressaltar que a deputada federal Jaqueline Roriz foi FLA-GRA-DA nas gravações de Durval pegando dinheiro (público!) para pagar dívidas de campanha. E que só se safou de um processo de cassação na Câmara porque seus colegas temeram passar a serem julgados pelos crimes que cometeram antes de assumirem o mandato.

Isso quer dizer que a política do DF não tem quadros à altura de assumir a gestão pública.

Em assim sendo, qual a melhor alternativa para o cidadão-contribuinte-eleitor? ACABAR COM A AUTONOMIA POLÍTICA DO DF!

Claro que a turma que fica agarrada nas tetas do GDF não quer nem pensar nessa possibilidade, mas é o melhor momento para discuti-la.

Em 2010, Agnelo ganhou uma eleição plebiscitária: era um novo (?) grupo político contra aquele que sugou o GDF por mais de uma década. Ou seja, houve a identificação clara de que Roriz e Arruda eram a mesma turma, que tentaria se segurar através de Weslian, caso inédito de uma governadora-títere do próprio marido. Agnelo era um recém-chegado e, embora turbinado por grupos que oportunísticamente deixaram o outro lado, não vinha com o cheiro de bolor dos rorizistas explícitos e ocultos.


O DF é sustentado em boa parte por recursos da União. A polícia é a mais bem paga do País porque não é o governo que a banca. Os professores, a mesma coisa. Ou seja, a autonomia financeira é de brincadeirinha.

Se pesquisa houver, não deve ser feita com a pergunta ao eleitor sobre quem ganharia a eleição agora, no caso de saída de Agnelo. Deve ser indagado se o cidadão voltaria às urnas num plebiscito sobre se o DF deve continuar autônomo ou não.

Afinal, para onde quer que se olhe, as propostas são desalentadoras, desesperadoras, estarrecedoras, entristecedoras.

PS - Para que não digam que pegar carona na tragédia lulopetista é fácil, quem me conhece sabe perfeitamente que sempre defendi o fim da autonomia política e administrativa do DF.

Agnelo faz o V que pode ser o de "Vai embora"

Roriz, apesar das "pesquisas", está inelegível por mais de uma década

Arruda: de preso por corrupção a "candidato" à sucessão


sexta-feira, 13 de abril de 2012

A mãe do PAC diz que governo é uma coisa, PT é outra. Lamento informar: na CPI do Cachoeira, não serão

"'A agenda do PT não é a agenda de Dilma', diz um expoente do governo. A presidente, com a avaliação batendo sucessivos recordes, não teria interesse em brigar com a imprensa, um dos setores que o partido, para desviar o foco do mensalão, planeja envolver na CPI".

A nota foi publicada hoje no Painel, da Folha, a melhor coluna de pílulas políticas dos jornais diários nacionais. Foi ela quem levantou, na edição de ontem, a lebre de que a CPI do Cachoeira pode arrepiar muita gente se a construtora Delta também se tornar foco de investigação. PT e PMDB temem por isso e não é para menos.

O relator da CPI tem tudo para ser o senador Humberto Costa, aquele mesmo que foi escorraçado como ministro da Saúde do primeiro governo Lula. Ficou conhecido por entrar numa briga boçal com o governo Rosinha Garotinho por causa da dengue, que grassava no Rio.

(Sua atuação foi tão pífia, tão bisonha, que conseguiu fazer o governo federal perder a guerra da informação para os Garotinho! O casal fez de tudo para que a crise na saúde pública ficasse intensa para jogar a culpa no Palácio do Planalto. E conseguiu!)

Ou seja, no que depender de Humberto, a CPI vai tratar desde os tempos da construção de Brasília. Esperemos por um relatório final que não conclui coisa alguma. Será um festival de torpezas. O enredo a gente já conhece: a oposição não vai aceitar, apresentará um "relatório paralelo"...

...e segue o baile.

A questão é que o PT vai querer enrolar o governo nessa massaroca. Dependendo do rumo que a imprensa der a esse episódio - sim, ou alguém acredita que se fará alguma investigação da Delta, de Cachoeira etc.? -, começarão os apelos para o Palácio do Planalto descer do olimpo. A ministra Ideli Salvatti é particularmente sensível a argumentos do partido: sua atuação na CPI do Banestado a catapultou para a condição de uma das chefes da tropa de choque petista. Ideli é daquelas que dão "carrinho" pelas costas com a maior naturalidade.

Ainda que haja um PT ético, que quer aproveitar o momento para fazer uma depuração, e que a presidente e alguns ministros já tenham sinalizado que governo e questões partidárias não se misturam, não acredito que Dilma passará incólume, tampouco que conseguirá equidistância dessa que tem tudo para ser a crise que acabará com seu governo. Não porque ela queira, mas porque, mesmo com ordens expressas e explícitas, muita gente agirá por conta própria, colocando a máquina a favor da salvação do PT.

Sobretudo porque a CPI do Cachoeira expode com uma eleição municipal no horizonte. Em São Paulo, Lula antecipou o "fim da doença" para interferir nos rumos da campanha de Fernando Haddad, que não empolga. É dele também o sinal verde para o PT apoiar a CPI do Cachoeira, pois quer ver o governador Marconi Perillo (GO) ser tragado nessa queda d'água.

Ainda que enrolem, na tentativa de jogar os trabalhos da CPI o mais perto possível para o esvaziamento natural do Congresso com o começo das campanhas, o PT já está marcado para outubro próximo. Por conta das conexões que guarda com o governo de Agnelo Queiroz e pelo excesso de contratos que a Delta conseguiu de obras do PAC.

PAC esse, aliás, que tinha mãe: a atual presidente - conforme Lula várias vezes verberou. Se os jornais continuarem mostrando, como já começaram, a capacidade da Delta de fazer amigos e influenciar pessoas, vão começar a indagar como é que a construtora consegue "obrar" tantos milagres. E a mãe do PAC, nada sabia? Nem desconfiou?

Entenderam como será complicado para o governo ficar fora desse sanhaço?


PS - O DEM não pode rir de coisa alguma na CPI do Cachoeira. Além de tender ao desaparecimento, vai tomar uma dessas sovas históricas na próxima eleição por causa do Demóstenes.
Fernando Cavendish: homem da Delta tem conexões com reis e amigos dos reis

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Para onde se olhar, não se vê solução

O que esperar do governo do Estado do Rio? Nada. Isso eu já havia dito, várias vezes, em posts anteriores. São farsantes, galhofeiros travestidos de defensores do interesse público. Essas UPPs são história para boi dormir: saíram as armas pesadas entrou a surdina, a discrição. Os traficantes descobriram que dá para continuar vendendo cocaína sem chamar a atenção.

Mas a questão não é somente essa. Bandido, facínora, não desaparece simplesmente. Só quando morre. E quando continua vivo? Se foi expulso do morro, vai para outro lugar. Elementar, meu caro Beltrame. Ou disputa o ponto com a milícia ou com o bando rival. Para não ficar no prejuízo, vai para outro lugar controlado pela mesma facção.

Isso é óbvio, só que o Palácio Guanabara fingiu que não aconteceria. Fingiu que os traficantes expulsos do Alemão feito ratos, mais de um ano atrás, entrariam no mercado formal de trabalho.

"Mulher, cansei. Esse negócio de trocar tiro, de virar noite, de pagar arrego... Vou numa dessas agências de emprego. De repente, arranjo um de empacotador de supermercado. A gente vai viver de salário mínimo, mas, pelo menos, voltarei a ser um cara honesto".

Claro que um diálogo como esse jamais aconteceria. O bandido não nasce bandido, mas morre bandido. E bandido não se entrega, a menos que seja em condições extremas.

Quer dizer: aqueles ratos que figuram do Alemão iriam para algum outro lugar. Grande Rio, claro. Baixada? pode ser, mas o tráfico dá preferência a morros dentro da cidade, acessível a pessoas de poder aquisitivo. Niterói era a pedida óbvia.

E foram todos, ou quase todos, para lá. Muitos seguiram para a Região dos Lagos, local de Búzios e Cabo Frio. Outros tantos tomaram a região de Angra.

Niterói não chega a ser um apêndice do Rio, tal como Caxias. Foi capital de estado até 1974, quando houve a fusão de Guanabara e Estado do Rio. Tem uma população de alto poder aquisitivo e apresenta uma das maiores qualidades de vida do País, à frente até de Brasília. O niteroiense é bairrista e não gosta de ser confundido com o carioca, embora com ele divida espaços no trabalho, do outro lado da Baía da Guanabara.

Essa questão de qualidade de vida era até motivo de desprezo do niterioense pelo Rio. O cara que nasce e cresce em Niterói gosta de Niterói, até nos finais de semana. Vai às praias em Niterói, ao shopping em Niterói, aos restaurantes de Niterói.

Cenas da fuga do Alemão: e onde essa gente se enfiaria, Beltrame?
Sofre, porém, com sua própria "Caxias": São Gonçalo. Município vizinho, separado por uma linha de trem, é pobre, feio, violento e desorganizado como a Baixada Fluminense. Num primeiro momento, abrigou vários dos bandidos expulsos do Rio. Que jamais pensaram em voltar, diga-se. Estudavam uma forma de se instalarem em Niterói.

O resultado é o roubo de carros subindo mais de 500%, de assaltos a residências na mesma proporção, o aumento da violência nas ruas e, claro, a prosperidade do tráfico, que volta a viver os brilhantes dias de Rio. E só agora Beltrame, o homem da inteligência, o cerebral, o técnico, o antenado, o plugado, percebeu isso. E anunciou um pacote para combater a violência em Niterói.

Lógico que vai aparecer algum energúmeno dizendo que o governo do estado apostou na deterioração da segurança pública na cidade (administrada pelo PDT) para enfraquecer o sucessor que o atual prefeito (o mesmo da tragédia do Morro do Bumba) pretende fazer. Essa é uma conta que não soma coisa alguma, só diminui. Nem PT, nem PMDB lucram com o esgarçamento do tecido social.

Leio o principal jornal do Rio de Janeiro todos os dias e não há uma única menção de que o prefeito de Niterói tenha se entendido com o Palácio Guanabara, ante a percepção de que a violência na cidade subia. Dizem que o prefeito vive mais em outro país que na cidade que "administra". Não posso provar isso, mas talvez esteja aí a explicação para não notar a gravidade da situação.

O estarrecedor é que, para onde se olhe, não se vê administrador comprometido com o bem comum. Em partido algum, nem de situação, nem de oposição. Um vácuo moral precupante. Tenho sempre dúvidas se nossa democracia é forte o suficiente para impedir uma proposta aventureira. Já tivemos caçadores de marajás; não me supreenderia se surgisse alguém com um discurso radical.

Estão brincando com nossa liberdade. Pode parecer sinistrose, eu sei. Mas estou muito preocupado em ver que a irresponsabilidade e a amoralidade tomaram conta do País.  

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Um jornal assassinado pela loucura

Robertão Porto é um amigo do passado. Tem grandes e gloriosas recordações, histórias engraçadíssimas, seja do jornalismo ou do futebol, com direito a algumas passagens pela política (seu pai foi um eminente advogado no Rio dos anos 40 e 50). Robertão é desses homens que guarda a memória numa caixa machetada com madeira fina e detalhes em ouro maciço. Tudo o que ele escreve é rico. Historiador nato, brilhante contista de episódios (verdadeiros ou não), é uma figura a quem admiro como pai e respeito como irmão mais velho.

Acho apenas que Robertão tem uma visão romanceada do que foi a Tribuna da Imprensa. Não importa, tem esse direito.

Mas eu não. Impossível negar a tragédia, o ocaso, o desespero, o desrespeito, a tristeza. Vi e vivi tudo de muito perto. Não queria, mas ninguém brinca com o destino. Tenho compromisso com minha história e, sobretudo, devo repeitar as dores que senti.

Lastimo muito o que vou contar a seguir.

A Tribuna fechou as portas pela incompetência de seu dono, Helio Fernandes, que tinha uma desconfiança patológica, esquizofrênica, de todos os que o cercavam. E dentre esses, não diferenciava quem era bom ou mau.

Geralmente trocava as estações: elogiava e endossava os sem caráter, os descompromissados, os oportunistas; e criticava e desprezava os honestos, os precavidos, os prudentes, os desinteressados.

A Tribuna naufragou por causa de uma briga intestina entre Helio e seu filho mais velho, Helinho. (Os demais, sobretudo Rodolfo Fernandes, que foi diretor de redação de O Globo, não tinham qualquer relação profissional com o jornal.) Difícil dizer qual dos dois foi mais nocivo.

As acusações que se faziam eram de envergonhar qualquer um. Helinho, com quem convivi mais estreitamente, tinha uma gaveta na sala vizinham à minha na qual guardava os bilhetes mais terríveis que recebia do pai. Repito: DO PAI.

Momentaneamente? Volta quando? Perguntem a Helio
Não defendo Helinho. Nem poderia, apesar de já ter morrido. Explorou pessoas, esgotou o jornal, fez dinheiro escondido; tomou, usurpou. Mas as críticas que recebia de Helio eram absurdamente torpes. Com ou sem razão, Helio jamais teve coragem para afastá-lo. Preferia escrever-lhe monstruosidades capazes de chocar qualquer um que as lesse.

Testemunhei várias discussões entre eles, ou na sala ao lado, ou pelo telefone, quando se ouvia somente a voz de um ou de outro. Impressionava não somente o nível de beligerância, mas o desprezo que se devotavam. Ingredientes externos ajudavam a piorar uma relação que, creio, àquela altura tinha se tornado de puro ódio.

Um dia Helinho se encheu de ser escorraçado. Deixou a Tribuna. Continuava indo ao prédio da Rua do Lavradio 98 e trancava-se no grupo de escritórios que mantinha de frente para a rua, cuja porta era junto ao final da escada, no primeiro andar. Cuidava apenas dos negócios pessoais, que se misturavam aos do jornal. Uma relação promíscua e suspeita, para dizer o mínimo.

Por que trago algo dessa natureza à tona? Primeiro, porque trabalhei na Tribuna de 1990 a 2007, ocupando as mais várias funções, até chegar a diretor de Redação, cargo que ocupei por 10 anos.

(Jamais tive meu nome no expediente porque os Fernandes não permitiam. Antes de mim, estiveram na função, cronológicamente: Roberto Assaf, Roberto Porto, Mário Gustavo Rolla, Argemiro Ferreira, Paulo Sérgio Souza, José Trajano, Ricardo Gontijo e Tarso de Castro. Depois de mim, Elifas Levi. Todos jornalistas de primeiro time.)

Segundo, porque fui tratado com um desrespeito que jamais voltei a encontrar. Os compromisso com os funcionários da Tribuna atrasando e eu ouvindo de Helio Fernandes, pelo telefone ou pessoalmente, suas justificativas.

"Num jornal, tudo é prioridade: papel, tinta, gente, distribuidor...", repetia, como um mantra, para explicar hiatos salariais que, por vezes, alcançavam 50 dias.

"Não, sr. Helio. A prioridade é sempre o pessoal. Sem ele, não há jornal", devolvia-lhe, já irritado com a lenga-lenga.

"Eu posso fazer esse jornal sozinho. Eu e mais dois. Essa redação tem gente demais", disparava, já levantando do sofá encardido que ficava na minha sala e saindo, redação afora, sob os olhares fuzilantes das pessoas que levavam aquele imenso e pesado cadáver.

Certa tarde, Helio resolveu enfrentar os jornalistas. Havia mais uma greve em marcha, que fazia tempo não conseguia segurar (e ele ainda me acusava de incitá-las; como se fosse preciso). Não lembro exatamente o que disse, mas foi algo assim para uma plateia de umas 30 furiosas pessoas.

"Vocês têm todo direito de fazer queixa na Justiça do Trabalho. Inclusive, eu apóio a ida de vocês até lá. Aproveitem e matem o jornal...".

"O senhor só pode estar de sacanagem!", esbravejou uma ex-colega, indignada com o fato de alguém que é devedor ainda acreditar que tem alguma razão.

O jornal, àquela altura, estava morto. Helio já sabia disso, tanto que o enterrou como indigente (simplesmente baixou as portas, sem pedir falência ou concordata, deixando dezenas de pessoas na penúria e devendo-lhes os direitos trabalhistas mínimos). A Tribuna "física", de papel, morreu pouco mais de um ano depois desse bate-boca.

Ele deu as costas e foi embora, deixando para trás quem queria e quem não queria ouvi-lo. Ali, percebi que não havia mais jeito. Era questão de tempo.

Helio ainda tentou alimentar uma farsa, atribuindo ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo, a culpa do fechamento por não ter sido paga uma indenização que era devida ao jornal. Ato final de uma série de absurdos, abusos e ataques sem consistência construídos pelo próprio Helio.

Nesse tempo, já vinha negociando com meu amigo Jorge Eduardo Antunes a vinda para Brasília. Assim que ele deu o sinal verde, pedi demissão e hoje discuto na Justiça a dívida que a Tribuna tem comigo.

No dia da minha despedida, uma ensolarada segunda-feira, Helio veio falar comigo. A temperatura da crise financeira do jornal ardia alta.

"Fez a coluna de amanhã?", me perguntou, como se não soubesse que, na sexta-feira anterior, eu me demitira.

(Naquela época, fazia a coluna "Fato do dia", que ia na página 2. Jamais recebi um único e escasso tostão por isso. Assumi obrigado, porque Helio PROIBIRA Helinho de fazê-la - achava que o filho ganhava dinheiro com o espaço. Ficou comigo, que toquei a contragosto, primeiro sozinho e depois ajudado pela jornalista Carla Giffoni. Quando peguei simpatia, mesmo às segundas-feiras, na minha folga [trabalhava todos os domingos e feriados], fazia questão de mandá-la de casa. E ainda era obrigado a conviver com as críticas de Helio, que muitas vezes dizia que "estava fraca" e mandava colocar sobras de algo que escrevera.)

"Sr. Helio, me desliguei do jornal sexta-feira passada. A última coluna que fiz saiu hoje. Vim aqui apenas me despedir e arrumar as gavetas".

Levantou-se do sofá encardido, estendeu-me a mão fina e mole, desejou-me um boa sorte sem vontade ou sinceridade. E saiu da sala, como de outras vezes. Tinha de "fazer" a coluna da página 2 na salinha onde outrora funcionara a distribuição do jornal, repleta de edições antigas que mandara o bravo Joaquim Marques, o arquivista, selecionar e empilhar para ele.

Quer dizer: Helio realmente podia fechar um jornal sozinho. Qualidade é algo que não faz parte desse julgamento.

Vim para Brasília sem ver meus dois últimos salários e parte do 13º do ano anterior - por eles discuto na Justiça há cinco anos, incluindo aí um roubo monstruoso do meu FGTS praticado pelo jornal. O advogado que contratei, um rapaz que vi crescer e se formar, vem a ser enteado do meu amigo Robertão.

Não, Roberto. Helio jamais o chamaria para comandar a Tribuna novamente. Não porque te falte competência e nem porque ele não tivesse vontade. Não chamaria porque Helio resolveu matar a Tribuna.

Miseravalmente.

(Dedico esse artigo às seguintes pessoas: Romeu, Cristiana, Luís Carlos, Silas, Ari, Elifas, Ivana, Dona Neide, Dona Nice, Paulinho, Bibi, Amaro, Antônio, Elaine, Vítor, Débora, Jorge Reis, Burrinho, Carla, Amaury e a outras pessoas cujos nomes não lembro agora. Exceto por alguns desses, que saíram antes ou morreram, quase todos viram o sopro final de vida da Tribuna.)

terça-feira, 3 de abril de 2012

Querem mesmo fazer um espurgo?


Reproduzo abaixo os textos de dois impecáveis jornalistas e agrego o raciocínio que fiz num post, dias atrás, sobre a felicidade de alguns com a desgraça do Demóstenes Torres. Volto lá no final, novamente em preto.

Reynaldo Azevedo: “Mas por que os blogueiros (...) estão em festa? Seria só porque um senador da oposição quebrou a cara? É claro que não! A oposição já é raquítica hoje, com Demóstenes e tudo. (...) A turma que divide com o Zé bobó de camarão com caipirinha na casa daquele gigante do progressismo está celebrando outra coisa: “Ora, se até o senador Demóstenes caiu, e de maneira tão avassaladora, está provado que moral política não existe mesmo! Fica evidenciado que todos pecam. Mais ainda: os que mais falam em moral e retidão são os piores”.

É a vingança da imoralidade, vivendo seu momento de desrepressão. Eles não querem apenas ver Demóstenes morto politicamente. Isso, convenham, já aconteceu. Querem liquidar com a própria moralidade, como se todos os maus passos dados pelo senador na relação com Carlinhos Cachoeira fossem um desdobramento, uma consequência ou um apanágio da sua pregação e de sua atuação. E A VERDADE ESTÁ JUSTAMENTE NO OPOSTO: tudo o que ficamos sabendo dia após dia só nos diz que havia incongruência entre intenção anunciada e gesto. E é isso o que choca”.

Dora Kramer: “Abatidos ficaram os que acusaram um duro golpe na já combalida oposição; desapontados os que tinham nele uma referência de ética na política; exultantes mostraram-se aqueles que viram no episódio a chance de externar uma espécie de vingança à deriva contra ‘os moralistas de plantão’.

Para estes, Demóstenes Torres é a prova cabal de que os combatentes das boas causas devem ser vistos com desconfiança, pois dentro deles mora sempre um amoral. "São os piores", avisam sapientes.

O problema da premissa é o equívoco da tese: se as farinhas todas têm origem no mesmo saco, que se locupletem todos à vontade. Tudo estaria então permitido e a crítica antecipadamente interditada em obediência ao pressuposto da isonomia no quesito suspeição”.

Eu: “O segundo ensinamento que colho é que todos os governistas estão satisfeitíssimos com a derrocada de Demóstenes (parece até título de épico). Têm frouxos de riso, riem à bandeiras despregadas - como diria Nelson Rodrigues. Pouco importa se, no fundo, pensam assim: ‘Então, a vestal é bandida também?’

Ou seja, não quer dizer-lhes coisa alguma serem nivelados por baixo. Ou melhor, não se incomodam com isso. Eis que surge um par, um semelhante, um equivalente, do outro lado da porteira. A oposição tem suas laranjas podres também.

Demóstenes: estafeta de luxo prestando a serviço à contravenção
Que legal. Vejam àquilo que está reduzido o Senado: o time do Curinga contra o do Pinguim. Quando se pensava que havia super-herois, eis que surge uma espécie de quinta coluna, alguém que consegue enodoar os acusadores dos malfeitos do governo. E nem se diga que Demóstenes foi julgado sem direito a ampla defesa. Ninguém renuncia ao comando do DEM na Casa se não tiver perdido as condições de continuar liderando”.

É sempre bom estar em boa companhia intelectual, apesar de tanto Reynaldo quanto Dora não fazerem a menor ideia de quem sou. Isso não me incomoda. E insisto que o fio puxado nesse caso é apenas um começo, que vai certamente respingar em Brasília. Não por causa da proximidade geográfica, mas devido às confluências políticas.

Há empresários na cidade que acenderam velas, na eleição passada, tanto para Agnelo Queiroz quanto para Marconi Perillo, dois governadores que já apareceram na correnteza de Carlinhos Cachoeira, conforme a edição da Veja do final de semana passado. É bem possível que os negócios se cruzem, pois o contraventor mantinha conexões com PT e PSDB de cidades tão próximas. Além disso, o meio político goiano e brasiliense troca figurinhas, sobretudo na administração do Executivo.

Acredito plenamente que a desgraça de Demóstenes é só o começo da tragédia. Difícil prever se o Senado está realmente disposto a investigar isso (o Conselho de Ética, para dar um exemplo, não tem presidente. E quem vai querer segurar essa batata quente?). Talvez a Câmara queira cassar agora, para dar a resposta que ficou em branco no episódio de Jaqueline Roriz, aqueles deputados que já foram alcançados, alguns deles até cobrando uma colaboração de auxiliares de Cachoeira.

Mas sou rigorosamente cético em relação a punições, cassações, processos, perdas de mandato e coisas do gênero. O espírito de corpo prevalece, independentemente do desejo da oposição em se purificar (e não perder mais do que tem perdido) e do governo em se proteger. Os congressistas sabem que a pressão da sociedade só funciona mesmo quando podem colher algum dividendo político. 

Além do mais, estamos em abril. O Congresso vai funcionar mesmo até meados de maio. A partir daí se esvazia (com o beneplácito do Palácio do Planalto), mais interessados que estão deputados e senadores nas eleições municipais. Tempo para cassar essa turma, há. Quando querem, os processos políticos correm rápidos.

A questão aí é a vontade. Triunfará? (Mil perdões a Leni Riefenstahl pelo trocadilho.)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Passe da linha de fundo

Me diverti com a cena do gandula evitando um gol, num jogo do campeonato sergipano. Está no site da ESPN Brasil, com direito a comentário de Zé Trajano, com quem em priscas eras trabalhei na falecida Tribuna da Imprensa. Eu era um repórter iniciante enquanto ele era o diretor da redação do jornal de Helio Fernandes, que naquela época ainda mantinha algum respeito e credibilidade. Isso foi ali por 1984, 85. Como podem ver, sou velho nessa lida.

Mas a razão desse post é que já teve episódio de coleguinha (que é como nós, jornalistas, chamamos os iguais da profissão) fazendo o mesmo papel. Pelo menos foi o que me disse Robertão Porto, um dos últimos grandes cronistas esportivos desse país e não por acaso padrinho do meu ex-casamento. Admito que, por ser um contador nato de histórias, não sei se o que me foi relatado por Roberto se deu realmente. Mas o personagem que faz parte dessa gostosa croniqueta existe e está aí vivo e bem, graças a Deus.

Por razões óbvias, uma vez que não posso provar, omitirei o nome do radialista que protagonizou a cena que vou descrever daqui a pouco.

Posso dizer, porém, que foi meu companheiro de velhas jornadas nos treinos do Botafogo, em Marechal Hermes. Não que eu seja botafoguense: era repórter esportivo de O Globo. Ele, sim, jamais escondeu a condição de torcedor alvinegro. Fanático, diga-se.

O clube da Estrela Solitária, tão na moda agora por causa de Rodrigo Santoro e sua interpretação para Heleno de Freitas, naquela época vivia dias de um exílio forçado na rua Xavier Curado, subúrbio do Rio, bem perto do Campo dos Afonsos. O presidente era o bonachão Althemar Dutra de Castilho, mas quem mandava mesmo era Emil Pinheiro, um dos homens fortes do bicho no Rio. Emil fazia o tipo "low profile", apesar da peruquinha a esconder-lhe a calva. Falava mansamente, era simpático e, melhor de tudo, era o chamado "banqueiro de descarga" do bicho carioca.

Ou seja: era a seguradora do jogo. Segundo soube (e se não for isso, podem me desmentir à vontade), os banqueiros pagavam a ele tributo da arrecadação para que administrasse o dinheiro e, eventualmente, bancasse um prêmio milionário e inesperado.

Mendonça comemora gol com Renato Sá
Mas, voltando ao Botafogo e ao radialista. Na Rádio Nacional, no programa No Mundo da Bola (que não lembro se naquela época continuava sendo ancorado por Marcelo Rezende; mas se não fosse por ele, certamente era por Sidney Amaral ou Mário Silva), apresentava as delícias e maravilhas do Botafogo Futebol e Regatas.

Sim, para o radialista jamais havia tempo ruim ou crise no Botafogo. Registre-se que esse coleguinha não fazia nada que seus chefes não permitissem. Questão ética é, como diria Tim Maia, outra questão.

Mas, segundo Robertão, houve uma vez que esse radialista extrapolou das funções de torcedor e entrou em campo, literalmente, para ajudar o time. O jogo seria do Campeonato Carioca e o Botafogo jogava em Marechal - não me perguntem o nome do adversário; pode ser qualquer um dos pequenos do Rio.

Bola lançada na esquerda para Renato Sá, mas forte, além da conta. O atacante já estava desistindo da corrida, vendo-a atravessar a linha de fundo, quando entra em cena o coleguinha, que fazia ponta naquela partida. (Para quem não sabe: "ponta" era aquele repórter que ficava atrás do gol conferindo e confirmando as jogadas de ataque do time que vinha na sua direção.)

Apesar do microfone em punho, o radialista aproveitou que a bola se aproximava para, de onde estava, fora do campo, recolocá-la em jogo. Antes mesmo de juiz apitar o tiro de meta, rolou-a de volta para Renato Sá. Que deu duas passadas a mais e, de canhota, emendou o centro.

Como diria Valdir Amaral, "bololô na área"...

Enquanto a zaga adversária do Botafogo parava, surpresa com o "passe" do coleguinha, alguém meteu a cabeça na bola e estufou a rede. E pior: o árbitro confirmou! O bandeira correu para o meio do campo, o juiz apontou o centro.

Foi aquele sanhaço.

Primeiro,  os jogadores do time visitante cercaram juiz e bandeira tentando demovê-los do gol rigorosamente ilegal. Quando perceberam que o trio de arbitragem validara a bisonhice, voaram em cima do coleguinha. Que, por razões óbvias, tratou de sair correndo para não ser linchado. Dizem que continuou fazendo a "ponta" da sala da diretoria do Botafogo, ouvindo a transmissão de uma concorrente.

A Estrela Solitária já sofreu com injusto exílio no subúrbio
Não sei se o "gol" deu ou não a vitória ao Botafogo. Sempre que Robertão lembrava essa história, eu já estava rolando no chão, às gargalhadas, imaginanando a cena.

Uma coisa, porém, é verdade: Robertão várias vezes repetiu o mesmo episódio na frente do coleguinha, que jamais o desmentiu. Tampouco disse que "não tinha sido bem assim".

Então, para todos os efeitos, a história é "verídica e verdadeira", como diria a Ofélia de Fernandinho.

(Para meu queridíssimo Robertão, companheiro de grandes e saudosas jornadas na redação da Tribuna. E para meu sobrinho Lucas, torcedor de um Botafogo que eu vi começar a renascer no já distante ano de 1989, com Valdir Espinosa, Búfalo Gil, Paulinho Criciúma, Maurício, Josimar, Luizinho, Mauro Galvão, Wilson Gotardo...)