quinta-feira, 22 de março de 2012

Machine Head ou como Roger Glover se tornou o responsável pela obra de arte

Meu irmão me deu uma dica ótima, de um blog muito bem feito (theselvedgeyard.wordpress.com), que fala sobre tudo o que a gente gosta: carros, mulheres e, claro, música, boa música. E a matéria mais recente é sobre o "Machine Head", obra-prima do Deep Purple e um dos discos mais importantes não somente da histórica do rock, mas da música. Isto posto, vamos aos fatos.
Roger Glover: o homem que fazia o meio de campo
O "Riquembáquer" de Glover usado na gravação
A trajetória do "Machine" começa no "Fireball", álbum anterior. Os caras se enfiaram numa mansão em Gales para compor as músicas e ficou clara a distância abissal entre Ian Gillan e Ritchie Blackmore. A disputa que havia nos palcos sobre quem era a estrela principal da companhia passou para o estúdio. Os outros três, adeptos do "deixa disso", se equlibravam nas relações da banda, colocando o interesse coletivo como ponto primeiro. Funcionou, mas nem tanto.
Para o trabalho seguinte, e como forma de realizarem uma terapia de grupo, o Purple desembarcou na Suíça, em Montreux. Nessa época não havia o famoso festival, organizado por Claude Nobs que, aliás, foi uma espécie de "ataché", arranjando as facilidades para que as gravações fossem realizadas.
Blackmore: figura estranha e inquieta
A ideia dos cinco era fazer um disco "ao vivo", ou seja, na tora, direto. Compunham as músicas, ensaiavam-nas e, quando tudo estivesse rendondo, "tape rolling". Para isso, do lado de fora do Cassino Montreux estaria a unidade móvel de gravação dos Rolling Stones, sob comando de Martin Birch - que se tornara uma espécie de sexto integrante, garantindo a qualidade do som e das produções.
A história, a partir daí, é mais que sabida: o teto falso de bambu do Cassino pegou fogo num show de Frank Zappa (as fotos da fumaça subindo, ainda na manhã seguinte, podem ser vistas na capa interna do LP original) e levou tudo junto. A solução foi estacionar o Bedford com a unidade móvel na calçada do hotel em que os cinco estavam hospedados, fechar um andar inteiro e improvisar dali a gravação. Que ficou, evidentemente, ótima.
Ian Gillan: contendor de Blackmore
O que poucos sabem é a história das relações pessoais. Blackmore e Gillan jamais foram como Page e Plant, ou seja, corda e caçamba. Não se completavam e isso pode ficar comprovado com a quantidade de vocalistas que o guitarrista teve ao lado - Rod Evans, David Coverdale, Glenn Hughes, Ronnie James Dio, Graham Bonnett e Joe Lynn Turner. O cantor também não é conhecido pelo temperamento fácil; assim, o curto-circuito foi inevitável. Jon Lord e Ian Paice, como Blackmore fundadores do Purple, sempre se sentiram bem na posição de assistentes de luxo, caras que têm o bônus e não o ônus.
O meio de campo nessa teia, que tinha tudo para furar, era Roger Glover. Habilidoso com o baixo e mais ainda no console, nascia dele boa parte das composições da banda, que os demais ajudavam a dar o formato final. "Smoke On The Water", por exemplo, foi um riff que desenvolveu e passou para Gillan, que, ao ouvir o esboço da letra, retrucou:
- It seems like a drug song!
- Yeah, I know. But... - treplicou Glover, conquistando a aquiescência do companheiro.
(Breve interrupção do relato: por muito tempo, "Smoke On The Water" deu nome também àquele jeito de fumar maconha pelo narguilé ou por uma espécie de cachimbo com água no fundo, aspirando somente a fumaça.)
Gillan foi chamado primeiro pelo trio original, de saco cheio com os maneirismos à Elvis de Rod Evans.
- Deep Purple need songs and, probably, a bass player - ouviu Glover, numa época em que o trio Blackmore-Lord-Paice ainda não havia decidido se o apenas correto Nick Simper seria limado.
Caso resolvido em questão de semanas.
A prova que Glover era um catalizador foi que, anos depois à saída do Purple, voltou a trabalhar com Blackmore, naturalmente desconfiado e inquieto com as formações das bandas que montou. Entrou no Rainbow em substituição a Bob Daisley, no "Down to Earth", e tornou-se responsável pela direção mais palatável assumida pela banda, que visava conquistar o mercado americano. Homem de confiança do guitarrista e produtor, ficou até o final, quando o Purple renasceu com a Mark II.
Além disso, Glover foi o administrador musical da Purple Records. Pelas suas mãos passaram Coverdale, Hughes, Gillan, além do Elf de Ronnie James Dio, que deu uma banda pronta e acabada para Blackmore lançar seu primeiro disco. Em "The Butterfly Ball", alegoria que o baixista lançou depois de deixar o grupo, basta ver a quantidade de instrumentistas quer tinham ou tiveram relação direta com a Ian Gillan Band, o Rainbow ou o Whitesnake.
No encarte de "Machine Head", há uma sequência de fotos esclarecedora, na qual Glover pode ser visto ao lado de Birch, na mesa de gravação. Não termina aí: a reedição do álbum, dupla, na edição de 25 anos feita anos atrás, contou com a supervisão direta de Glover - que, aliás, fez o mesmo com "In Rock", "Fireball", "Made in Japan" e "Who Do You Think We Are". Muito do que o Purple se tornou é devido a esse welshman, nativo de Brecon.
O Mark II somente se desfez porque a relação entre Blackmore e Gillan chegou ao extremo do esgarçamento. Como lembrou Lord no DVD "Heavy Metal Pionners", se no palco os dois se davam muitíssimo bem, se desafiando e levando os show do Purple ao estado da arte instrumental, fora dele eram linhas paralelas. É certo também que Lord ou Paice nada fizeram para mitigar os conflitos internos, pois, como disse o baterista:
- Blackmore was the star of the left on the stage, Lord was in the right of the stage and I was in the back.
Quer dizer: era uma questão de ninguém roubar a cena. Gillan e Blackmore vinham se tornando absolutos, como pode ser ouvido na versão de "Strange Kind of Woman" ou do "Made in Japan" ou do "In Concert": os dois traçam um duelo de voz e guitarra em que tudo o mais se torna a base para que ambos brilhem.
Uma vez com Gillan fora, Glover se sentiu na obrigação de segui-lo. Antes, porém, a banda deixou o bom "Who Do You Think We Are", que seguiu o mesmo esquema de "discutir a relação": os cinco foram para uma vila na Itália, começaram a escrever e ensaiar lá o material, até que descobriram que o ônibus da unidade móvel não entrava na propriedade porque não passava pelo portão. As coisas nesse meio tempo azedaram ainda mais.
Só que essa é outra história.
A de Machine Head, e que poucos contam, é que tornou-se um ícone por causa de Roger Glover. Não era um baixista exuberante como Hughes, mas deve ao menos merecer o crédito de ter feito do Purple uma superbanda, com seu temperamento diplomático e seu profundo conhecimento técnico.
Glover "bate uma bolinha" com uma das Strato de Blackmore

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