sexta-feira, 30 de março de 2012

Até que surja algum maluco

Lendo hoje o Globo, fica fácil deduzir que Demóstenes Torres acabou para a política. Mas ainda tenho muitas dúvidas sobre se será cassado. Por mais que digam que o processo que corre no Senado seja político, quem vai fazer sua defesa é o Kakay, inegavelmente um dos advogados mais caros do País. E ninguém é carro assim se não souber dar nó em pingo d'água.

Kakay é um personagem que transita com a maior naturalidade entre os três Poderes. Tem influência no Congresso, no Palácio e no STF. Não há ilegitimidade alguma nisso. É algo que só faz reforçar seu poder de articulação. As conexões que mantém são capazes de virar o jogo.

Demóstenes ganha, mesmo tornando-se um zumbi político? Ganha. Vira um zero à esquerda, mas continua protegido pela imunidade parlamentar. Só poderá ser julgado pelo Supremo, corte na qual seu advogado tem imenso trânsito. Não esqueçamos que Kakay defende também José Dirceu no processo do mensalão.

Volto a dizer que abrir a tampa da panela que cozinha Demóstenes é perigoso para muita gente. Mesmo porque, a essa altura, o senador deve estar articulando numa defesa na qual arrasta vários parlamentares com ele, dentro da casa na qual milita.

É ingenuidade acreditar que somente dois obscuros deputados goianos serão engolidos pela cachoeira de lama que está para despencar. Esses são apenas os mais afoitos, os menos cuidadosos. Têm aqueles que acompanhavam os processos diretamente, tinham ligações, mas não imprimiram suas digitais. No tempo certo virão à luz.

Claramente também a oposição, que já não era nada, foi reduzida ainda mais. Corre risco de desaparecer totalmente depois desse episódio de Demóstenes. Quem agora acreditará no discurso moralista de Álvaro Dias, Agripino Maia, Aécio Neves, Roberto Freire e poucos outros, depois que o senador goiano caiu em desgraça por colocar o mandato a serviço da contravenção?

Por mais que digam que entre eles e Demóstenes haja uma imensa diferença, o discurso da fiscalização dos atos do governo não merece mais crédito.

O pior é que abre a porteira para a base governista fazer todo tipo de barbaridade. Se do outro lado da mesa quem tem o poder de fiscalizar e denunciar caiu em descrédito, ganha o dono da faca e do queijo.

Durante muito tempo, a imprensa, que rasga o canal de esgoto no qual nossos políticos nadam alegremente, ficará ressabiada com aquilo que vier da oposição.

Não basta denunciar; tem que ter moral para denunciar. Não é interessante para ninguém mostrar que, de um lado e de outro, existem bandidos de alta periculosidade.
Demóstenes foi enterrado vivo pela própria ambição
Como existe maluco para tudo, o Clube Militar pode perfeitamente deflagrar uma campanha para o fechamento do Congresso pela absoluta falta de condições morais dos nossos parlamentares. E querem saber? A população apoiará.

Basta alguém galvanizar o sentimento de revolta contra senadores, deputados, vereadores (e, por que não?, presidente, governadores, prefeitos, ministros...) que se corre o risco de um clamor popular pedir a extinção do Legislativo. E terá legitimidade para tanto. Vivemos a plenitude do estado de direito, que inclui sobretudo a liberdade de expressão.

A prova de que, como disse Churchill, a democracia é o pior dos regimes (excetuando-se, naturalmente, todos os outros), é que o Clube Militar reagiu estupidamente às ações que visam trazer à tona casos fundamentais da ditadura. Realizou um ato de defesa do golpe militar. Podem dizer o que quiserem, mas não se pode defender de forma alguma o arbítrio vivido neste país por 21 anos.

Estou do lado daqueles que se sentem afrontados (e não é de hoje) com a insistência dos fardados em "festejar" a supostamente "redentora". Trata-se de uma provocação, de uma infâmia.

Resultado: o pau quebrou no centro do Rio. Da mesma maneira que quiseram fazer o teatrinho em favor da boçalidade, a turma do contra teve direito de ir para a frente do Clube berrar contra a afronta. Para mim tem mais ou menos o mesmo significado da revolta dos cidadãos judeus que se levantaram contra o desfile de neonazistas em Skokie, décadas atrás, no estado americano de Illinois.

Mas, como vivemos numa democracia - que os militares sempre detestaram -, podem elogiar e defender o que quiserem, como Hitler e o fascismo.

Podem até mesmo pedir o fechamento do Congresso.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Desperdício de talento

Não se assuste quem ler este post sobre o novo CD do Deep Purple, "Deep Purple with Orchestra", gravado em Montreux, ano passado. Sobretudo se tiver lido aquele em que falo sobre o "Machine Head", que considerei uma obra-prima, um dos mais importantes da história do rock. Porque a descrição que farei, daqui para diante, não é nada elogiosa.
Bem que poderiam ter nos poupado desse CD
O que é o Purple hoje? Cinco músicos de primeira linha enganando os incautos e os fãs que não têm discernimento algum. Levam esse pesado cadáver sobre um cavalo já alquebrado, até de que dele não exista mais nada. Ou seja: money talks. Mas o preço a pagar é altíssimo, sobretudo quando não se quer parecer ridículo.
A banda sempre esteve bem próxima da música erudita. Jon Lord escreveu o "Concert for Group and Orchestra", uma obra confusa, mas que mostrava bem a qualidade do quinteto. Teve ainda a "Gemini suite", que só mais recentemente tornou-se disco com a execução pela Mark II (originalmente reuniu vários músicos com alguma relação com o grupo).
Lord ainda elaborou "Windows" e "Sarabande". A explicação para essa fixação era o claro desejo de se igualar aos mestres classicosos de então, Rick Wakeman e Keith Emerson. Embora não faltasse ao tecladista original do Purple categoria, faltava a ele talvez confiança e segurança na própria capacidade.
Ritchie Blackmore também flertava com o erudito. Nos seus solos vivia a citar trechos de Bach e outros compositores barrocos. Enumerava alguns lugares comuns que tinham muito efeito, já que seus contemporâneos de guitarra não pareciam muito interessados nos compositores dos séculos passados.
O problema é que o Purple, com esse disco, resolveu fazer um arremedo de si mesmo. Tais combinações, que não são ineditas, beiram o ridículo. A Royal Philarmonic Orchestra andou fazendo séries de participações (e até discos próprios, como os inacreditáveis "Hooked on...") em discos alheios. Os resultados são duvidosos. O Purple poderia ter tomado como base essa infeliz experiência.
Pior: o quinteto lembrou bobagens classicosas do tipo Franck Pourcell, Caravelle, Ray Conniff, Kenny G., ou como o atual príncipe da cafonalha do gênero, André Rieu.
Uma banda preguiçosa apostando no lugar comum
Fico imaginando: por que os cinco não resgatam músicas menos executadas do repertório da Mark I e da Mark II?
Ou por que não fazem releituras semelhantes à de Santana, que recentemente lançou o excelente "Guitar heaven", seu melhor disco em quase duas décadas?
Ou ainda: por que não unificam o repertório (que desde a volta, em 1982, jamais foi executado), levando músicas da Mark III ou Mark IV?
Ou por que não aproveitam que a febre passou e levam seus clássicos em formato acústico?
Alternativas não faltam. Falta a vontade de arriscar. Um Purple que corra riscos, pelo menos para mim, será sempre melhor que esse atado a fórmulas pouco inspiradas. Afinal, foi o próprio Roger Glover quem disse, no documentário "Heavy Metal Pionneers", que "you take chances if you play hard rock".
A preguiça leva a desempenhos bisonhos. Ian Gillan, que se sai maravilhosamente bem quando respeita os limites da sua já desgastada voz, ainda tenta os agudos "de antanho". Sai-se, evidentemente, mal.
Don Airey, que está no Purple há pelo menos uns cinco ou seis anos, é mais um a trafegar somente na zona de conforto. Mesmo as citações que faz em seus solos são o clichê do clichê. Nem mesmo parte da introdução que compôs para "Mr. Crowley", clássico de Ozzy Osbourne, consegue parecer inédito ou eficiente.
Ian Paice é um caso a se estudar. Baterista de mão cheia, um dos inegáveis mestres no seu instrumento, não vai um milímetro além do roteiro que lhe é dado. Entra disco e sai disco e nada se altera - uma pena.
Já Glover eu gostaria de ver noutro contexto: tocando em trio ou quarteto. Dos veteranos, é o que guarda a fleugma de levar adiante uma banda cansada musicialmente.
Steve Morse é o mesmo sempre. Seus solos são previsíveis, pouco criativos. Irrepreensíveis do ponto de vista técnico; no que se refere à criatividade, são fragorosamente reprovados. Faria melhor se ressuscitasse sua Steve Morse Band ou mesmo o Dixie Dregs.
Vou ficando por aqui antes que os fãs desmiolados queiram comer meu fígado. Não tenho elogios a fazer, somente críticas. Nem mesmo o fato de o Purple relembrar "Hard Loving Man" ou "Maybe I'm a Leo", duas canções pouco executadas, melhora o quadro geral. E quem fala aqui é um "purplesista" fanático, um colecionador que tem tudo e mais alguma coisa da banda, tanto na alegria quanto na tristeza.
Que parecem ser os dias atuais do Purple.

Em tempo: por que, então, comprei - perguntarão vocês? 1) estava R$ 29,00 na Livraria Cultura; 2) tenho, como já disse, tudo do Purple; e 3) se não escutasse, não poderia jamais dar minha opinião.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Estarreçam-se à vontade

Notícia publicada hoje no Estadão. Leiam que volto já já.

Sexo com menor pode não ser estupro - STJ revê jurisprudência em caso de vítimas de 12 anos que já tinham vida sexual anterior; na época, lei falava em ‘violência presumida’

Mariângela Gallucci - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que nem sempre o ato sexual com menores de 14 anos poderá ser considerado estupro. A decisão livrou um homem da acusação de ter estuprado três meninas de 12 anos de idade e deve direcionar outras sentenças. Diante da informação de que as menores se prostituíam, antes de se relacionarem com o acusado, os ministros da 3.ª Seção do STJ concluíram que a presunção de violência no crime de estupro pode ser afastada diante de algumas circunstâncias.
Na época do ocorrido, a legislação estabelecia que se presumia a violência sempre que a garota envolvida na relação sexual fosse menor de 14 anos. Desde 2009, prevê-se que a idade de "consentimento" para atos sexuais continua a ser 14 anos, mas o crime para quem se envolve com alguém abaixo dessa idade passou a ser o de "estupro de vulnerável".
De acordo com dados da Justiça paulista, as supostas vítimas do estupro "já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data". A mãe de uma delas chegou a dizer que a filha faltava às aulas para ficar em uma praça com outras meninas para fazer programas em troca de dinheiro.
"A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado", decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo.
No julgamento no STJ, venceu a tese segundo a qual o juiz não pode ignorar o caso concreto. "O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais", afirmou a relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura. "Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado - a liberdade sexual -, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo", completou a ministra.
Segundo a ministra Maria Thereza, a 5.ª Turma entendia que a presunção era absoluta, ao passo que a 6.ª considerava ser relativa. A polêmica já motivou opiniões diversas dentro até do Supremo Tribunal Federal (STF), que passou a considerar a exigência de constrangimento mediante ameaça (veja ao lado).
Diante da alteração significativa de composição da Seção, era necessário agora ao STJ rever a jurisprudência. Por maioria, a Seção entendeu por fixar a relatividade da presunção de violência.

Não tenho o menor receio em dizer: foi uma das decisões mais estúpidas da Justiça brasileira. A relatora do caso simplesmente abriu a porteira para que qualquer menina com menos de 14 que tenha sofrido abusos sexuais seja acusada de se prostituir ou de ter uma vida pregressa na prostituição. Em vários casos, será facílimo tornar a vítima em elemento facilitador. Sobretudo se a jovem vier de um ambiente de vulnerabilidade, no qual os conceitos sobre sexualidade são tão elásticos quanto a moral de quem nele vive.
Decisão do STJ ameça descriminalizar o abuso sexual
Impressiona também que a juíza considere que não foi violado "o bem jurídico tutelado - a liberdade sexual". Tudo o que essas três garotas acusadas de serem estrupradas não têm é justamente liberdade sexual. Liberdade, por si só, pressupõe direito de escolha. A violência começa no fato de que não começaram a se prostituir por preferência, desejo ou vontade. Com 12 anos, mal entradas na puberdade, foram levadas a tal. E por alguém interessado em explorá-las.
Pelo relatório da juíza, uma menina de 12 anos (ou menos, visto que se "já se prostituíam"; devem ter começado na vida com 11, 10 anos) pode ter absoluta consciência da sexualidade. É suficientemente educada e instruída para tal, para ter uma vida ativa no ato mais animal das relações humanas.
Também pelo relatório da juíza, um homem adulto que procura pré-adolescentes para se satisfazer sexualmente é um cidadão normal, sem desvio de conduta ou lapso moral. Tem a mesma qualificação de um homem que mantém relações com mulheres (ou homens, aqui o gênero pouco importa) adultas, emancipadas, informadas e com pleno direito de dispor do próprio corpo da forma que mais lhe convier.
Posso estar parecendo conservador, reacionário. Não me importo. Um dos maiores bens que uma pessoa pode ter é a informação e a plenitude do discernimento para, a partir daí, fazer o que quiser. Que me desculpem os doutos, mas tudo que um pré-adolescente não tem é conhecimento e informação sobre sexo. Como, de resto, não tem conhecimento nem informação sobre coisa alguma. Ainda está na formação, na construção da personalidade, do caráter. Isso, qualquer pesquisa ou livro sobre sexualidade na adolescência é capaz de dizer.
Não é por acaso que se recomenda a participação e a maior troca possível de contato entre pais e filhos, para que o início da vida sexual não seja desastrosa. O começo dessa nova fase é determinante para o futuro da pessoa.
No momento em que há um imenso esforço da sociedade para se coibir a prostituição, independentemente da idade, além da pedofilia, a decisão da juíza e do STJ segue no caminho inverso. Estarrece pela insensibilidade, pela frieza técnica, pela interpretação na qual, aparentemente, se desconsiderou o que pensavam as três "meninas prostitutas". Absolve-se um sujeito porque elas tinham vida sexual, mas em momento algum se pergunta como e por que começaram a vida sexual.
Pior: fica implícito que são três ninfas que jorram sensualidade, que transbordam de desejo. E que o pobre homem foi tragado pela armadilha do sexo. 

terça-feira, 27 de março de 2012

Questão de dignidade

Li a coluna de Augusto Nunes, na Veja on line, e dela pude tirar boas observações sobre o episódio envolvendo Demóstenes Torres. O primeiro é o seguinte: no Senado, atualmente, não existe ninguém com envergadura moral para criticar quem quer que seja. O mais angelical dos seus integrantes tem uma pilha de esqueletos no armário e segredos sórdidos a esconder.
Mas faz parte da política o "parece, mas não é". É uma tática, convenhamos, suicida. Quando a casa cai, vem com tudo e geralmente o personagem fica soterrado sob os escombros. Aconteceu isso com Demóstenes.
Naturalmente que ele não vai renunciar ao mandato duramente conquistado com a ajuda de figuras imensamente interessadas em colocá-lo na Câmara alta do Legislativo federal. Mas se tornou um zumbi. Aquela verborragia moralista e moralizadora agora, se proferida, vai queimar-lhe língua e boca. Tornou-se imprópria se dita por alguém que pediu R$ 3 mil a um meliante para pagar o aluguel de um jatinho. Pelo que ganha como senador, Demóstenes não precisava dessa ajudinha de Carlinhos Cachoeira.
ACM Neto, Aécio, Agripino e Demóstenes: oposição alquebrada
O segundo ensinamento que colho é que todos os governistas estão satisfeitíssimos com a derrocada de Demóstenes (parece até título de épico). Têm frouxos de riso, riem à bandeiras despregadas - como diria Nelson Rodrigues. Pouco importa se, no fundo, pensam assim: "Então, a vestal é bandida também?"
Ou seja, não quer dizer-lhes coisa alguma serem nivelados por baixo. Ou melhor, não se incomodam com isso. Eis que surge um par, um semelhante, um equivalente, do outro lado da porteira. A oposição tem suas laranjas podres também.
Que legal. Vejam àquilo que está reduzido o Senado: o time do Curinga contra o do Pinguim. Quando se pensava que havia super-herois, eis que surge uma espécie de quinta coluna, alguém que consegue enodoar os acusadores dos malfeitos do governo. E nem se diga que Demóstenes foi julgado sem direito a ampla defesa. Ninguém renuncia ao comando do DEM na Casa se não tiver perdido as condições de continuar liderando.
Mesmo porque, liderança pressupõe positividade, desassombro e, por que não?, heroísmo. Líderes conduzem massas, comunidades à vitória contra o mal, o opressor. É maniqueísta mas é verdadeiro. Há tempos aprendi que não existe "líder de quadrilha", mas "chefe de quadrilha". Chefe qualquer um é; líder, não.
Não resta qualquer dúvida de que a oposição do DEM, do PSDB e de outros menos votados (literalmente) embute o ressentimento da perda do poder. Não é feita em nome do interesse do país (expressãozinha sem-vergonha e sem valor). De alguma forma está de olho nas urnas e nos cargos que o governo é capaz de prover. Já foi assim com o PT, que agora desfruta a posição de estar por cima na relação.
No caso de Demóstenes, não demora que pedirão abertura de processo no Conselho de Ética querendo a cassação por quebra de decoro parlamentar. É o rito, o padrão. Vai dar em nada, pois trata-se de um jogo com baralho ensebado.
Não faço a menor ideia de quem seja o suplente do senador goiano, mas  ninguém pretende abrir uma tampa na qual poderiam ser tragados Renan, Jucá, Sarney e outros nomes que constantemente surgem no noticiário político-policial. O Senado é um clube. Só cassou Luiz Estevão porque ele quis fazer-se amigo dos caciques sem respeitar a liturgia das relações na Casa. Se há algo que funciona entre os parlamentares é justamente aquele ditado que diz: "antiguidade é posto".
Demóstenes não perderá o mandato, tampouco vai renunciá-lo. Nos dois casos, seria preciso muita dignidade.

Assim é e assim será

Jamais escondi minha admiração por Reynaldo Azevedo. Insistem em chamá-lo de fascista, quando, na verdade, suas análises são lúcidas e repletas de argumentos quase sempre irrefutáveis. De vez em quando me arvoro em discordar dele, embora reconhecendo que não disponho da mesma cultura e capacidade de enfileirar fatos e informações. Mas tento. Sobre o post que ele publicou no blog que mantém na Veja, façam a leitura que, mais abaixo, entro com minha opinião.
Ahmadinejad pretende riscar Israel do mapa. E quem pode criticar Israel?


Israel rompe com Conselho de Direitos Humanos da ONU. Faz bem! Aquilo é um Conselho de Ditaduras


Israel rompeu o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que aprovou mais uma resolução contra o país e decidiu investigar os assentamentos judaicos na Cisjordânia. Fez muito bem! Fosse eu governo, faria a mesma coisa. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, foi ao ponto. “Este Conselho, com maioria automática hostil a Israel, é hipócrita e deveria se envergonhar. Foram tomadas 91 decisões, 39 delas relativas a Israel, com três referentes à Síria e uma ao Irã.”
A conta dele está certa e fala por si mesma.
Conselho de Direitos Humanos? Aquilo parece uma piada, um antro de ditadores e vigaristas. Trata-se de um arranjo político, para dar “poder aos pequenos”, daí que a distribuição de cadeiras obedeça a um critério regional. Só os EUA se opuseram à resolução contra Israel. Dez países se abstiveram, e os demais votaram a favor. Muito bem. Abaixo, segue a lista a dos países que integram o tal conselho entre junho de 2011 e dezembro de 2012. Volto depois.

ÁFRICA
Angola 2013
Benin 2014
Botswana 2014
Burkina Faso 2014
Camarões 2012
Congo 2014
Djibouti 2012
Líbia 2013
Mauritânia 2013
Ilhas Maurício 2012
Nigéria 2012
Senegal 2012
Uganda 2013

AMÉRICA LATINA
Chile 2014
Costa Rica 2014
Cuba 2012
Equador 2013
Guatemala 2013
México 2012
Peru 2014
Uruguai 2012

ÁSIA
Bangladesh 2012
China 2012
Índia 2014
Indonésia 2014
Jordânia 2012
Kuwait 2014
Quirguistão 2012
Malásia 2013
Maldivas 2013
Filipinas 2014
Qatar 2013
Arábia Saudita 2012
Tailândia 2013

Europa Ocidental e outros países
Áustria 2014
Bélgica 2012
Itália 2014
Noruega 2012
Espanha 2013
Suíça 2013
Estados Unidos 2012

EUROPA ORIENTAL
República Tcheca 2014
Hungria 2012
Polônia 2013
Moldávia 2013
Romênia 2014
Rússia 2012

Voltei – A África, por exemplo, tem direito a 13 das 47 cadeiras. Tente encontrar 13 países naquele continente que tenham os direitos humanos como fundamento… Não se esforce tanto. Se achar cinco, já está bom… A América Latina fica com oito. Cuba, que acaba de prender 70 pessoas, com boas-vindas ao papa, brilha no grupo. Veja o grupo da Ásia. Alguém conhece país mais humanista do que a China, para citar um caso?
As resoluções do Conselho de Direitos Humanos são essencialmente políticas, pautadas, não raro, por um antiamericanismo patológico. Digamos que seja o caso de investigar os assentamentos judaicos na Cisjordânia… Por que não o massacre de cristãos na Nigéria ou na Indonésia, a perseguição aos dissidentes em Cuba e o permanente massacre no Sudão (a divisão mudou muito pouco a realidade do país)?
É claro que todas as nações que aderem à Carta da ONU têm de ter seu assento e coisa e tal. Mas é uma piada grotesca que notórias tiranias façam parte justamente de um “Conselho de Direitos Humanos” e que esse conselho tenha Israel como seu alvo principal. Morrem mais cristãos em um mês na Nigéria ou no Sudão do que palestinos em 10 anos. Todas as mortes nos diminuem, é evidente, mas por que alguns cadáveres não merecem nem mesmo as lágrimas da hipocrisia.

Kadafi nos bons tempos de ditadura na Líbia
Agora sou eu - Concordo com tudo o que ele diz. E acrescento uma conversa que tive, há muitos anos, como embaixador Adolpho Justo Bezerra de Menezes, com quem gostava de trocar ideias. (Quando o conheci, por meio do jornalista Argemiro Ferreira, o embaixador já passava dos 80 anos. Nossos últimos diálogos têm pelo menos uns 15 anos. Não acredito que esteja vivo ainda, mas, se estiver, deixo claro que foi uma das cabeças mais privilegiadas com as quais tive o prazer de conviver.)
Diplomata de carreira, com passagens pela África e pela Ásia, o embaixador enfatizou a mim algumas coisas absolutamente óbvias, mas que, por vezes, passam despecebidas:
1) Israel é a única democracia num mar de ditaduras, muitas disfarçadas de monarquias e assim tornadas por obra e graça das antigas potências imperialistas. Estados Unidos, Inglaterra ou França jamais deram almoços gratuitos. A conta vinha sempre depois. E geralmente em formato de alinhamento incondicional, tanto diplomático quanto comercial;
2) Para controlar e tirar proveito, as potências se uniram ao que havia de pior nesses países da África, da Ásia, da América Latina (e, no caso da Europa Oriental e de parte da Ásia, os comunistas). Essa gente simplesmente arrasou tudo o que havia acima da terra. Contra eles, surgiram movimentos de reação que igualmente utilizaram a linguagem da violência e do confronto. O resultado é que, quando a maré virou e esses mesmos movimentos de reação chegaram ao poder, não conheciam nenhuma outra linguagem a não ser a da brutalidade. Essa brutalidade abriu a porta ao oportunismo de uma nova elite dirigente, que sem qualquer prurido decidiu saquear aquilo que restava do país antes que tudo desaparecesse.
Fico pensando: como são ricas nações como Angola ou Líbia, que passaram de um extremo ao outro e ainda constam no mapa.
3) As populações gostam de ditaduras. Basta que os mandatários trabalhem minimamente em favor do cidadão, elejam inimigos externos para galvanizar o sentimento nacionalista e tenham um marketing eficiente para divulgar supostos feitos e avanços.
Lembro o caso da Líbia: Kadafi durante anos engabelou seu povo com a chamada Grande Jamahyria Popular Socialista da Líbia, que queria dizer que a partir daquele momento o país viveria dias de justiça e progresso. Não poupou esforços para assegurar a falácia, levando inclusive jornalistas brasileiros para mostrar os avanços sociais que o novo governo estava sendo implementado. Voltaram todos brandindo o Livro Verde, um arrazoado de bobagens. Da mesma maneira que muitos se encantaram com aquela Cuba que era bancada pela extinta Uinião Soviética, em que nada faltava, tudo avançava, sobretudo as demandas sociais por saúde, educação e esporte.
Hoje, tais nações se arrastam sem apoio financeiro algum, dependentes somente dos próprios recursos e das oportunidades que amealham, e ainda insistem no propagandismo obsoleto de que os culpados são os outros e que os inimigos vêm de fora.
Ninguém nesses países, nem mesmo seus dirigentes, acreditam nisso. Só que cada um faz seu papel: quem é governo, suga o máximo possível, retira a última seiva, na esperança de mesmo no poder as coisas virarem a seu favor e o vento voltar a inflar as velas; quem é povo protesta enquanto pode e foge - se der.
Resumo da ópera: o mundo não muda e quem acusa não tem moral para acusar. É isso há milênios. E pelo andar das coisas, continuará assim.



quinta-feira, 22 de março de 2012

Machine Head ou como Roger Glover se tornou o responsável pela obra de arte

Meu irmão me deu uma dica ótima, de um blog muito bem feito (theselvedgeyard.wordpress.com), que fala sobre tudo o que a gente gosta: carros, mulheres e, claro, música, boa música. E a matéria mais recente é sobre o "Machine Head", obra-prima do Deep Purple e um dos discos mais importantes não somente da histórica do rock, mas da música. Isto posto, vamos aos fatos.
Roger Glover: o homem que fazia o meio de campo
O "Riquembáquer" de Glover usado na gravação
A trajetória do "Machine" começa no "Fireball", álbum anterior. Os caras se enfiaram numa mansão em Gales para compor as músicas e ficou clara a distância abissal entre Ian Gillan e Ritchie Blackmore. A disputa que havia nos palcos sobre quem era a estrela principal da companhia passou para o estúdio. Os outros três, adeptos do "deixa disso", se equlibravam nas relações da banda, colocando o interesse coletivo como ponto primeiro. Funcionou, mas nem tanto.
Para o trabalho seguinte, e como forma de realizarem uma terapia de grupo, o Purple desembarcou na Suíça, em Montreux. Nessa época não havia o famoso festival, organizado por Claude Nobs que, aliás, foi uma espécie de "ataché", arranjando as facilidades para que as gravações fossem realizadas.
Blackmore: figura estranha e inquieta
A ideia dos cinco era fazer um disco "ao vivo", ou seja, na tora, direto. Compunham as músicas, ensaiavam-nas e, quando tudo estivesse rendondo, "tape rolling". Para isso, do lado de fora do Cassino Montreux estaria a unidade móvel de gravação dos Rolling Stones, sob comando de Martin Birch - que se tornara uma espécie de sexto integrante, garantindo a qualidade do som e das produções.
A história, a partir daí, é mais que sabida: o teto falso de bambu do Cassino pegou fogo num show de Frank Zappa (as fotos da fumaça subindo, ainda na manhã seguinte, podem ser vistas na capa interna do LP original) e levou tudo junto. A solução foi estacionar o Bedford com a unidade móvel na calçada do hotel em que os cinco estavam hospedados, fechar um andar inteiro e improvisar dali a gravação. Que ficou, evidentemente, ótima.
Ian Gillan: contendor de Blackmore
O que poucos sabem é a história das relações pessoais. Blackmore e Gillan jamais foram como Page e Plant, ou seja, corda e caçamba. Não se completavam e isso pode ficar comprovado com a quantidade de vocalistas que o guitarrista teve ao lado - Rod Evans, David Coverdale, Glenn Hughes, Ronnie James Dio, Graham Bonnett e Joe Lynn Turner. O cantor também não é conhecido pelo temperamento fácil; assim, o curto-circuito foi inevitável. Jon Lord e Ian Paice, como Blackmore fundadores do Purple, sempre se sentiram bem na posição de assistentes de luxo, caras que têm o bônus e não o ônus.
O meio de campo nessa teia, que tinha tudo para furar, era Roger Glover. Habilidoso com o baixo e mais ainda no console, nascia dele boa parte das composições da banda, que os demais ajudavam a dar o formato final. "Smoke On The Water", por exemplo, foi um riff que desenvolveu e passou para Gillan, que, ao ouvir o esboço da letra, retrucou:
- It seems like a drug song!
- Yeah, I know. But... - treplicou Glover, conquistando a aquiescência do companheiro.
(Breve interrupção do relato: por muito tempo, "Smoke On The Water" deu nome também àquele jeito de fumar maconha pelo narguilé ou por uma espécie de cachimbo com água no fundo, aspirando somente a fumaça.)
Gillan foi chamado primeiro pelo trio original, de saco cheio com os maneirismos à Elvis de Rod Evans.
- Deep Purple need songs and, probably, a bass player - ouviu Glover, numa época em que o trio Blackmore-Lord-Paice ainda não havia decidido se o apenas correto Nick Simper seria limado.
Caso resolvido em questão de semanas.
A prova que Glover era um catalizador foi que, anos depois à saída do Purple, voltou a trabalhar com Blackmore, naturalmente desconfiado e inquieto com as formações das bandas que montou. Entrou no Rainbow em substituição a Bob Daisley, no "Down to Earth", e tornou-se responsável pela direção mais palatável assumida pela banda, que visava conquistar o mercado americano. Homem de confiança do guitarrista e produtor, ficou até o final, quando o Purple renasceu com a Mark II.
Além disso, Glover foi o administrador musical da Purple Records. Pelas suas mãos passaram Coverdale, Hughes, Gillan, além do Elf de Ronnie James Dio, que deu uma banda pronta e acabada para Blackmore lançar seu primeiro disco. Em "The Butterfly Ball", alegoria que o baixista lançou depois de deixar o grupo, basta ver a quantidade de instrumentistas quer tinham ou tiveram relação direta com a Ian Gillan Band, o Rainbow ou o Whitesnake.
No encarte de "Machine Head", há uma sequência de fotos esclarecedora, na qual Glover pode ser visto ao lado de Birch, na mesa de gravação. Não termina aí: a reedição do álbum, dupla, na edição de 25 anos feita anos atrás, contou com a supervisão direta de Glover - que, aliás, fez o mesmo com "In Rock", "Fireball", "Made in Japan" e "Who Do You Think We Are". Muito do que o Purple se tornou é devido a esse welshman, nativo de Brecon.
O Mark II somente se desfez porque a relação entre Blackmore e Gillan chegou ao extremo do esgarçamento. Como lembrou Lord no DVD "Heavy Metal Pionners", se no palco os dois se davam muitíssimo bem, se desafiando e levando os show do Purple ao estado da arte instrumental, fora dele eram linhas paralelas. É certo também que Lord ou Paice nada fizeram para mitigar os conflitos internos, pois, como disse o baterista:
- Blackmore was the star of the left on the stage, Lord was in the right of the stage and I was in the back.
Quer dizer: era uma questão de ninguém roubar a cena. Gillan e Blackmore vinham se tornando absolutos, como pode ser ouvido na versão de "Strange Kind of Woman" ou do "Made in Japan" ou do "In Concert": os dois traçam um duelo de voz e guitarra em que tudo o mais se torna a base para que ambos brilhem.
Uma vez com Gillan fora, Glover se sentiu na obrigação de segui-lo. Antes, porém, a banda deixou o bom "Who Do You Think We Are", que seguiu o mesmo esquema de "discutir a relação": os cinco foram para uma vila na Itália, começaram a escrever e ensaiar lá o material, até que descobriram que o ônibus da unidade móvel não entrava na propriedade porque não passava pelo portão. As coisas nesse meio tempo azedaram ainda mais.
Só que essa é outra história.
A de Machine Head, e que poucos contam, é que tornou-se um ícone por causa de Roger Glover. Não era um baixista exuberante como Hughes, mas deve ao menos merecer o crédito de ter feito do Purple uma superbanda, com seu temperamento diplomático e seu profundo conhecimento técnico.
Glover "bate uma bolinha" com uma das Strato de Blackmore

segunda-feira, 19 de março de 2012

"Jornalistas" com aspas

Eu sou do ramo. Quem me expôs não passa de "farofeiro"
Há muito anos, ouvi de Helio Fernandes uma frase que considero lapidar: "A independência do jornalismo acabou no momento em que Gutemberg inventou a prensa de tipos móveis". Em suma, considero a expressão "jornalismo independente" um clichê sem valor. Qualquer um pode ser dizer "independente" sem dizer quem realmente o financia. Os jornais, as TVs, as rádios e agora os sites adoram retumbar isso. Não têm coragem de revelar seus interesses, sejam econômicos ou políticos. Nem podem. E assim caminha a humanidade.
O mesmo acontece com os blogs. Tem quem faça desse espaço, importantíssimo, um veículo de difusão de informações, mas tem quem queira fazer "jornalismo" capenga, partidário. Como é um espaço livre, que foge ao controle de códigos de ética, normas de redação e, sobretudo, da Justiça, assacam as piores aleivosias, as maiores torpezas. Qualquer um é alvo. Basta pensar diferente. Basta cumprir um papel.
O cara pode dizer o que quiser num blog, sobretudo se tem pouca ou nenhuma importância. Mentir, xingar, acusar, enfim, dar asas à irresponsabilidade de expor pessoas, nomes, situações. Aconteceu comigo exatamente isso.
Não vou dar aqui o nome do blog que expôs meu nome, dando a entender que eu estivesse comentendo um  crime de defender ao camisa do time que jogo. Jogo no Ministério da Cultura, na assessoria de imprensa. Aqueles que não sabiam disso, agora sabem. Isso já era possível descobrir pelo Facebook e pelo Linked In, plataformas nas quais eu dou informações mínimas sobre quem sou e o que faço. Jamais tive problemas com isso, tampouco tenho nada a esconder.
Pago minhas contas e não devo coisa alguma a ninguém. Portanto, tenho orgulho do que sou, sobretudo da minha carreira.
Só que esse blog ultrapassa as fronteiras do jornalismo: entra no campo da fofoca, do tiroteio político, que, pelo jeito, é somente a isso que se presta. Pretende formar opinião quando não tem, a não ser convicção encomendada de que algo de podre acontece no MinC. Dá voz a grupos interessados na desestabilização de uma administração, que não pretendo julgar aqui. Esse espaço que me expôs publicamente faz uma velha e conhecida vigarice: vende soluções para problemas que somente ele enxerga.
A teoria, na prática, é bem diferente - já dizia Millôr, não por acaso irmão de Helio.
Dias atrás, um dos mantenedores desse blog fez contato com o MinC querendo saber se haveria alguma manifestação sobre uma matéria que publicara, de um conhecido jornalista quer atua no único jornal que faz oposição explícita ao governo federal. Quem acompanha minimamente os movimentos da imprensa e, sobretudo, da cultura, sabe de quem estou falando. Não cito nomes porque, já disse, não vou servir de escada para quem quer que seja.
Mas o tal blog queria que o MinC se pronunciasse. O "jornalista" (com todas as aspas possíveis e imaginaveis aqui) me cobrou uma posição do Ministério, que era a de simplesmente não comentar algo publicado num blog. É uma postura, não ditada por mim, mas legítima, profissional, não dar resposta. Um ministério responde a quem quiser, elege quem replicar. É um direito, concordem ou não. As pessoas têm de aprender isso.
O tal "jornalista", porém, deve ter ficado decepcionado com o que ouviu e resolveu colocar o lacônico diálogo entre eu e ele no blog que mantém. Pura "encheção de linguiça", já que minha afirmação não contribui minimamente para esclarecer coisa alguma. Trata-se de uma reles exposição de uma pessoa que simplesmente cumpriu sua função.
Jornalismo brasileiro volta aos tempos das máquinas em matéria de isenção
Um diálogo formal, seco e educado da minha parte, somente expõe a tolice do responsável pelo blog. Ele aproveita uma conversa (?) de menos de 10 segundos como plataforma para enfileirar uma série de impressões e conceitos sobre clareza e compromisso público.
O que vem a seguir ao meu "diálogo", não passa de uma um artiguete sobre a gestão atual do MinC. Um texto próprio de jornalzinho de diretório acadêmico, que somente coleciona fatos fartamente conhecidos e vem repleto de opiniões. O chamada "isenção jornalística" é morta a pauladas, algo próprio de quem teve pequeníssima (para dizer nenhuma) convivência em redações. E que deve ter sido expelido por óbvia falta de competência. Ou de equilíbrio.
Neste pouco tempo que estou trabalhando para o governo, vejo a que ponto o jornalismo tem descido. Deparo-me com matérias tendenciosas, desinformativas, partidárias. E não somente em blogs, mas em grandes veículos, que abrem espaço para que profissionais desçam na escala evolutiva ao fazerem um jogo semelhante àquele que se fez nos primórdios do jornalismo brasileiro. Tempos de boletins e panfletos que ao menos tinham o mérito de confessarem em nome de quem era a posição que assumiam.
Falta essa honestidade intelectual a blogueiros que acham que jornalismo é expor peixes pequenos como cardeais de uma contenda política. Deviam ter um pouco mais de caráter e manterem o devido distanciamento. A internet é um grande bem difusor de informação, que hoje nem sempre é feita por gente gabaritada. A maior parte, porém, não se diz jornalista. Desses entendo o rol de teses precipitadas e rasas, quando não incompletas, que defendem. Tenho até pena de tamanha ignorância.
Mas quem se diz "jornalista" não pode ter a mesma postura. Isso se quiser ser classificado sem aspas.


quinta-feira, 15 de março de 2012

Curió em teto de zinco quente



Gosto de debater com Reynaldo Azevedo, embora ele não saiba disso. Acho que a gente deve discutir sempre para cima, jamais para baixo. Já disse aqui que a força de argumentação de Reynaldo é avassaladora. Leiam o post dele que volto depois:

A revisão da Lei da Anistia e os extremistas do sucrilho e do Toddynho. Ou: Comissão da Vingança ignora a construção da democracia. Ou: Um recado àqueles...

Um idiota truculento tentou ferrar a minha vida quando eu tinha 15 anos. Eu era, sim, ligado a um grupo de esquerda. Mas fui, vamos dizer, “descoberto” por causa de um concurso de redação, que venci — presente: uma Enciclopédia Barsa! Os mais jovens não têm noção do que é isso em tempos pré-Google (e ponham “pré” nisso…). O tema era o Dia da Árvore e a preservação da natureza. Fiz lá um texto alegórico — eu o tenho ainda, mas fica para as memórias, hehe… —, que era, na verdade, uma espécie de manifesto contra a ditadura; a árvore e a natureza viraram meros pretextos. Na comissão julgadora, havia um professor ligado o Dops. E a coisa engrossou. Eu era o pivô da perseguição, mas ele mirava mesmo era o colégio estadual em que eu estudava, onde julgava haver um núcleo subversivo. De fato, havia militantes de esquerda entre os professores — mas não me engajei por intermédio deles, não. Estamos falando do ano de 1976. A dita ainda era muito dura.
Não tenho razões pessoais — muito pelo contrário — para ter simpatias pelo “regime”, pela “ditadura” ou para “defender torturadores”, como querem alguns cretinos que não lutaram contra porcaria nenhuma. Não lutam nem contra a própria ignorância histórica. São radicais do sucrilho e do toddynho, como os chamo, influenciados pela “petização” da educação. O PT é uma derivação, vamos dizer, teratológica da própria esquerda. Esta chegou a reunir, sim, intelectuais de peso. Ainda que pudessem estar essencialmente enganados sobre muita coisa e cultivassem uma ética torta, tinham ao menos informação. O petismo educacional é o elogio da ignorância. Os alunos são estimulados a ficar do “lado certo da história”, não a estudar. Já me defrontei aqui e ali com esses tipos num debate ou outro. Ignoram os textos básicos do pensamento de que se dizem procuradores. É uma lástima!
O sinistro Curió e corpos no Araguaia. Barbaridades em profusão
Também não passei a admirar os meus algozes, não. Tampouco mudei de lado! Se quiserem, mudei, sim, de perspectiva, e já faz tempo!, e escolhi a democracia — e isso é inegociável. Querem saber onde estão as 136 pessoas desaparecidas, prováveis vítimas da repressão? Eu apoio a iniciativa. É preciso uma Comissão da Verdade pra isso? É evidente que não! Rejeito que se use uma reconstituição parcial da história para, a um só tempo, mentir sobre o passado e reforçar posições de determinadas correntes ideológicas no presente. E rejeito justamente porque tal prática não cabe na democracia — aquela que abracei.
Já lembrei aqui: a honestidade intelectual doeu, por exemplo, mais no ex-ministro do Supremo Eros Grau do que em mim. Ele foi preso e torturado. Eu não fui — embora eu sinta ainda hoje um profundo ódio daqueles canalhas que não viram mal nenhum em perseguir um garoto. Mesmo assim, Grau fez uma candente defesa do alcance da Lei da Anistia, demonstrando — ao lado de outros ministros, como Gilmar Mendes e Celso de Mello, por exemplo — que ignorá-la significaria fraudar os fundamentos do estado democrático e de direito.
Assim, não me venham alguns tontos e tontas, que não têm a menor noção do que significa, de fato, combater um regime autoritário tirar o traseiro do sofá para apontar o dedo acusatório. Trata-se de uma combinação asquerosa de covardias. É covarde porque miram em inimigos que não podem reagir — pudessem, é provável que os valentes de agora  estivessem em silêncio. É covarde porque é a democracia que não construíram que lhe faculta tal prática. E essa democracia que não construíram só existe porque pactos políticos, tornados história, foram feitos e incorporados ao processo de pacificação do país.
Eu não perdoei aquele idiota que me perseguiu e me pôs sob um sério risco. Faço as contas aqui. Talvez esteja morto. Se não estiver, uma saudação pra ele: “Vá à merda!” Mas o processo político o anistiou — sei lá que outras barbaridades ele aprontou. Como anistiou os que comandavam grupos que assaltavam bancos ou executavam pessoas em nome da “causa”.
Esses que agora se querem defensores da “Comissão da Verdade” e meia-dúzia de procuradores que têm a ousadia de desrespeitar a lei, ademais, se querem os donos da história; acham que podem privatizar o passado do país para definir “a” verdade. Que boa parte desses radicais estouvados não tenha vivido aqueles dias, isso é evidente — e a juventude, observo com humor, é um mal que invejo, mas que tem cura e é perdoável. Que apostem, no entanto, na depredação do estado de direito, ah, isso é imperdoável!

Por Reinaldo Azevedo


Assim como ele, não fui preso, não tomei tapa na cara, não fui torturado, não passei o diabo nas mãos de vagabundo algum que se dizia agente do regime. Aliás, não sei o que faria se isso tivesse acontecido. Talvez tivessem me matado. Tenho tanto horror à violência gratuita, à covardia, à autoridade imposta que era possível que devolvesse a agressão (ou tentasse). Nem que fosse em forma de cusparada.
Tenho a mais absoluta certeza de que esse episódio envolvendo o Sebastião Curió termina no Supremo. E que lá ele ganha. Os ministros já deixaram claro que a Lei da Anistia é imutável, “imexível”, intocável.
Discordo de Reynaldo quando ele diz que o Ministério Público abraçou uma tese de governo. A gente sabe que a Procuradoria Geral da União tem deixado a desejar em matéria de independência, mas acreditar que seja sempre uma correia de transmissão das teorias políticas da Dilma e de alguns ministros penso ser um exagero.
Um procurador encontrou uma brecha na lei. Foi instado a encontrar uma? Pode ser. (Por que não acharam antes? Esteve sempre ali, já que nada mudou no texto. Faltou, claro, vontade política, como se diz vulgarmente.) Da mesma maneira que aquele general entrevistado pela Miriam Leitão disse que a presidente “pode” ter sido torturada.
O que pode de um lado, pode do outro. Era de se imaginar que o governo eventualmente descesse do seu pedestal para um gesto pouco republicano no tratamento de algumas questões. Tais coisas, porém, não têm digitais.
O procurador achou uma brecha e vai levar a questão para o STF decidir. É uma manobra perigosa. Se o Supremo decidir pela inconstitucionalidade da ação, sepulta-se um caminho que deu esperanças a muita gente de ver punido um notório agente da truculência fardada.
Se não... Aí é que são elas. A porteira estará aberta para que todos os anistiados que atuaram ao lado dos ditadores sejam alcançados. A Lei da Anistia estará ferida de morte. O governo terá promovido uma ação de insegurança jurídica sem precedentes na história deste país.
O melhor nisso tudo é que o Curió, o homem de Serra Pelada, de Curionópolis, que certa vez ganhou páginas e mais páginas n’O Cruzeiro de Alexandre Von Baumgarten (aquele que sumiu no cais da Praça 15, no Rio, numa suposta ação de seqüestro e morte comandada pelo general Newton Cruz, segundo Cláudio Werner Polila, o Jiló) vai ser obrigado a sair do merecido ostracismo. Vai ter de dar novamente as caras. Vai ter de gastar dinheiro com advogado. Vai ter de sair da zona de conforto.
Atazanar um sujeito desses é sempre bom, mesmo que se crie a falsa expectativa de vê-lo punido.  

Impressionante: enxergaram o óbvio ululante

Admito que algumas coisas ainda me estarrecem. Esta semana, um editorial do Globo considerava que o governo estava fazendo a mais reles bravata ao colocar o tacape na mesa no episódio que envolveu a crítica do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke. Mas vejam a matéria no site do Estadão (em vermelho). Volto em seguida:

Valcke foi racista com Brasil, acusa membro do COI

O vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) e deputado italiano Mario Pescante estima que a Fifa teve um comportamento "racista" em relação ao Brasil diante da sugestão de seu secretário-geral, Jerome Valcke, de que o País precisava de um "chute no traseiro" por conta dos atrasos nas obras da Copa do Mundo de 2014.
Valcke é criticado pelo COI - Arnd Wiegmann/Reuters - 29/05/2011
Valcke é criticado pelo COI

Tradicionais desafetos, a Fifa e o COI vem trocando farpas há anos. Ao Estado, membros da cúpula do Comitê Olímpico Internacional garantiram que não vão sugerir que o Brasil receba um "chute no traseiro" em relação à preparação dos Jogos de 2016 no Rio. Mas não perderam a oportunidade para criticar a entidade máxima do futebol pelos comentários.
"O Brasil reagiu muito bem diante do que foi dito. Não podia passa em branco. A Fifa precisava de uma reação desta para ver que não pode simplesmente dizer o que quer », disse Pescante. Ele chega a falar em "racismo" ao descrever os comentários de Valcke. "Eles do Norte acham que todos nós do Sul, que temos praia e sol, não conseguimos pensar e que falta alguma substância no cérebro", declarou o italiano.
Na sede do COI em Lausanne, o Estado conversou com dirigentes olímpicos que confirmam que existem problemas que terão de ser resolvidos no Brasil nos próximos meses para garantir que os Jogos de 2016 possam ocorrer de forma adequada. Mas insistiram em reprovar a metodologia de Valcke para colocar pressão para que as obras sejam realizadas.
"O Brasil não vai levar o chute no traseiro do COI. Não vamos fazer a mesma sugestão ao Brasil", declarou Craig Reedy, um dos membros do COI e parte do comitê de Ética da entidade. "Aqui, nós fazemos as coisas de uma forma diferente", disse Denis Oswald, do Comitê Executivo da entidade olímpica e coordenador dos trabalhos para Londres-2012.
Diplomático, o presidente do COI, Jacques Rogge, fez questão ontem de apenas fazer elogios ao Brasil. "Estamos muito satisfeitos com a relação que temos com o governo Dilma" , disse.
Mesmo nos pontos onde há problema, a ordem é a de não criar uma crise. Em 2009, quando o Rio ganhou o direito de sediar o evento, o plano era um. Hoje, ele está mudado. "Recebemos garantias de que as medidas que nós pedimos (para adequar o plano) serão adotadas", declarou.
Outro problema que o COI aponta é a situação do laboratório de testes de doping no Rio de Janeiro. A Wada suspendeu a instituição depois de uma série de erros. Rogge, mais uma vez, optou por não criar polêmica e manter um tom positivo. "Recebemos garantias de que, até 2016, tudo estará em ordem. Temos ainda quatro anos pela frente", disse.
Para Nawal Moutawakel, que coordena as inspeções no Brasil, fez ontem uma apresentação ao COI do que ouviu de Dilma e dos organizadores de 2016 em reuniões na semana passada. Ela admite que o problema do laboratório carioca terá de ser resolvido. Mas adotou o tom de elogios. "Estamos satisfeitos, há progressos feitos e todas as promessas de 2009 estão sendo respeitadas, dentro do prazo e dentro do orçamento", declarou.
Ao contrário da Fifa, que teve de apelar por um encontro com Dilma amanhã, o COI insiste que seu acesso ao Palácio do Planalto é mais tranquilo.

Recupero meu post do dia 6 de março de 2012. Vai novamente em vermelho e volto mais uma vez a seguir:

Erro de Valcke é o delírio da superioridade

O governo tornou-se mais mau-humorado? Menos tolerante? Pode ser, mas é uma postura bem vinda. Ainda que o general Charles de Gaulle sempre tenha negado ter dito que "o Brasil não é um país sério", a pecha ficou. Não faltaram presidentes, governadores, prefeitos, legisladores e juízes a confirmar nossa suposta alma galhofeira. O poder pátrio abrigou figuras desrespeitosas, que pela ineficiência das nossas instituições passaram à história como representantes dessa imensa comédia nacional que em nada nos engrandece.
Depois de bater de frente com os militares da reserva, o governo também resolveu colocar o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, no seu devido lugar. E com absoluta razão. O cartola francês sofre do devaneio da superioridade e se apropriou do discurso que o ex-presidente do seu país sempre negou que proferira, na década de 60.

A Fifa não é uma instituição séria, pelo menos quando se dá ao adjetivo "seriedade" o mesmo significado de lisura, honestidade, transparência, retidão e correção. A Fifa não é nada disso. É corrupta e corruptora. João Havelange não a tornou maior do que a própria ONU em número de filiados, não teria estendido o braço da entidade aos quatro cantos do mundo, se não tivesse sido generoso. Joseph Blatter, sua cria e continuador (embora hoje estejam em lados opostos), prosseguiu e aprofundou o legado do mestre.


Valcke fala, Aldo escuta: cena que não se verá novamente
Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de 2014, a Fifa recebeu um relatório sobre todos os cenários possíveis. Inclusive um de que poderia dar tudo errado e ser obrigada a levar o Mundial, em cima da hora, para outro país (por isso é que há uma espécie de data-limite, em 7 de junho de 2012, para a confirmação do evento; dependendo do andar da carruagem, a entidade pode transferir a Copa para outro país caso o risco de não sair ultrapasse os 50%).
Uma instituição como a Fifa não dá passos errados: recebe panoramas profundos sobre a situação política, social, econômica e jurídica de cada nação-sede. Trata-se de um evento grande demais, rico demais. Não pode correr risco algum de não existir.

A Fifa, portanto, conhece bem o Brasil. Sabe do funcionamento das nossas instituições. Tem consciência do movimento de forças no Congresso. Sempre foi cientificada da ingerência do poder de negociação do Palácio do Planalto. Identifica interlocutores e escolhe os mais confiáveis, aqueles com os quais deve negociar.

Não foi enganada: sabia que a Lei Geral da Copa fere vários dispositivos da legislação brasileira, seja federal ou estadual. Tinha certeza de que sua tramitação no Congresso seria difícil, pelo tanto de defesa dos interesses da entidade que traz no bojo. Ninguém nessa história é trouxa.

Valcke, porém, tem o dom da inabilidade própria daqueles que estão acostumados a negociações fáceis, a ordens cumpridas. Cometeu o erro de achar que as coisas deslanchariam aqui tal como foram na África do Sul.

Na Copa anterior, foram vários os dispositivos favoráveis à Fifa que o país engoliu sem pensar duas vezes, inclusive uma espécie de tribunal de exceção. Os sul-africanos estavam diante de uma primazia e um privilégio: serem os primeiros a sediaerem um Mundial no continente; e mostrarem-se como ambiente proprício aos negócios numa região marcada por instabilidade política, insegurança jurídica, miséria e violência. Assim, ou aceitavam ou viam a chance de darem um salto econômico lhes escapar.

O Brasil é bem mais complexo. Traz o pior do Terceiro Mundo e o melhor do Primeiro. Valcke acreditava que podia rugir que haveria uma tremedeira geral, que a LGC seria aprovada a toque de caixa. Exagerou na dose e acreditou estar falando com aquele mesmo governo que, pouco mais de um ano atrás, levava tudo na risada e na leveza. Dilma e Lula são muitíssimo diferentes. E os ministros, como não poderia deixar de ser, assumem a personalidade de quem está no topo da pirâmide. 

Ao dizer que no Brasil as coisas só andam com "chutes na bunda", o secretário-geral
assumiu a face do colonialismo que permeia as ações da Fifa. Valcke representa o "reaciocínio" (mistura de reacionarismo com raciocínio) de uma entidade que se considera acima das nações. Não é por acaso que pretende impor ao Brasil o mesmo tribunal de exceção que houve na África do Sul e sugere que o país arque com os danos de desastres e imprevistos que afetem os patrocinadores da Copa.
A Fifa não nos faz favor algum. É um casamento de conveniência. O Brasil é a nação que mais tem merecido adulação de investidores, que nos enxergam como imunes à crise internacional e como saída para a manutenção dos lucros. O tom desrespeitoso, arrogante, de Valcke registra uma alma preconceituosa, que acredita estar dando a nós, pobres nativos de Pindorama, um benefício divino.

Não é mais assim, "doutor". Se a Fifa nos cobra seriedade, é preciso que seja séria também. Começando por abolir o linguajar próprio da sarjeta.   


Como meu ídolo Reynaldo Azevedo, voltei.
Agora vem o membro do COI dizer que Valcke foi racista no tratamento com o Brasil. Isso era claro, por mais que a Globo, que tem o legítimo direito de defender seus interesses, ache tudo uma imensa palhaçada, sobretudo da parte do governo.
Dias atrás, utilizou espaço nobre, no Jornal Nacional, para divulgar que seria a transmissora das copas sabe-se lá até quando. Um tapa com luva de pelica na Record, que vai exibir a Olimpíada de Londres, dentro de mais alguns meses, e deixou a Globo a pão e água.
(Com todo respeito à Olimpíada, ninguém a assiste, pelo menos não com o mesmo interesse de uma Copa. Ainda mais se for passada na Record.)
É o velho vezo das Organizações: enquanto as coisas convergem, ótimo; se divergem, pau nelas. Foi um dos editoriais mais torpes, mais indignos que li. Então vem um serviçal qualquer, põe o dedo na nossa cara, diz como temos de fazer as coisas e há alguém que concorde com ele? Juracy Magalhães, que passou para a história como um lacaio dos Estados Unidos e um explorador dos brasileiros, talvez concordasse. E já faz pelo menos cinco décadas que ele disse que "o que bom para os EUA, é bom para o Brasil".
O editorial é um espaço nobre demais para ser desperdiçado na defesa de interesses, sobretudo paroquiais.
 

quinta-feira, 8 de março de 2012

Babakers

Jamais neguei que fosse fã do Reynaldo Azevedo. Reproduzo post publicado no blog dele, na Veja. E mais abaixo dou minhas peruadas:

Euclides da Cunha descreve os “bikers”, antes de tudo, uns chatos!

Olhem aqui: eu não ataquei ciclistas coisa nenhuma nem sou contra as bicicletas. Eu critiquei, sim, os fascistóides que acreditam que podem parar a Avenida Paulista. Sabia que a reação seria violenta porque já havia percebido que essa gente acha que pode fazer o que lhe dá na telha.  A agressividade e a falta de humor, no entanto, chegam a ser surpreendentes. Ah, sim: eu produzo menos carbono do que a maioria. Não dirijo. Detesto sair de casa. Quase tudo o que me interessa está aqui, em papel e palavras…
Apóio bicicletas, ciclovias, o que for. Não apóio fascistas sobre duas rodas. Abaixo, segue um texto inteligente e engraçado do leitor que se assina “Viva Galt!”. Não é para todos os ciclistas, claro!, apenas para os ativistas que operam segunda a lógica dos terroristas: “Temos o direito de impor danos à sociedade para defender nossas idéias”. Eles são “cicloativistas”, e eu, “democrático-ativista”; eles são “cicloafetivos”, e eu, “democrático-afetivo”.
“Viva Galt!” imaginou Euclides da Cunha descrevendo os “bikers” nos sertões éticos das ruas de São Paulo. Tenham humor, senhores “bikers”! Venham para a luz!
*
“O cicloativista é, antes de tudo, um chato! Não tem a ranhetice exaustiva dos sinistros neurastênicos da militância global.” (…) É intelectualmente desgracioso, visionariamente desengonçado, torto na ilusão. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica das mafaldinhas e remelentos. O pedalar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação das idéias de jerico desarticuladas. Agrava-o a postura normalmente curvada, a cueca suada, num manifestar de xumbregância que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (…). É um homem permanentemente fatigado de tanta pedalada. Combate a preguiça invencível a garrafinha cheia de isotônicos, espantando a dorzinha muscular perene…. Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Naquela organização combalida de cicloativistas operam-se, em segundos, transmutações completas do Tico e do Teco. Basta o aparecimento de qualquer manifestação na Paulista exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se; pega a sua bike e a sua garrafinha bacteriana (…), e corrigem-se-lhe,  prestes, numa descarga nervosa instantânea orgástica, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta inesperadamente o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias: salvarão a humanidade com suas cuequinhas de lycra, seus capacetinhos ridículos, luvinhas furadas e selinzinhos peludos”.
Euclides da Cunha.
Encerro
Não ligo para os Antônios Conselheiros sobre duas rodas e suas correntes nas redes sociais. Enfrentei autoritários piores aos 16 anos, quando havia uma ditadura no Brasil. E o fiz para que houvesse democracia. Aprendam a se comportar com civilidade, seguindo as regras da democracia, e aí vamos ver se é o caso de levá-los a sério.

Um grande amigo meu, Jorge Eduardo Antunes, certa vez definiu com precisão essa turma: "babakers". Mas acho que babaca é todo aquele que leva a sério demais, sem humor algum, suas reivindicações, protestos, modos de pensar e de viver. O cara que não ri da vida é um idiota.
Cicilista radical bate-boca com cidadã prejudicada pelo protesto em São Paulo
São cada vez maiores as parcelas da sociedade que querem ser politicamente corretas. E partem para o fascismo tentando impor, na porrada, aquilo que defende a quem pensa diferente. Prefiro a galhofa do cara que finge pegar surfe no espelho d'água do Congresso, em protesto contra o Código Florestal, que a turma de econazistas que ataca fisicamente deputados e senadores (por mais escrota que a categoria de políticos seja) e se acorrenta em prédios públicos. Tenho horror de manifestações do gênero "Abraço na Lagoa" ou protestos pela orla do Rio, que, já percebemos, surtem pouco efeito prático. Nem mesmo espaço de jornal obtêm mais.
Trabalho num agente público que é um prato cheio para ataques fascistóides. Primeiro, porque os críticos defendem um ponto de vista irreal, sem terem a menor noção do funcionamento (quando funciona!) da máquina pública. Segundo porque, para eles, os recursos que são arrecadados dos impostos que pagamos devem estar disponíveis, de qualquer maneira, para que levem adiante delírios e projetos que não têm qualquer relevância.
O agente público tem, sim, imensas falhas, começando pela incapacidade gerencial e pela falta de senso de prioridade. Mas fico imaginando o que seria de áreas como cultura, saúde, educação ou esporte se estivessem entregues aos ongueiros radicais, uma alcateia de farsantes ávida por colocar a mão no cofre da viúva.
O sujeito que pega sua bicicleta e para o trânsito de São Paulo, em suposto protesto, para mim é tão nocivo quando o caminhoneiro grevista que deixa uma cidade seca de combustível. O cara que se acorrenta a um prédio público para mim é tão energúmeno quanto o sem-terra que invade um ministério sob alegação de que quer um pedaço de terreno para produzir. A passeata na orla do Rio pedindo o fim da violência para mim é tão inútil quanto o estudante, com  quase 30, anos que chefia uma rebelião na USP em favor da falta de policiamento no campus e o direito de fumar maconha sossegado.
Mas, vejam, não prego aqui que deixem de expressar para todos o quanto são burros e reacionários. Isso eles podem fazer à vontade. Faço como Voltaire:

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las".

Não quero é que venham tapar minha boca ou me impedir de discordar.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A questão é enxergar o óbvio


 O texto abaixo em vermelho foi publicado no Valor Econômico de hoje. Leiam direitinho. O importante, claro, está no lide, que marquei em negrito.
 
Dilma reforça poderes de Celso Amorim na Defesa

Por Fernando Exman e Daniela Martins | De Brasília

Diante das recentes críticas de militares da reserva ao ministro da Defesa, Celso Amorim, a presidente Dilma Rousseff prepara uma ação para fortalecer o subordinado no cargo. A operação terá duas frentes: a liberação de recursos para a Pasta e sinais políticos que não deixem dúvidas aos militares da ativa de que é Amorim o interlocutor da categoria que terá acesso ao Palácio do Planalto para negociar o reaparelhamento das Forças Armadas e reajustes dos soldos.
Dilma dá força a Amorim: mal aconselhada e mau conselheiro
O expediente também foi usado com sucesso durante a administração Luiz Inácio Lula da Silva, quando o ex-ministro Nelson Jobim fez o mesmo para aumentar sua autoridade junto aos militares. Agora, porém, a decisão está relacionada à conflagração da ala dos militares reformados que criticou recentes declarações de ministros do governo em relação à ditadura e à futura instalação da Comissão da Verdade.
O próprio Amorim começou a tirar do papel a estratégia. Ontem, após participar de uma audiência pública no Senado, cobrou respeito de civis e militares à lei que criou a Comissão da Verdade e reiterou seu compromisso com a modernização das Forças Armadas. O Orçamento de 2012 prevê R$ 64,8 bilhões para o Ministério da Defesa, uma alta em relação aos R$ 61,4 bilhões estimados para a Pasta no ano passado. Em 2010, a execução financeira do ministério totalizou R$ 59,8 bilhões.
"O que é importante é o respeito à autoridade civil. Isso é parte da democracia, da mesma maneira que respeitamos o profissionalismo dos militares. O governo tem dado demonstrações efetivas disso, inclusive recriando condições de trabalho [dos militares] que estavam muito precárias", afirmou o ministro a jornalistas. "Vamos continuar dando com o Plano de Articulação e Equipamento de Defesa. Estamos também atentos às questões que dizem respeito às condições de vida material das Forças Armadas."
Uma das principais tarefas de Amorim será ajudar Dilma a concluir o processo de compra de 36 novos caças para a Aeronáutica, o que deve ocorrer até junho. Até lá, a presidente pretende observar os desdobramentos das eleições presidenciais da França e ter pelo menos duas importantes conversas que a ajudarão a definir o vencedor. Uma delas será com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a quem fará uma visita nas próximas semanas. A outra será uma reunião bilateral com os líderes da Índia, à margem da cúpula do Brics. Além do Rafale, da Dassault, que no governo Lula era considerado o favorito a vencer a concorrência, também estão na disputa a norte-americana Boeing, com o F-18 Super Hornet, e a sueca Saab, com o Gripen.
A mensagem enviada pela presidente ao Congresso também prevê a manutenção de uma série de investimentos na área durante o ano. A Aeronáutica, por exemplo, deve continuar o processo de modernização do sistema de controle aéreo. A Força Aérea Brasileira também modernizará algumas aeronaves já em uso.
Para a Marinha, o Executivo estimou a compra de oito embarcações para operações anfíbias, a reforma de um navio-hospital, cinco navios patrulha e outros cinco para escolta, um para apoio logístico, a elaboração de um projeto para a construção de um novo porta-aviões e a entrega de seis helicópteros até o fim do ano. Já o Exército pretende implementar, projeto-piloto para a proteção das fronteiras contra o tráfico de drogas e armas, assim como fazer o planejamento de defesa da infraestrutura estratégica ao país, nos setores de energia, transportes, telecomunicações, petróleo e gás natural. A Força também planeja investimentos na indústria nacional que permitam a renovação da frota de blindados.
Mesmo assim, a crise protagonizada pelos militares da reserva ainda preocupa as autoridades do Palácio do Planalto. Além da proximidade da instalação da Comissão da Verdade, que terá dois anos para investigar os crimes e as violações aos direitos humanos praticados durante os governos militares, as Forças Armadas têm executado diversas funções consideradas estratégicas para o governo. Os militares são responsáveis, por exemplo, pela construção de diversas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e foram acionados para garantir a segurança em Estados que enfrentaram greves de suas polícias militares.
Na semana passada, os comandantes dos clubes Naval, Militar e da Aeronáutica divulgaram nota reclamando da omissão de Dilma em relação a declarações das ministras das secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e também da cúpula do PT sobre a luta pela redemocratização do país e mudanças na Lei de Anistia. Dilma então cobrou do ministro da Defesa que o comunicado fosse desmentido, o que ocorreu num primeiro momento. Em seguida, no entanto, a adesão às críticas feitas pelos militares reformados aumentou e a categoria divulgou novo documento dizendo desconhecer a autoridade de Amorim. O Palácio do Planalto cobrou então a punição dos envolvidos. Segundo o ministro da Defesa, esse assunto se encontra agora "na mão dos comandantes das Forças".

Em 2 de março, fiz um post intitulado "Ou é burrice ou é turrice", no qual listei em 10 itens os problemas da crise entre os militares e o governo. Vejam só o que eu disse no sétimo:

7) A presidente precisa entender que está com a faca e o queijo na mão. (Não, você não lerá o item anterior.) As Forças Armadas hoje são mal pagas e sucateadas. Está na hora de trazer essa discussão para o rol de prioridades do governo para ajudar a restabelecer o princípio da disciplina;

Não sou um gênio, nem tão bom analista assim. Mas certas coisas são tão óbvias que impressionam como não são vistas antes. O governo se perde por tratar com o fígado aquilo que deveria ser cuidado pelo cérebro. Se questões como o soldo e o reaparelhamento das Forças Armadas tivessem entrado na pauta logo que o primeiro manifesto dos clubes militares foi tirado do ar, da mesma forma que a intervenção dos comandantes no processo, o discurso dos adversários do Palácio do Planalto cairia por terra. Também não prosperaria o princípio de crise institucional que alguns queriam ver desencadeada.
O governo precisa de bons analistas. Aqueles que param, pensam e separam a ação incisiva do discurso puxassaquista e concordino.

terça-feira, 6 de março de 2012

É cada bobalhão... Dá até vergonha

 Leiam a nota do Radar, da Veja. Volto na sequência.

 Beija a mão



A foto aí de cima tem feito a alegria dos peemedebistas menos simpáticos ao manifesto puxado por parte da bancada do PMDB da Câmara. Um dos cabeças da rebelião, Danilo Forte se derreteu por Dilma Rousseff durante a passagem dela por Fortaleza, na semana passada. Um peemedebista faz galhofa com a imagem:
- Por que ele não reclamou do PT pra ela? Isso é a prova de que eles só reclamam pelas costas dela.
De qualquer forma, a expressão de Dilma diante de Forte não é das mais suaves.

O político brasileiro transita entre a palhaçada, o oportunismo e a estupidez. Já disse num post mais antigo que Dilma tem ojeriza ao político homem. Não é à política, mas ao gênero homem que atua na política.
A política masculina, machista, é considerada por ela a razão de todos os males. Foi por causa dela que comeu o pão que o diabo amassou nos tempos da ditadura.
Os políticos homens jogaram o país nas mãos dos generais. Quantas mulheres haviam na política naquela época? Sandra Cavalcanti, Bambina Bucci e Ligia Lessa Bastos são as que me ocorrem.
Mais recentemente, Carlos Lupi fez gesto semelhante ao do "revoltoso" (por conveniência, registre-se) deputado cearense. Abriu a temporada de gestos patéticos.
Quem lembra da foto, que estampou as primeiras páginas, vê Dilma deixando a mão com desprezo ao ex-ministro do Trabalho. Deixou-a para trás enquanto o grosseirão se agacha em mesura, beiço embicado e expressão subserviente.
Pudesse, Dilma pagava um lenço e limpava a gosma largada pelo pedetista. Tivesse menos gente, talvez mandasse:
- Para com isso!
E recolhia a mão, incomodada.
(Fosse a Dilma do Kibe Loco, agora no Casseta, dizia na lata: "Para com essa merda, porra!")
No caso mais recente, o deputado cearense segura sofregamente a presidente, impedindo-a de avançar. Quer agarrá-la para largar o beijo nojento, sem caráter, sem convicção. Mera expressão do puxassaquismo, da política provinciana e boçal. 
Ao fundo, dois baba-ovos sorriem em aprovação ao gesto de suposta finesse. Pudessem, fariam o mesmo: metiam a beiçola, porta de uma boca de maus hálitos, na cutis presidencial.
Acostumados aos tapões de Lula, que tratava a todos com simplicidade de velhos colegas de botequim, políticos fazem com Dilma o gesto bobo e de sincera deselegância. A presidente detesta e não esconde no meio sorriso sem graça. Não adianta o cerimomial dizer que ela dispensa esse tipo de cumprimento: a subserviência é mais forte, irresistível. O politicão regional há de se agachar como o cão dócil que reconhece o dono.
Fico imaginando o próximo encontro:
- Tomara que esse energúmeno, esse débil-mental não me beije a mão, como da vez anterior - pensará ela.
-  A minha presidente merece meu melhor ósculo - calculará ele, imaginando que Dilma acreditará estar diante de um lorde.
Nem Ademar de Barros teria ido tão embaixo.




Erro de Valcke é o delírio da superioridade

O governo tornou-se mais mau-humorado? Menos tolerante? Pode ser, mas é uma postura bem vinda. Ainda que o general Charles de Gaulle sempre tenha negado ter dito que "o Brasil não é um país sério", a pecha ficou. Não faltaram presidentes, governadores, prefeitos, legisladores e juízes a confirmar nossa suposta alma galhofeira. O poder pátrio abrigou figuras desrespeitosas, que pela ineficiência das nossas instituições passaram à história como representantes dessa imensa comédia nacional que em nada nos engrandece.
Depois de bater de frente com os militares da reserva (vejam meu post anterior, no qual endosso praticamente tudo o que foi dito pelo historiador Carlos Fico, em matéria no Globo de hoje, embora eu tivesse me manifestado antes), o governo também resolveu colocar o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, no seu devido lugar. E com absoluta razão. O cartola francês sofre do devaneio da superioridade e se apropriou do discurso que o ex-presidente do seu país sempre negou que proferira, na década de 60.
A Fifa não é uma instituição séria, pelo menos quando se dá ao adjetivo "seriedade" o mesmo significado de lisura, honestidade, transparência, retidão e correção. A Fifa não é nada disso. É corrupta e corruptora. João Havelange não a tornou maior do que a própria ONU em número de filiados, não teria estendido o braço da entidade aos quatro cantos do mundo, se não tivesse sido generoso. Joseph Blatter, sua cria e continuador (embora hoje estejam em lados opostos), prosseguiu e aprofundou o legado do mestre.
Valcke fala, Aldo escuta: cena que não se verá novamente
Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de 2014, a Fifa recebeu um relatório sobre todos os cenários possíveis. Inclusive um de que poderia dar tudo errado e ser obrigada a levar o Mundial, em cima da hora, para outro país (por isso é que há uma espécie de data-limite, em 7 de junho de 2012, para a confirmação do evento; dependendo do andar da carruagem, a entidade pode transferir a Copa para outro país caso o risco de não sair ultrapasse os 50%).
Uma instituição como a Fifa não dá passos errados: recebe panoramas profundos sobre a situação política, social, econômica e jurídica de cada nação-sede. Trata-se de um evento grande demais, rico demais. Não pode correr risco algum de não existir.
A Fifa, portanto, conhece bem o Brasil. Sabe do funcionamento das nossas instituições. Tem consciência do movimento de forças no Congresso. Sempre foi cientificada da ingerência do poder de negociação do Palácio do Planalto. Identifica interlocutores e escolhe os mais confiáveis, aqueles com os quais deve negociar.
Não foi enganada: sabia que a Lei Geral da Copa fere vários dispositivos da legislação brasileira, seja federal ou estadual. Tinha certeza de que sua tramitação no Congresso seria difícil, pelo tanto de defesa dos interesses da entidade que traz no bojo. Ninguém nessa história é trouxa.
Valcke, porém, tem o dom da inabilidade própria daqueles que estão acostumados a negociações fáceis, a ordens cumpridas. Cometeu o erro de achar que as coisas deslanchariam aqui tal como foram na África do Sul.
Na Copa anterior, foram vários os dispositivos favoráveis à Fifa que o país engoliu sem pensar duas vezes, inclusive uma espécie de tribunal de exceção. Os sul-africanos estavam diante de uma primazia e um privilégio: serem os primeiros a sediaerem um Mundial no continente; e mostrarem-se como ambiente proprício aos negócios numa região marcada por instabilidade política, insegurança jurídica, miséria e violência. Assim, ou aceitavam ou viam a chance de darem um salto econômico lhes escapar.
O Brasil é bem mais complexo. Traz o pior do Terceiro Mundo e o melhor do Primeiro. Valcke acreditava que podia rugir que haveria uma tremedeira geral, que a LGC seria aprovada a toque de caixa. Exagerou na dose e acreditou estar falando com aquele mesmo governo que, pouco mais de um ano atrás, levava tudo na risada e na leveza. Dilma é Lula são muitíssimo diferentes. E os ministros, como não poderia deixar de ser, assumem a personalidade de quem está no topo da pirâmide. 
Ao dizer que no Brasil as coisas só andam com "chutes na bunda", o secretário-geral assumiu a face do colonialismo que permeia as ações da Fifa. Valcke representa o "reaciocínio" (mistura de reacionarismo com raciocínio) de uma entidade que se considera acima das nações. Não é por acaso que pretende impor ao Brasil o mesmo tribunal de exceção que houve na África do Sul e sugere que o país arque com os danos de desastres e imprevistos que afetem os patrocinadores da Copa. 
A Fifa não nos faz favor algum. É um casamento de conveniência. O Brasil é a nação que mais tem merecido adulação de investidores, que nos enxergam como imunes à crise internacional e como saída para a manutenção dos lucros. O tom desrespeitoso, arrogante, de Valcke registra uma alma preconceituosa, que acredita estar dando a nós, pobres nativos de Pindorama, um benefício divino.
Não é mais assim, "doutor". Se a Fifa nos cobra seriedade, é preciso que seja séria também. Começando por abolir o linguajar próprio da sarjeta.