segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Um passeio pelas horas

Participo de um fórum sobre relógios, assunto que alguns bestamente insistem em chamar de horologia. Que significa mais ou menos "história das horas e seus artefatos". Bonito, mas, no caso do fórum, mais certo seria horofilia, já que todos são amigos e não historiadores. Feita essa introdução, chego ao ponto que quero: quais são as melhores máquinas?
Admito que sou tradicionalista. Salvo raras e honrosas exceções, relógio para mim tem que ser suíço, de marca suíça. Na Alemanha tem coisa de primeiríssima linha, assim como se encontra algo na França e na Itália. Esses países, não por acaso, fazem fronteira com a Suíça e até mordiscam partes culturais da chamada Confederação Helvética. Um pouco mais distante, a Inglaterra tem alguma tradição no ramo, embora boa parte das marcas que hoje existem por lá (Grahan, Bremont, Christopher Ward, CWC) trabalhe com máquinas suíças. E têm seus produtos montados nos Alpes.
Esse negócio está se espalhando, chamando para o clube fabricantes até então insuspeitos - como chineses e russos, embora a história deles nesse setor não seja nova. Outro dia, vi filmetes no You Tube sobre fábricas chinesas e russas que, numa comparação com as suíças, são toscas. Naturalmente que o intuito é mostrar que ainda não chegaram ao estado de arte dos suíços, mas não se deixe impressionar. Há máquinas desses dois países de respeitável qualidade e algumas delas nem tão baratas e populares assim.
Claro que uma fábrica da Rolex, da Patek ou da JLC tem jeito de laboratório de indústria química, onde tudo é limpíssimo e cristalino. Outras unidades são igualmente fabulosas: silenciosas, mais parecem mosteiros. Ali se desenvolve o melhor da mecânica e da joalheria.
Os suíços formam (ou formavam) gente na Technicum, em La Chaux de Fonds, uma espécie de escola superior de relojoaria. Na verdade, um curso técnico em que o aluno aprende a trabalhar numa profissão eminentemente prática. Gosto do conceito de artesanato empregado nessas indústrias em que se valoriza, acima de tudo, o talento do ser humano.
Daí porque alguns exemplares da indústria relojoeira têm preços proibitivos. São obras de arte, independentemente da decoração que apresentam. Levam meses para ficar prontos e passam por rigorosíssimos testes, para se enquadrar a parâmetros mais rigorosos ainda. 
Os japoneses, que são muito bons e têm um setor relojoeiro extremamente competente e avançado, ainda não conseguiram chegar a esse patamar tão elevado. Não se diga que não sejam tradicionais: a questão é que desenvolveram uma imagem de avanço tecnológico que, ao comprador de marcas de linha exclusiva, não interessa. A massificação e o barateamento fez com que os japoneses sejam, curiosamente, menos respeitados nessa área.
Quando revolucionaram o mercado lançando o relógio a quartzo, a indústria suíça sentiu o impacto. Nada poderia ser pior para ela: uma inundação de peças de boa categoria, precisão e baixo custo. Os japoneses ditaram as regras e levaram várias marcas de segunda e terceira linhas europeias, mas respeitadas, à garra. Tais como Universal, Cyma ou Eterna, que permitiam ao cidadão mediano ter um bom relógio no pulso.
Outras, como Omega ou Tissot (que já haviam se associado por causa da má condição financeira de ambas, na década de 50), por pouco não sucumbiram. Houve aquelas que sobreviveram e nunca mais foram as mesmas, como a Longines. Algumas acabaram sendo compradas e experimentaram o renascimento, aderindo à onda do quartzo - como a Heuer-Leonidas, hoje TAG-Heuer, que passou ao controle dos irmãos Ojeh, comandantes de um grupo de investimento que marcou bem sucedida presença até na Fórmula Um, com a McLaren.
Do extremo mecânico ao extremo do quartzo. Os suíços perceberam que não podiam ficar de fora da corrida tecnológica e, aos poucos, foram entrando na nova era. Houve quem aprendesse com os japoneses, mas houve quem tivesse desenvolvido o próprio maquinário, com o objetivo de ganhar da turma de Tóquio na seara que dominava.
Hoje, é comum achar o relógio suíço a quartzo por preços muito superiores aos dos japoneses. Por que? Porque, mesmo na eletrônica, algumas fábricas desenvolveram o estado de arte, que segue na corrente inversa da massificação. Ainda que comprem de fabricantes de máquinas (como ETA, Ronda ou Selitta), no mundo da relojoaria esses exemplares de quartzo são considerados melhores que os do Japão.
Preconceito? Pode ser. Mas é inegável que um relógio suíço vem acompanhado de incontestável procedência, que lhe garante a qualidade. É como dizem: a pior champanha é superior à melhor cava ou ao mais nobre espumante.
Na área mecânica, os suíços reinam absolutos, com alguns invejados alemães. Por isso um relógio automático suíço é tão caro. E mais caro fica se o movimento for fabricado dentro de casa (o chamado in house).
Há marcas que ainda atingem uma valorização provocada, sobretudo, pela política de exclusividade que adotam. E se isso alcançar um estágio ainda mais elevado - acredite: existe -, os preços vão a cifras astronômicas. Nesse caso, o consumidor provavelmente estará pagando por uma peça única ou feita em quantidade tão restrita que se pode considerá-la única.
Assim, se eu puder deixar um conselho, um relógio suíço será sempre uma compra melhor que um japonês, chinês ou russo. Tem maior valor agregado, o que faz toda diferença. E na seara da relojoaria, quantidade jamais é qualidade. Um relógio chinês, por bom e honesto que seja, jamais atingirá o valor de um exemplar mediano suíço.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Preste atenção no burocrata

Sempre gostei de filmes e livros de espionagem. Nasci sob o gelo da Guerra Fria, que no Brasil se manifestou em forma de ditadura militar e perseguição aos partidos de esquerda. Li muito John Le Carré, Robert Ludlum, Grahan Greene, mesmo Ian Flemming, que elaborou um 007 bem mais careta do que aqueles elegantes homens protagonizados por Sean Connery, Roger Moore ou, mais recentemente, Daniel Craig (para mim o melhor de todos).
Eu e minha mulher fomos ver, domingo, O Espião que Sabia Demais. Foi meio uma reviravolta de final de jogo: íamos a um filme, descobrimos que passava num horário ruim para nós e decidimos por outro.
E acertamos. O elenco é formidável, começando por Gary Oldman e chegando a John Hurt. Até mesmo o insosso Colin Firth está bem. Todos ingleses, o que dá uma fleugma de frieza e classe às interpretações, bem de acordo com o roteiro e com o ambiente, sempre sombrio.
Me impressionam muito histórias que são contadas por quase anti-herois. Não são bonitos, não são ricos, não andam nos melhores carros, com as melhores roupas, mulheres ou relógios. São figuras comuns, que passam despercebidas. Me lembrou outros filmes, que me impressionaram pela tenacidade de certas figuras são fundamentais para governos.
Le Carré sabia o que escrevia. O Alfaiate do Panamá mostra uma estupenda interpretação de Geoffrey Rush, que não serve de escada para Pierce Brosnan - outro ex-007, ator careteiro e que não sabe fazer nada além de expor feições de ironia. Em Nosso Homem em Havana, baseado no livro de Greene, quem dá show é Nöel Coward, um contato confuso e paranóico, que por pouco não rouba a cena de Alec Guiness. Também de Greene, Os Farsantes, com Liz Taylor e Richard Burton, é outros desses filmaços, nesse caso mostrando a miséria e a barbárie que tomaram conta do Haiti logo no começo da ditatura de Papa Doc.
Em comum cidadãos comuns. A minissérie A Companhia, traz Michael Keaton na pele de uma figurinha frágil chamada James Jesus Angleton. Naturalmente não prestaria atenção em Keaton, mas sua interpretação de Angleton é memorável. Porque Angleton é memorável. Insistente, frio, cínico, desconfiado até o limite da sanidade, descansa somente quando um espião na cúpula da CIA é descoberto, décadas depois de ter sido detectado.
Detalhe: Angleton existiu, assim como o espião, Aldrich Ames. Angleton se assemelha ao personagem de Oldman. A falta de humor e a persistência os une. Angleton não acha graça em nada, fuma descontroladamente e chega a acusar Harry Kissinger de J. Edgar Hoover de serem "comunistas"!
Mas a CIA, assim como MI5 ou o MI6, é feita exatamente de burocratas como esses. Gente sem glamour, que passa uma vida inteira juntando pequenas peças de quebra-cabeça. De certa forma, Angleton é retratado em O Bom Pastor, dessa vez por Matt Damon. Os personagens são muito próximos.
Da mesma maneira, aquele que assistiu a Pasolini: Um Crime Italiano, fica sabendo que foi o legista quem descobriu que tratava-se de um crime sexual e não político. O cineasta era ligado ao Partido Comunista e, quando seu corpo apareceu espancado brutalmente, o governo achou que se tratava de uma questão de ideologia. Sobretudo porque Pasolini não tinha medo de chocar - quem viu o asqueroso Saló sabe o que digo.
Mas um homenzinho... tem sempre um homenzinho. Foi ligando os pontos até concluir que o cineasta fora assassinado por um michê. Você já leram muito sobre isso no noticário nacional. Tive um colega, Sérgio Melgaço (coincidentemente crítico de cinema), que há muitos anos foi morto da mesma maneira.
O legista continuou de onde os policiais pararam. Veado e comunista, não admira que Pasolini seria assassinado, julgaram as machistas autoridades italianas. E graças à tenacidade dessa figura anônima, chegaram ao moto do caso. Dali para frente, alcançar o matador ficou mais fácil.
Governos, instituições, são feitas por gente sem charme, cinzenta. O agente que dá tiros e tapas na cara pode até meter medo. Mas fique atento àquela figura discreta, meticulosa e sem carisma que trabalha na burocracia estatal.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Eu, Tony, Ozzy, Bill e Geezer (e Ian, Glenn, Cozy, Tony, Bobby, Ray, Eric, Dan...)

Vou voltar ao Black Sabbath. Minha história com os discos da banda começou com o Sabbath Bloody Sabbath: a edição brasileira (de contracapa em preto e branco) me foi dada por um amigo de colégio cujo irmão estava de mudança e não sabia o que fazer com o LP. Junto veio uma coletânea, Pop Giants Volume (alguma coisa), com músicas do Paranoid e do Master of Reality. Pouco depois, ele me deu - numa boa, pura camaradagem - o Volume 4, naquela versão nacional que vinha sem o caderno de dentro e só tinha as fotos (profeticamente, já que levaram a banda até o final) de Geezer Butler e Tony Iommi.
Admito que o SBS me desanimou: a reprodução era péssima, baixa demais. Edição CBD Phonogram. Só aprendi a dar valor ao disco muitos anos depois. Mas tem uma explicação: originalmente, trata-se de uma produção independente, por um selo minúsculo - WWA (cuja edição inglesa eu tive e babacamente deixei escapar; hoje, meu LP é uma versão americana, sem muita graça a não ser a histórica). Ou seja, foi gravado com orçamento pequeno, daí a precariedade do som. E o que era ruim piorou com a péssima prensagem nacional.
Fiquei aborrecido com aquela música arrastada, quase repetitiva. Gostava mais do V4, que começa com um petardo: Wheels of Confusion. A coletânea, pelo selo Polyfair (uma subsidiária da Polygram no Brasil), era a que eu menos ouvia. Mas lembro que meu irmão, então criancinha, se amarrava na abertura de Sweet Leaf: uma tossida que ecoa de um canto ao outro do estéreo. Leonardo dava gostosas gargalhadas. Nem sabia que a música era sobre maconha. Alguém deve ter engasgado com aquele baseado.
Aí, me bateu uma loucura e, exceto o V4, passei adiante os outros dois. Por pouco tempo. Minha reconciliação com a banda foi via uma edição americana, e original, do Paranoid. Tem aquela foto em preto e branco dos quatro, na capa que abre em álbum. Uma raridade que troquei pelo primeiro LP dos Lucifer's Friend. Durante muito tempo me arrependi do negócio, mas, depois, vi que ninguém se lembrava do Friend's. Que só legou ao rock o vozeirão de John Lawton, depois no Uriah Heep.
Em seguida obtive o SBS, original e inglês. Esse, não lembro que fim levou. Mas ainda me sinto um trouxa por não tê-lo mais. Minha edição atual, americana, pertenceu a uma ex-colega de trabalho, que também achava um estorvo os LPs que tinha.
Troquei com um chato o Master of Reality que tenho até hoje. Uma ótima edição brasileira, das primeiras. Tem aquele selo da Vertigo que, à medida que o disco roda, vai dando tonteira. O outro lado do selo traz as músicas dos dois lados. Esse mesmo chato, tampos depois, me deu o Never Say Die em troca de algo que também não me lembro.
Do meu camarada Velório vieram o Techincal Ecstasy e o Sabotage, nessa ordem. Também à base de rolos. O TE ele não gostava, mas creio que o Sabotage foi mais duro de tirar dele: acho que valeram uns dois LPs. Ambos em edição nacional. O TE já fazia parte daquela fase em que, no Brasil, a Miruna Litográfica ou a Van Moosel-Andrade (quem se lembra?) passaram a imprimir a contracapa colorida. O outro ainda era em P&B.
O primeiro, Black Sabbath, veio de presente de minha mãe e irmã, que saíram juntas para comprá-lo. A sensibilidade da minha irmã falou mais alto: entre o péssimo Conquest, do Uriah Heep, e o BS, ela fez a opção correta. Era uma edição da RGE, pelo selo Young, que editava no Brasil o selo Nems. Também pelo Nems tive um We Sold Our Souls for Rock'n'Roll, que trazia a faixa Wicked World, lançada na versão americana do BS, já que na Inglaterra ela saiu num compacto.
Na sequência, comprei o Heaven & Hell e o Mob Rules, o primeiro na Center Sound (do incansável Zé) e o segundo na Stop. Meu Mob veio com o mesmo selo dos dois lados e, ao tentar trocar por um novo, o vendedor me disse que demoraria para receber nova remessa. Resultado: fiz uma tirinha de papel e coloquei a lista das músicas escrita a mão. Já o Live Evil foi trazido pelo meu pai dos Estados Unidos.
Na década de 80, fã de carteirinha, fui comprando tudo o que saía. Born Again, Seventh Star, The Eternal Idol, Headless Cross, TYR... Creio que todos com o bom Gilmar. Aquilo que já veio em CD, como Cross Purposes, foi incorporado à coleção no novo formato.
Fiquei com esses discos por anos. Já na década de 90, começaram a entrar no mercado de CDs edições inglesas, da Castle, pelo sub-selo Essential. Logo depois passaram a ser publicadas no Brasil pela Sanctuary/Universal. Limpei a cara: comprei tudo em CD, sobretudo os discos da Sabbath da década de 70. O material é estupendo: remasterizado, vem com um caderno de fotos interessante e um texto explicativo. O disco é o mesmo, sem uma única música a mais. Porém, isso não importa. O legal é ficar sabendo dos bastidores.
Assim, fui me desfazendo de várias edições em LP. O V4 dei para Antônio Vicente, tio da minha filha, e o We Sold... foi para um primo dela, Rafael (junto com uma coletânea do Black Oak Arkansas). Outros tantos foram para a coleção do meu irmão. Mantive o Master of Reality (que até hoje não tenho em CD), o Paranoid, o SBS, o Live Evil, o Headless Cross e o TYR. Todos em estupendo estado de conservação, apesar das mudanças e das casas que tive.
E que vão mudar de lugar mais uma vez. Em breve.

Moe, Larry e Curly

Nesse começo de ano, em que as instituições ainda funcionam à meia-boca, recomendo a leitura do Manual do Idiota Latino-Americano. É um guia estupendo sobre a esquerda que nos cerca, que anda fazendo filhotes inclusive na América Central. Foi escrito há alguns anos, mas é de uma atualidade formidável.
Cito-o por causa do falso câncer da presidente Cristina Kirchner. Lastimo que os argentinos, tão patriotas e sofridos, sejam governados por uma energúmena que conseguiu a reeleição. Sinal de que não é somente o brasileiro que não sabe votar, como vaticinou Pelé certa vez.
Para galvanizar a população em torno do governo - que segue célere para conquistar a adesão total do país à suas teses, já que conseguiu amordaçar uma imprensa com tradição combativa -, saiu-se com essa farsa. A explicação dos médicos para o episódio é de morrer de rir, salientando que a presidente se inseriu numa parcela mínima dos diagnósticos "falsos positivos". Me assusta quando profissionais da medicina ajustam um resultado à circunstância política.
Mas minhas gargalhadas e o troféu ridículo do ano somente poderiam ir para este que está se tornando o maior paspalho que as Américas já tiveram como governante: ele, Hugo Chávez, um boçal que durante alguns anos foi alimentado por uma diplomacia tosca, esculpida a canivete por Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães. Dias atrás, do alto da burrice congênita e adquirida que o caracterizam, o ditador venezuelano saiu-se com a seguinte piada: a CIA estaria inoculando um vírus causador do câncer entre os líderes sul-americanos como forma de não permitir que floresçam por aqui comandantes capazes de confrontar os Estados Unidos.
O pior é que Chávez falou isso sóbrio, sem estar inebriado pelos vapores etílicos. Achou estranho que Dilma, Lula, Cristina e ele mesmo tenham sido acometidos da doença mais ou menos no mesmo período.
Isso, claro, só pode ser um complô contra a independência e a soberania latino-americanas. Não, não era o Chaves, o Roberto Bolaños, aquele mexicano chato e sem graça - que se tornou cult entre nossos adolescentes porque lhes faltam herois de verdade, gente que os represente na rebeldia.
São esses os líderes sul-americanos, cujas declarações impressionam pelo tanto de falta de realidade que trazem no bojo. O Brasil teve figuras caricatas; talvez a maior delas ainda seja Jânio Quadros. Mas esses países se alternam entre o sinistro e o parvo. Desce um Hugo Banzer na Bolívia e sobe um Evo Morales;  um Carlos Andrés Peres é derrubado e surge um Hugo Chávez; um Jorge Rafael Videla é removido e pela Casa Rosada passa um Nestor Kirchner ou um Carlos Menem. Lula flertou com o ridículo, mas teve pejo de dar ouvidos a figuras com algum bom-senso.
Não se pode dizer que Dilma vá guardar distância regulamentar de figuras com essas; afinal, o Brasil depende de alguma forma dos seus vizinhos. Mas vejo como grande ponto positivo da presidente o fato de ter colocado um cordel impeditivo a Chávez, cuja presença constante no Brasil nos tempos de Lula jamais trouxe qualquer dividendo à nossa economia. Dilma e Cristina também se encontraram pouco, condição incomum entre Brasil e Argentina até 2010.
Há que se olhar para os lados, sim, mas há que se olhar principalmente para frente. E se o Brasil quer realmente confirmar sua condição de 6ª maior economia do mundo, deve mirar noutra direção. Para além dos patetas que nos cercam, que vão receber aquele baixinho do Irã - que pelo tamanho e pela vontade, mais parece vilão dos filmes do Austin Powers.  

Um dos meus herois

Leio no Estadão que Tony Iommi está com linfoma, a mesma doença que acometeu a presidente, e que, em estágio inicial, já deu início ao tratamento. A última vez que o vi foi aqui em Brasília, no Nílson Nélson, com o Heaven & Hell. O falecido Ronnie James Dio estava nos vocais. Geezer Butler pareceu  meio passado, mas tocou divinamente. Vinnie Appice começou o show brigando com a caixa e, depois da intervenão de um roadie, mandou brasa com a competência de sempre.
Sou um desenvolvedor de teorias e considero Tony um dos cinco maiores guitarristas do rock - junto com Jimi Hendrix, Jimmy Page, Ritchie Blackmore e Jeff Beck. O que esses cinco influenciaram de gente, de 40 anos para cá, não está no gibi. Tenho imenso respeito por caras como Pete Tonwsend, Keith Richards ou George Harrison, e os acho brilhantes, mas os vejo muito mais jogando para o time do que colocando o brilho a serviço de si mesmos. Aqueles cinco tinham um carisma individual que, por vezes, era maior do que os grupos em que tocavam.
Musicalmente, Tony foi para mim o mais importante. Com o Black Sabbath, criou um gênero que, dentro do chamado heavy metal, foi o que mais rendeu frutos. A quantidade de seguidores do Sabbath, seja nos acordes, seja na temática, é de perder a conta. Ele, porém, continua acima de tudo, tirando do bolso do colete riffs que arrepiam a alma mais insensível.
Foi Tony quem deu início a essa coisa de fazer "música de terror". Claro: se há filme de terror, por que não música? "Tem gente que paga para se assustar", teria dito ele a Ozzy Osbourne na virada do Earth para Black Sabbath (nome tirado de um filme de Boris Karloff). E ninguém contestou. Estava certíssimo, como o futuro se incumbiu de mostrar pouco tempo depois.
Não li a biografia de Tony, The Man in Black, para a qual ele andou fazendo noites de autógrafo. Se chegar aqui ao Brasil, comprarei. Tenho imensa curiosidade em saber a razão pela qual ele sustentou o Sabbath como a um zumbi. Ainda que depois da saída de Ozzy e de Dio tenha contado com músicos de primeira linha (entre eles Ian Gillan, Glenn Hughes, Cozy Powell, Neil Murray, Eric Singer, Tony Martin e Bobby Rondinelli), perdeu aquela magia que havia até Mob Rules. A sequência foi de altos e baixos, embora eu considere que, se tivesse sido uma outra banda de rock, a carreira seria vitoriosíssima.
Mas apresentava-se como Sabbath e aí a porca torce o rabo. Tal como o Deep Purple hoje, que nada tem a ver com aquela banda que fez história nos anos 70, a marca foi levada ao desgaste extremo, por pouco jogando no lixo um patrimônio de fãs e admiradores que esperava um encerramento de carreira mais digno.
Tony lançou três álbuns-solo, todos muito bons. O primeiro é um festival de convidados. O segundo é sobra de estúdio de um grupo natimorto com Glenn Hughes e David Holland - cuja bateria foi apagada e trocada pela de Jimmy Copeland, já que o ex-batera do Trapeze e do Judas Priest se envolveu num caso de pedofilia. E o terceiro é outra parceria com Hughes, adicionada de dois pistoleiros de aluguel - o superestimado Kenny Aronoff (bateria) e o rato de estúdio Bobby Marlette (baixo).
Logo em seguida, Tony desistiu de ir adiante com seu Iommi. A proposta de levar o repertório do Sabbath na fase Dio com o nome Heaven & Hell, e dali reconstruir uma carreira em grupo, era muito boa. A estréia no Radio City Music Hall, coração de Nova York e uma das mais famosas casas de shows do mundo, foi estupenda. O DVD e o CD são impedíveis.
Logo em seguida, a ideia era badalar o segundo trabalho, The Devil You Know, cuja perna brasileira presenciei. Mas Dio é diagnosticado com um câncer agressivo e em estágio avançado. O fim vocês já sabem.
O H&H ainda colocou no mercado o ótimo pacote Live in Wacken, apresentação da banda no maior festival de heavy/hard do mundo, na Alemanha. O show é parte da turnê de divulgação de The Devil You Know.
Ainda que a apresentação seja burocrática, os quatro mostram um entrosamento e uma vontade de tocar juntos que eu já havia presenciado em Brasília, com Dio brincando quase sempre com Tony e se dirigindo simpaticamente aos demais. O ambiente parecia bom, diferente das fofocas que correram depois do lançamento de Live Evil, que fechou a primeira fase do cantor no Sabbath - rolou a conversa de que ele tentou mixar sua voz bem à frente dos demais instrumentos, cuja vingança de Tony foi creditá-lo somente como Ronnie Dio (sem o James) e colocar o pobre Vinnie Appice como músico convidado (em Mob Rules entrada como substituto oficial de Bill Ward).
Tomara seja apenas mais uma fase da dura vida desse músico que, apesar de não ter as pontas de dois dedos da mão direita, criou um estilo inconfundível de tocar e de compor. Um músico que saiu escorraçado do Jethro Tull, quando substituiu Mick Abrahams depois do álbum de estreia, This Was (pode ser visto com Ian Anderson, Glen Cornick e Clive Bunker no Rock'n'Roll Circus que os Rolling Stones transformaram em filme). Um cara que pela primeira vez tocou no centro do palco, colocando o cantor (Ozzy) à sua esquerda, quase na coxia. Um sujeito que chutou esse mesmo Ozzy quando o vocalista puxava o Sabbath para o buraco, devido ao abuso de drogas e álcool. Um guitarrista que não teve medo de pôr Dio nos vocais, no lugar de um integrante considerado insubstituível. Um camarada que errou (na minha opinião) ao prosseguir com o nome de uma lendária banda, apesar das alterações a cada novo disco.
Enfim, um herói da minha geração.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Pior que a riqueza é a pregação moralista

Dando um rolé pela net, cheguei ao site da Veja, que faz uma devastadora crítica de um programa da Band, que foi ao ar segunda à noite chamado "Mulheres Ricas". O nome já diz tudo: cinco miliardárias brasileiras estourando dólares em Miami - assim como Key West, Key Largo... -, refúgio dos nossos concidadãos endinheirados e sem criatividade.
A emissora acertou em cheio se seu plano era chamar a atenção com um reality show de mau gosto e, por que não?, ofensivo para um país de milhões de miseráveis, apesar de ser considerado o 6º PIB mundial. Mas se a Globo tem o Big Brother, um festival explícito de futilidades e nulidades, por qual a razão a Band não poderia ter o seu cirquinho, que mostra (em 10 episódios) dias da vida de madames que nada têm a fazer a não ser gastar?
Não vi o programa, nem vou ver. Vi os comentários, que não me surpreenderam, embora vários sejam repletos de hipocrisia. Aqui não vai qualquer esquerdismo extemporâneo, tampouco pregação de uma sociedade mais igualitária ou coisa do gênero. O capitalismo é, em essência, desigual, mas não conseguiram derrotá-lo. O dito socialismo desembocou em ditaduras crueis, cujas elites (ô palavrinha detestável) não têm pruridos em massacrar para viver bem. Os exemplos estão aí, aos montes.
Voltando à hipocrisia dos comentários, sobretudo no tuíter. Acho engraçado a turma criticar e dizer que estourar dinheiro sem perdão é "cafona" ou "demodé"; que as cinco ricaças são "sem noção" e que um programa desses é a decadência completa da TV.
Essas críticas são de morrer de rir. Primeiro porque, muitos dos que atacam as "madamas", se pudessem arrebentavam o cartão, mesmo que tivessem algo melhor para fazer do que ser bonqeuinha de luxo (desculpe, Audrey!). Dos críticos que li, ninguém ali me parece com tendência a jogar a fortuna para o alto e se juntar a uma tribo de bérberes da Nova Guiné, ou então seguir os passos de São Francisco. Santo Agostinho, nem pensar.
Então, estão reclamando do quê? As donas queimam grana com futilidades porque seus maridos dão aval. Tampouco cobram delas engajamento político, social ou o que seja. Elas são troféus da caçada sexual e social. Algumas delas têm mais de um casamento e, sempre que um acaba, saem tão ricas quanto entraram. Essa é a profissão delas: mulher de nababo. E são bem remuneradas para isso.
Claro que qualquer pessoa com um pingo de bom-senso se sentiria incomodada em ver as senhoritas (uma nem é tanto assim, mas como jura que tem só 40 anos, vá lá) descendo a ripa no dinheiro. Ostentação ofende, sobretudo se a gente compara a vida que elas levam com a nossa.
Mas se incomoda quem quer, quem foi atrás do programa. Eu, por exemplo, não vi; portanto não me senti agredido. Não veria mesmo por uma questão de princípio: detesto reality shows de qualquer tipo. Aqueles que mostram a vida de viciados em drogas ou prisioneiros, que infectam as TVs pagas, são detestáveis. Mesmo os de leilões, de caça a raridades ou de casas de penhores são desinteressantes.
Então, as "Mulheres Ricas" vão passar sem me fazer frio ou calor. Mas, perguntam vocês, por que estou falando nelas? Por causa da reação irada dos comentários no tuíter ou da crítica da Veja. No primeiro caso, desconfio muito da pureza de intenções de quem critica as madames, mas a segunda o faz por dever de ofício. A primeira, gasta indignação de encomenda, irritação estudada; a segunda, tira sarro da situação das moças, quase sempre patética. A primeira expõe preconceito e hipocrisia, como se todas as vestais que atacam as ricaças fossem incapazes de fazer o mesmo se lhes coubesse a honra; a segunda, avalia tecnicamente um programa e o que ele tem a oferecer - ou, sem trocadilho, enriquecer - à TV.
Veja "Mulheres Ricas", estarreça-se à vontade com o desfile das cinco figuras. Mas não se aborreça, nem faça pregação moralista. Você pode estar naquela faixa (majoritária) de cidadão que se fosse político, e pudesse, empregaria os parentes.  E se fosse miliardário, madava descer a loja da Cartier a cada estada em Paris.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cerveja e água suja

A primeira postagem do ano tem que se sobre um assunto leve. Vamos, então, falar sobre cerveja. Não essa água suja que se vende por aí e que não justifica o nome, mas aquela que os entendidos (coisa que não sou, nem pretendo ser) chamam de gourmet. Empáfia à parte, sou apenas um bebedor e apreciador, que aprendeu a ver essa bebida, tão desvalorizada pelas garrafas opacas e pelas latinhas nos shows de axé music, de outra maneira.
Comecemos, pois, de baixo. Cerveja não é somente as pilsens Skol, Brahma, Antactica, Itaipava, Schin, Kaiser. E olhe que essas pilsens são bem ruins, péssimas mesmo. Não têm cor, não têm sabor, não têm buquê, não têm alma. Como qualquer bebida popular, servem para o sujeito ou encher a cara ou matar a sede - ainda que, para isso, água seja melhor. Esqueça a Bohêmia, que não é aquela antiga de Petrópolis. É ruinzinha, mas com cara de prima rica. Considero a melhor, dessas comuns, a Heineken, uma Lager com algum gosto. Para dar uma festa, compraria as latinhas/garafinhas verdinhas. Você não precisa matar seus convidados dando a eles porcarias.
O Brasil produz boas cervejas, todas elas vindas das microcervejarias, que começam a despertar a cobiça das maiores. A Baden-Baden e a Eisenbahn já são propriedade da Schincariol, o que é um perigo. Algumas coisas nessas marcas já mudaram para pior: a bock da BB está sem caráter e a kolsh da Eisen perdeu o buquê. Mas ainda recomendo a stout da BB ou a weizen da Eisen - sem rima.
A Backer, de Minas e que continua independente, piorou muito. Meu irmão trouxe algumas no Natal e, confesso, decepcionaram. A weizen ficou sem ser consumida por mim por puro medo. Espero que meu pai a tome e depois me diga.
Acho que, dessas mais fáceis de achar, as da Colorado ainda apresentam o melhor resultado. Da última vez que tomei, a Índica era uma boa Índia Pale Ale.
Mas se você quer provar uma verdadeira pilsen, experimente a Pilzner Urquell, tcheca. Me reconciliei com ela neste final de ano, já que a última que tomei foi em Basileia, em 2010. O frio ajudou no consumo na Suíça. É uma cerveja cheirosa, verdadeira, colorida, de gosto forte. Vai pagar uns R$ 20, mas o prazer é garantido. Coloque também na lista as Kronenbourg, francesas. Os dois chopes que tomei no aeroporto de Basiléia estavam deliciosos.
A waizen da Paulaner também merece atenção. É uma verdadeira cerveja de trigo, que passei a gostar quando tomei um daqueles canecões em Munique. O frio batia nuns 10 graus negativos, mas a Franziskaner desceu redondinha. Tem um cheirinho de sopa de legumes, característico das cervejas de trigo. Das que chegam ao Brasil, depois de uma viagem que pode perfeitamente mudar-lhes o gosto, as da Paulaner foram as com que me dei melhor.
Uma boa stout, forte e amarga como deve ser, é a Cooper's, australiana. Considere incluir ainda a Beamish ou a Spitfire. São cervejas de frio, alcóolicas. A Judas, belga, é ainda mais forte e ainda mais alcóolica, mas de gosto marcante e lindíssima cor.
Por falar em Bélgica, as Stella Artois são o que vêm de mais rasteiro de lá. Mas também não é preciso cair na tentação de comprar uma Deus e pagar caro por algo que, definitivamente, não é grande coisa. Uma geuze tipo Mort Subite ou uma Trapiches Rochefort nº 10 são excelentes e dão todo o sabor de uma cerveja bem feita, em garrafinhas pequenas.
Da mesma maneira que a holandesa Heineken, de que falei lá em cima, é somente popular e representa um tipo básico de Lager. Sobre esse gênero muito parecido com as Pilsen, gosto das Castle ou Lion, sul-africanas. Ou se seu negócio é uma cerveja holandesa, opte pela La Trappe, que faz uma trapista opaca, de gosto forte e marcante.
Um bom começo para entrar com o pé direito no mundo das cervejas é comprar o guia da Zahar, intintulado apenas Cervejas. É elaborado pelo gourmet Michael Jackson (nada a ver com o rei do pop), com base nas suas andanças pelo mundo, provando sabores e cheiros. Não se preocupe com livros mais profundos: somente causam confusão na cabeça do quem está começando.
E, sobretudo, esteja aberto a um paladar bem diferente, que ora deixará na sua boca de resíduos de banana, cinza, café, chocolate, baunilha, batatas, milho e centenas de outros. Bem diferentes desse diurético que o Mussum tomava estalando os beiços.