quinta-feira, 28 de julho de 2011

Os novos inquisidores

Não vi e não gostei de A Serbian Film, que diz ser de terror. Para mim, filme do gênero ainda são aqueles da Amicus ou da Hammer, ingleses da década de 60, que tinham no elenco Christopher Lee ou Peter Cushing – ainda acho Lee o Drácula mais assustador da história do cinema. Mas nada disso vem ao caso. O que vem ao caso é a censura imposta a esse filme que veio dos Balcãs.
Dizem que tem cenas que sugerem incesto e pedofilia. A simples menção dessas duas barbaridades me deixa enojado. Não iria ver o filme porque, definitivamente, não tenho estômago para as misérias humanas. Fico entre triste, chocado e revoltado quando leio sobre isso nos jornais. Isso não quer dizer que não goste de películas violentas. Ao contrário, gosto sim, mas quando a coisa entra na área do sexo, e sobretudo crianças, admito que fico transtornado.
Porém, sou contra censurar o filme. Agora que está proibido de entrar no circuito comercial é que realmente se tornará um sucesso. Provavelmente será exibido um dia no Telecine Cult, onde, certa vez, zapeando canais de madrugada, exibia um filme em que aparecia o sexo oral explícito de dois homens. Também foi nesse canal pago que vi um lixo chamado Nove canções, de um cineasta até renomado, Michael Winterbotton. São várias as cenas de sexo explícito e de música ruim, e não sei o que me incomodou mais. Além disso, o casal da trama é feíssimo. Prefiro as louranhas da Vivid, que não estão lá para atuar.
Li que A Serbian Film já é um sucesso de downloads. Claro, tudo o que é proibido vira hit. Foi proibido pelo conservadorismo de Maia pai e Maia filho (Cezar e Rodrigo), que fora do jogo político tiveram de criar um factóide para voltar ao noticiário. Não sei se isso lhes agregará um único voto. Sei que eles apelaram para o que há de mais abominável em matéria de raciocínio intelectual: a censura.
Me lembro que, anos atrás, a Igreja Católica implicou com Jê vous salue, Marie, do xaroposíssimo Jean-Luc Goddard. A então atriz Lucélia Santos era uma das figuras da linha de frente no protesto. Lembrei-me de Lucélia, a doce Escrava Isaura, no filme Bonitinha, mas Ordinária – Ou Otto Lara Rezende, na cena em que é possuída pelos negrões no ferro-velho. E gritava: “Me fode, Cadelão”. Cadelão era um personagem de recorrente de Nelson Rodrigues, uma espécie de canalha empedernido. Não lembro quem fazia o Cadelão no filme. Mas li outros livros em que Cadelão dava o ar da graça, como Engraçadinha.
Tenho nojo da censura porque geralmente é instrumento de gente com muito dinheiro e poder. O cara não gostou, arranja um juiz para sentar em cima. Roberto Carlos fez isso com uma biografia não autorizada. Claro, nela há passagens em que sua eterna imagem de bom moço fica comprometida. Fernando Morais sofreu com um livro sobre a W/Brasil, agência do Washington Olivetto. O deputado Ronaldo Caiado também não gostou de ser retratado e mandou bala na liberdade de expressão. Que processasse o autor de Na toca dos leões, mas censurar, nunca.
Um dado interessante: Caiado e Maias pai e filho pertencem à mesma legenda, o DEM. Embora a ação do deputado já tenha algum tempo, quando o ex-PFL ainda não tinha começado a descida da ladeira, hoje o partido está praticamente esfacelado, resultado dos oito anos longe do poder federal.
Não é somente isso. Os Sarney conseguiram amordaçar um jornalão, O Estado de São Paulo, que até ontem estava há 727 dias sob censura. Não pode dar uma única e escassa linha sobre Fernando Sarney e suas conversas comprometedoras, gravadas no âmbito da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Não fosse quem é e filho de quem é, o juiz jamais teria concedido a liminar. Fiquei surpreso como a família não tirou de circulação Honoráveis Bandidos, de Palmério Dória. Talvez porque não quisesse aparecer pela segunda vez como uma fã incondicional da censura.
Sou e sempre fui a favor de processar o autor. Não gostou, manda a justa em cima do cara. Na frente do juiz, os dois lados expõem seus argumentos e ganha quem tiver o melhor. Porque a proibição pura e simples de que um livro, um CD, um DVD ou um filme fiquem ao alcance do consumidor, pressupõe que quem a conseguiu está coberto de razão.
Impedir a obra de circular é medieval. E a idade das trevas há muito passou.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A UnB está entregue às baratas

Do site da Veja, que dias atrás publicara uma matéria (justíssima e bem documentada) sobre o chamado "aparelhamento intelectual" da UnB. Aliás, esse "aparelhamento intelectual" é comum em várias universidades federais brasileiras, tomadas pelo petismo e pelo "unismo" - uma espécie de correia de transmissão dos setores mais atrasados do PT, encastelados da outrora brava União Nacional dos Estudantes. A coisa na Universidade de Brasília definitivamente vai de mal a pior, o que é uma pena. A incompetência estatal do governismo esquerdóide está matando superior o ensino aos poucos.
Leiam e estarreçam-se à vontade.

"O Ministério Público Federal investiga denúncia de cobrança de propina dentro da Universidade de Brasília. Uma das sete empresas que fornecem mão-de-obra terceirizada à instituição acusa um dos funcionários da universidade de exigir 100 000 reais para liberar um pagamento bloqueado. A Planalto Service fornece cerca de 650 funcionários à Universidade de Brasília para as tarefas de limpeza e apoio administrativo. A empresa pedia o pagamento de um aditivo ao contrato que mantém com a instituição de ensino. Foi aí que começaram a surgir as dificuldades. O funcionário da UnB Manoel Martins Jorge Filho, fiscal de contratos de terceirização do Decanato de Gestão de Pessoas, aplicou notificações à empresa Planalto Service. 
O fiscal apontou falhas no cumprimento de horário dos terceirizados e nas condições de equipamentos fornecidos pela companhia de forma genérica, sem informar em que dia e em que setores elas tinham acontecido, o que dificultava a defesa por parte da empresa. Com o relato das supostas irregularidades, os pagamentos foram bloqueados. A companhia tinha, ao todo, 1,8 milhões de reais a receber. E diz que Manoel criou as dificuldades de forma injustificada para conseguir extorquir a Planalto posteriormente. As tentativas de extorsão ocorreram nos primeiros meses de 2011.
Manoel não está sozinho. Nem a cobrança de propina é a única irregularidade praticada na administração do reitor José Geraldo de Souza, ligado ao PT. O funcionário integra um grupo de funcionários ligados ao sindicato da categoria e apoiou José Geraldo de Souza para subir na carreira pública. Foi promovido de xerocopista a fiscal de dez milionários contratos de terceirização.
Além da propina, integrantes da universidade interferiram nas contratações feitas pela empresa terceirizada. Foram mais de 100 indicações, 50 recomendações de demissão e 60 pedidos de promoção nos últimos dois anos. A prática vai contra orientações do Tribunal de Contas da União. O próprio Manoel admite ter uma filha e um genro trabalhando na UnB por intermédio da Planalto, o que configura nepotismo. 
Achaque - O material em poder do Ministério Público Federal mostra que Manoel era insistente ao cobrar propina para normalizar a situação da Planalto, o que seria fundamental para a liberação do aditivo pedido pela empresa. O primeiro achaque ocorreu durante um almoço com a funcionária da Planalto responsável pelo contrato, identificada como Deise. Depois, as cobranças se deram por telefone. Quando Deise parou de atender às ligações, ele passou a usar a internet para enviar mensagens para o celular da funcionária. Por fim, Manoel mandou três torpedos do próprio celular no dia 20 de maio. São as maiores provas da extorsão.
As ameaças são diretas: "Ou me paga logo ou aumento para 150", diz Manoel em uma das mensagens. Em outra, ele relata que outros funcionários estariam envolvidos no esquema. O terceiro torpedo diz: “O que você fez ontem e está fazendo hoje não irá fazer de novo. Ou me paga logo ou cancelo seu contrato. Você ainda não entendeu que quem manda sou eu?". O recado foi mandado justamente quando a funcionária ia se queixar dos problemas ao Decanato de Gestão de Pessoas, responsável pelo contrato.
A dona da Planalto Service, Cássia de Souza, relatou a situação ao reitor da UnB, José Geraldo de Souza. Ele limpou a ficha da Planalto e retomou os pagamentos. Depois da denúncia, o contrato da empresa saiu das mãos da decana de Gestão de Pessoas, Gilca Starling, e passou a ser comandado pelo Decanato de Planejamento. Manoel Filho voltou à sua função original: cuidar das fotocópias no Instituto de Letras. A UnB tentou manter o caso em sigilo.
Manoel nega as acusações. Diz que foi vítima de uma armação porque nunca aceitou fazer vista grossa aos problemas da Planalto. O funcionário não sabe dizer, entretanto, como as mensagens foram aparecer no celular da funcionária da Planalto. "Eles é que provem que eu mandei aquilo. O ônus da prova cabe a eles",  afirma. 
Carreira - Manoel integra um grupo de funcionários ligados ao sindicato da categoria. Apoiou a campanha do reitor José Geraldo de Souza com a perspectiva de conseguir um cargo melhor na universidade. Conseguiu. Depois de 32 anos como xerocopista, foi promovido a fiscal. A cúpula da Universidade de Brasília, ligada ao PT, privilegia acordos políticos na gestão de pessoal em detrimento do mérito.
Outra personagem dessa história está ligada à partidarização da universidade - crítica feita na UnB tanto por docentes de esquerda quanto de direita. A decana Gilca Starling, ligada ao deputado federal petista Gilmar Machado (PT-MG), foi "importada" de Uberlândia. Confrontada com os fatos, acusou a empresa e se manteve ao lado de Manoel, a quem chamou de "homem de confiança".
Nomeações - As indicações feitas por funcionários da UnB de pessoas contratadas pela Planalto envolvem até mesmo o procurador jurídico da UnB, Davi Diniz.. A confissão foi feita pela decana Gilca Starling, em uma conversa gravada: "Esse daqui realmente foi um pedido de nosso procurador", disse ela, ao apresentar uma indicação de Diniz.
A Secretaria de Comunicação da UnB nega a existência das indicações e disse ter tomado as providências adequadas no caso de tentativa de extorsão: comunicou o fato à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal - que também havia recebido uma denúncia de funcionários da universidade. A universidade diz ainda que a Planalto foi autuada dez vezes por falhas na prestação do serviço. Abriu também uma sindicância interna cujos trabalhos são mantidos em sigilo. E relata que não foram detectadas suspeitas semelhantes em outros contratos. 
Surge daí uma pergunta óbvia: o caso é mesmo uma triste exceção ou só veio à tona porque a Planalto foi a única empresa a romper o silêncio? Independementente da resposta, os fatos mostram que o ambiente da universidade não está imune aos desmandos tão frequentes em outros órgãos federais."

terça-feira, 26 de julho de 2011

De volta às origens

Poucos sabem quem foi Vidkun Kisling. Pelo nome, inclusive, podem achar que se trate de algum indiano, um oriental. Não é. É norueguês. Mais precisamente: foi primeiro-ministro. Ainda mais precisamente: foi primeiro-ministro colaboracionista, quando da ocupação da Noruega pelas forças militares alemãs. Foi uma espécie de marechal Philippe Pétain, que também se deixou possuir gostosamente pelo pessoal de Hitler. Todos alegaram fraqueza diante de um inimigo tão poderoso, daí porque preferiram capitular e ficar ao lado do monstro.
Não é bem assim e a história já mostrou isso. Quem se entregou, o fez também porque em muito concordava com o nazismo. Foi assim com a Hungria, com a Romênia, com a Bélgica, com a Holanda. A Espanha e a Itália não precisaram, pois Franco e Mussolini desde muito cedo deixaram claro a conexão de pensamento com Hitler. Em Portugal, Salazar também não escondia as simpatias pelo ditador alemão.
Em todos esses países, a extrema direita existe, é forte e atuante. A semente do racismo, da intolerância, não vem de agora. O processo do capitão Dreyfuss, judeu acusado de traição, virou maravilhoso libelo de Émile Zola em favor da liberdade de culto, de expressão e de opinião. Quem leu Eu acuso sabe disso. Foi a primeira grande ação judicial marcada pelo anti-semitismo que se tem notícia. E foi na França, cantada em verso e prosa pela igualdade, fraternidade e liberdade revolucionárias.
Durante décadas, sobretudo aquelas que se seguiram à II Guerra, houve um esforço para apagar as profundas marcas que o nazismo deixou em várias sociedades européias. Até a Inglaterra se empenhou em calar seus admiradores de Hitler. Duas são as explicações para isso: o legado deixado pelo regime alemão, com cinco milhões de judeus mortos e outras centenas de etnias e grupos sociais igualmente assassinados; e África e Ásia ainda eram distantes, pois o fluxo migratório das ex-colônias não tinha se intensificado devido à miséria.
A França de De Gaulle se esforçou imensamente para erguer, no pós-Guerra, um muro entre ela e países que faziam parte de seu império. Ao tentar esmagar os esforços do Vietnã e da Argélia pela independência, mandava dois recados simultâneos. O primeiro, de que esses países deveriam continuar sob sua zona de influência econômica e prover-lhe sustento. O segundo, que seus habitantes jamais deveriam cruzar os oceanos em busca de uma condição de vida melhor na metrópole. As ações militares francesas foram, sobretudo, expedições punitivas.
A Noruega não tinha um império a sustentar, mas desenvolvera um país evoluído economicamente, desde muito cedo grande desenvolvedor de técnicas de exploração de petróleo nas águas geladas do Ártico e do Báltico. E tinha algo que encantava os nazistas, particulamente a Adolf Hitler: uma população imaculadamente branca, de pouquíssima miscigenação.
Não tinha a mistura que, por exemplo, era possível ser vista na Finlândia, cuja população tem traços vindos da Rússia e dos Países Bálticos. Assim como a Suécia, a Noruega vivia num semi-isolamento que a tornava única. A diferença é que o reino sueco tinha sérios problemas para sustentar sua população, que em parte expressiva migrou para a Dinamarca e, por extensão, para a Alemanha. Os noruegueses continuavam onde estavam.
Isso fascinou Hitler. A memória histórica, porém, é sempre curta. A Alemanha tomou a Dinamarca, fechou um acordo com a Suécia, contou com a estreita colaboração da Noruega – inclusive territorial –, firmou um pacto militar com a Finlândia e “deu” à antiga União Soviética os Países Bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia) como “compensação” pela celebração do Pacto Ribbentrop-Molotov. Em todos esses países, a simpatia pelo nazismo continua grande, em grupos desorganizados, é verdade, mas com conexões para além das suas fronteiras.
Vários, inclusive, não se apresentam mais com a suástica. Desenvolveram não somente símbolos, como expressões que os identificam. Saem às ruas, veneram Hitler e vários deles sequer pertencem às etnias germânicas. Muitos são eslavos, gênero que o III Reich abominava e considerava tão sub-gente quanto os judeus. Mas esperar coerência desses personagens é pedir demais.
O massacre da Noruega apenas mostra que o país que professa a paz na forma de um prêmio tem seus esqueletos no armário, que a extrema direita não é algo tão desconhecido assim do universo norueguês. A história nem sempre se repete como farsa, mas habitualmente se repete como tragédia.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Eternos jogadores

Definitivamente, não se pode esperar muita coisa do PR. Depois do festival de exonerações promovido ontem pela presidente Dilma Rousseff, voltou a mandar recados, “insatisfeito” com a faxina no Ministério dos Transportes. Seus deputados e senadores falaram numa reunião para avaliar a relação partido-governo e até mesmo num discurso prometido pelo ex-ministro Alfredo Nascimento, dia 2 de agosto, quando reassume oficialmente a cadeira no Senado.
Tudo balela, tudo blefe.
O PR não tem cacife para abandonar a base, embora possa dar trabalho em votações do interesse do Palácio do Planalto. Da mesma maneira que Nascimento não deverá falar coisa alguma, já que, caso se deixe levar por um lampejo de moralização, trará uma luz forte para os oito anos da sua administração.
Vai expor aquilo que era o Ministério no governo Lula, cuja participação do PT era tão decisiva quanto a do PR. E colocará Dilma, ex-superministra-mãe-do-PAC e hoje presidente, na condição de conivente com a bandalheira que existia até poucas semanas atrás.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Irmãos siameses

Acabo de ler um artigo de Larry Flint, na página d’O Estado de São Paulo, condenando a postura de Rupert Murdoch, que alavancou algumas das suas empresas à base de manobras que nada têm a ver com a ética. Muito ao contrário: ultrapassam a medida daquilo que é moral e decente e entram na seara criminosa, violando a individualidade dos cidadãos. Para Murdoch, um predador da imprensa, a notícia poderia ser obtida pelos mais variados meios, inclusive os ilegais. O leitor de hoje pode ser a matéria de amanhã, segundo os ditames do The Sun e do extinto News of the World.
O problema é que acho que algumas pessoas não têm envergadura moral para falar de outras. Uma delas é exatamente Larry Flint. Não, não estou aqui defendendo a censura, tampouco passando para o lado daqueles pastores televisivos de caráter duvidoso que ele enfrentou na década de 70. O povo contra Larry Flin”, brilhante filme de Milos Forman, nos faz pensar, sim, na liberdade de expressão e de opinião, da mesma maneira como faz pensar naquilo que Larry fazia e que virou decisão pacificada pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
Definitivamente, o que a Hustler é ou foi está longe de ser imprensa. Quando Flint desencadeou a ira dos pastores pilantras foi porque os estampou na sua revista, chamando-os de tarados edipianos, sem qualquer base para isso. Ainda que eles fossem safados, amorais, se você não tem provas contra a pessoa, a regra da imprensa manda apurar primeiro e publicar depois. Se ainda assim as informações não se consolidarem, recua-se na matéria.
No filme, a Suprema Corte defendeu o direito de Flint de ridicularizar, que, ainda que não concordemos plenamente, é uma forma de expressar opinião. Lembro de um episódio no mínimo bisonho, acontecido não tão longe assim: o processo do ex-governador do Estado do Rio, o advogado criminalista Nilo Batista, contra o “colunista” Agamenon Mendes Pedreira. Nilo ficou em má situação duas vezes: primeiro, porque Agamenon o ridicularizou na sua “coluna”; e segundo porque Agamenon simplesmente não existe. É uma criação magistral da turma do Casseta & Planeta.
Nossos códigos não permitem a ridicularização, a humilhação. Quem tem o hábito de assistir ao programa de David Letterman surpreende-se com as piadas de mau gosto e os ataques que comete contra os presidentes norte-americanos. George W. Bush, não sem razão, foi uma vítima constante de suas críticas ferozes, que incluía chamá-lo de bêbado e de débil-mental. Está lá a Primeira Emenda à constituição que não permite que se admoeste quem é duramente agredido pelas palavras.
Flint foi até o final para defender seu direito de criticar, mas isso não lhe dá o direito de condenar ninguém. Primeiro, porque ele não faz jornalismo. Trata-se de um empresário do ramo da pornografia, com canais pagos e produtoras de filmes de sexo explícito. A Hustler é somente uma das faces desse lucrativo ramo de atividade e, talvez, o mais ingênuo dele. A exploração de homens e mulheres, da prostituição glamurizada, fica para os veículos de vídeo, que eufemisticamente são tratados como entretenimento adulto. Flint foi onde Hugh Hefner não teve coragem de ir.
Ninguém nega que os métodos de Murdoch são, desde muito cedo, os piores possíveis. Diz-se que começaram a se manifestar quando assumiu o comando do seu primeiro jornal, ainda na Austrália. Reza a lenda que, ao ficar à frente da publicação, reuniu toda a redação logo no primeiro dia e prometeu não demitir ninguém, mesmo que os objetivos traçados fossem atingidos. Os jornalistas, claro, acreditaram e, aos poucos, Murdoch foi substituindo um a um, traindo a confiança deles.
Dali para diante, o céu foi o limite para Murdoch. Fez fusões e aquisições de maneira irresistível e construiu o maior império da mídia mundial. E em algumas das suas publicações deixou claro que a ética não entrava na lista das cinco maiores prioridades. O The Sun tornou-se um espaço odiado por todo mundo, já que trazia à tona apenas as indiscrições das celebridades. O News of the World enveredou por caminho ainda pior, trazendo para o público casos de grande impacto, mas que envolvessem gente comum. Era o caso de seqüestro não resolvido, de pedofilia descoberto e coisas do mundo-cão. Murdoch espetacularizou a miséria utilizando os meios mais sujos, com conexões do submundo, ainda que viessem travestidos de policiais.
Flint fez a conexão da nudez com a pornografia. Não que isso fosse incomum nos Estados Unidos, mas ele pegou a base da Playboy, com algum conteúdo jornalístico, para dar a roupagem na vulgarização dos corpos femininos, com fotos mais ousadas do que a medida da época. No seu rastro veio Bob Guccione, aquele que pegou um roteiro fraco de Gore Vidal, atores e atrizes de primeira linha (John Gielgud, Peter O’Toole, Malcom McDowell e Helen Mirren), um diretor de filmes eróticos (Tinto Brass) e fez um filme pornô com roupagem de cinema de arte. Isso não o tornou um produtor de sucesso, tampouco fez da sua Penthouse uma revista respeitada.
Nesse jogo de amoralidades, nem Flint pode condenar Murdoch nem Murdoch atacar Flint. Eles são rigorosamente iguais, embora por correntes diferentes: os dois pensam que fazem jornalismo.

Tá tudo dominado!

Do site da veja. Eis uma leitura instrutiva:

"Após a revelação, feita por VEJA, de um esquema de corrupção implantado no Ministério dos Transportes pela cúpula do PR, que levou a presidente Dilma Rousseff a mandar concluir, ainda essa semana, uma faxina na pasta, mais um negócio em família no já conturbado ramo veio à tona nesta terça-feira. A empreiteira do irmão do superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Mato Grosso fechou contratos de 26 milhões de reais com o órgão, nos últimos dois anos, para obras em rodovias federais que cortam o estado, informa reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
"Homem de confiança do diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot - que está oficialmente de férias mas não voltará ao cargo por determinação da presidente Dilma Rousseff - Nilton de Brito foi nomeado para o cargo em 2010, depois de ocupar outros postos no órgão, em Brasília. Ele é irmão de Milton de Brito, dono da construtora Engeponte.
"Contratos - A Engeponte foi contratada por 10 milhões de reais para construir quatro pontes na rodovia BR-158. Na época, Nilton era coordenador-geral de desenvolvimento de projetos da direção-geral do Dnit, em Brasília. A empresa recebeu 9 milhões entre 2010 e 2011. No ano passado, quando Nilton já ocupava a superintendência do Dnite em Mato Grosso, a empresa montou consórcio e assinou novo contrato de 41 milhões com o órgão para pavimentação de 48 quiômetros da rodovia BR-242. Pelas regras do consórcio do qual a Engeponte faz parte, ela ficará com 40% do valor do contrato - 16 milhões. Os dois contratos foram assinados após licitação.
"Em entrevista à Folha, o empresário, Milton de Brito, dono da Engeponte, negou favorecimento e disse que pediu ao irmão para deixar a superintendência do Dnit.
"Na semana passada, surgiu um outro negócio familiar: o diretor-geral interino do Dnit, José Henrique Coelho Sadok de Sá, deixou o cargo após a revelação de que a construtora Araújo, que pertence à mulher dele, fechou contratos de R$ 18 milhões para obras de rodovias em Roraima. 
"Limpeza - Nesta segunda-feira, Dilma orientou o ministro dos Transportes,Paulo Passos, a concluir logo a limpeza na pasta - o que inclui o afastamento do petista Hilderaldo Luiz Caron, diretor de Infraestrutura Rodoviária do Dnit, e de Felipe Sanches, presidente interino da Valec.
"Edição de VEJA desta semana revela que, em conversas com correligionários antes de seu depoimento ao Congresso, Pagot apontou que Caron se empenhava pessoalmente para viabilizar alguns "estranhos reajustes" no preço de obras.
"Regras - Também nesta segunda, Dilma desistiu de nomear o contador e administrador Augusto César Carvalho Barbosa de Souza antes mesmo que ele assumisse o comando da Diretoria Administração e Finanças do Dnit. Barbosa de Souza havia sido indicado pela própria presidente para o cargo - Dilma chegou, inclusive, a enviar o nome do contador para análise no Senado. Em ofício publicado no Diário Oficial da União (DOU) nesta segunda, porém, a presidente pediu ao Senado a retirada de pauta do nome de Souza. Outra resolução publicada no DOU muda as regras para a escolha do diretor-geral do Dnit.
As novas regras permitem que o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, indique um servidor com perfil técnico para ocupar a diretoria-geral do órgão interinamente no caso de o cargo ficar vago. Na prática, o texto permite que o Planalto escolha um novo ocupante para o posto de Luiz Pagot e impeça que ele tenha que ficar no cargo até que o futuro diretor-geral seja sabatinado pelo Senado."

Quem manda mais?

A descoberta de que o PR privatizara o Ministério dos Transportes, a fim de faturar politicamente com uma das pastas mais irrigadas de recursos no Governo federal, tornou-se um problema tamanho, que já começa a corroer as relações dentro do Palácio do Planalto.
Enquanto a presidente Dilma e as ministras Gleisi Hoffman e Ideli Salvatti entoam o coro de que Luiz Antônio Pagot não voltará ao comando do DNIT tão logo retorne das férias, do outro lado está o ministro Gilberto Carvalho tentando negociar a permanência do afilhado do senador Blairo Maggi, a fim de segurar o petista Hideraldo Caron numa das diretorias da autarquia.
O PR já decretou: se Pagot sair, Hideraldo deve ir junto. Dilma, Gleisi e Ideli não parecem muito preocupadas em tirar um e outro, ou até mesmo pôr Pagot para fora e manter Hideraldo por enquanto. O que elas não querem, de forma alguma, é continuar com Pagot no cargo, algo em que Carvalho insiste. Assim, está criado o mal-estar entre os ministros, pois Dilma não parece ter o mesmo compromisso que Lula e seu avatar, Gilberto Carvalho, têm com o PR.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

E por si move

O jornalista espanhol Juan Arias, do diário El Pais, escreveu recente artigo perguntando por que o brasileiro não se indigna com as várias denúncias de corrupção no governo e sai às ruas para mostrar sua insatisfação. Há que se entender o que é o “brasileiro”, esse ente abstrato que reforça a tese da docilidade e da afabilidade, tão enganosamente difundida aqui e lá fora. Somos, no entendimento obtuso de Arias, uma espécie de João Bobo, daqueles bonecos da nossa infância que são espancados com força, mas continuam de pé e sorrindo.
O “brasileiro”, o “povo” – como os petistas de carteirinha gostam de encher a boca e falar –, não faz nada sem que lhe aticem os sentidos. Acontece com o carnaval e com a festa de São Firmino, em Pamplona, na Espanha natal de Arias. Isso quer dizer que não há jamais uma reação espontânea a coisa alguma, mas sim uma promovida por alguém ou por algum grupo. O pessoal que está saindo às ruas na Síria está sendo movido por alguém ou algum grupo, instigado para defender a posição contrária ao debilóide Bashar Al Assad. Da mesma maneira que o ditador põe na rua sua claque, que respalda o regime de força e ri da miséria nacional com a boca prenhe de espaços vazios.
No governo Collor, os caras-pintadas foram uma reação à estupidez e à arrogância do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor. Quando ele gritou o “não me deixem só” e pediu que fossem à rua lutar contra o “sindicato do golpe” vestido de verde e amarelo, pediu a uma população irada com a traulitada tomada da enlouquecida Zélia Cardoso de Mello que o apoiasse. Impossível. Quem em seu estado perfeito de sanidade poderia apoiar um mandatário que acabara de bloquear a poupança de famílias inteiras, dinheiro usado para a emergência e para o laser? Ainda não chegamos ao estágio das ditas hienas, que supostamente fazem sexo uma vez por ano, comem dejetos e vivem rindo.
Evidentemente que o PT galvanizou essa irritação, essa indignação a seu favor e turbinou o movimento de derrubada de Collor. Aliás, vamos ser justos: não foi somente o PT. Foi Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, grupos empresariais insatisfeitos com as loucuras do ex-presidente, políticos governistas oportunistas e uma gama de personagens da sociedade civil organizada. O resultado já se sabe de cor e salteado.
Quem resumiu bem foi James Carville, ex-assessor do presidente Bill Clinton: “É a economia, estúpido”. É a economia, Arias. Veja a Grécia, cuja população reage violentamente ao pacote imposto pelo FMI? Veja Portugal, que também vai às ruas para, entre outras coisas, protestar contra as finanças caóticas, o desemprego elevado e o rebaixamento por uma dessas consultorias ao nível “lixo” o ambiente de negócios do país. Veja a Itália, que teve de agir rápido para garantir à União Européia que sua economia é sólida, que seus bancos estão a salvo de ataques especulativos. Veja a Espanha, cuja população acampou na praça Puerta del Sol protestando contra o sistema representativo, depois de um catastrófico governo de José Luiz Zapatero no setor econômico.
O “povo” vai à rua quando seu bem-estar, seu poder de consumir, seu poder de poupar, seu poder de trabalhar, estão seriamente ameaçados. Do contrário, meu prezado Arias, todos continuam seguindo a vida, lamentando as denúncias de corrupção e pedindo a Deus para que um dia a luz chegue aos corações humanos. E isso não é privilégio dos brasileiros.

Creolina com sabão português

O Ministério dos Transportes é uma enorme tubulação de esgoto, daquelas que quanto mais se mexe, mais fede. Agora é o substituto de Luiz Antônio Pagot no comando do DNIT, José Henrique Sadok de Sá, a ser flagrado enriquecendo a firma de engenharia da mulher, que faturou nada menos que R$ 18 milhões em contratos justamente com o... DNIT. E tem ainda o caso de Frederico Augusto Dias, agente infiltrado por Valdemar Costa Neto na pasta para acompanhar os passos de tudo o que interessava aos caciques do PR. A desenvoltura de “Freddy”, como Frederico é conhecido, era tamanha que chegou a representar oficialmente o Ministério em algumas oportunidades.
Ou seja, na gestão do ex-presidente Lula e em parte no governo Dilma, o Partido da Rapinagem, ops!, República, simplesmente privatizou um Ministério em prol dos seus próprios interesses. E não adianta dizer que ninguém sabia disso. Adaptando o velho bordão de Jacinto de Thormes, magistral personagem de Maneco Müller – que dizia que “em sociedade tudo se sabe” –, “no ministério tudo se sabe”.
Representa dizer que o novo ministro, Paulo Sérgio Passos, tinha conhecimento da existência do aspone Freddy e das negociatas envolvendo a empresa da mulher de Sadok. Outro que provavelmente estava por dentro de tudo era o petista Hideraldo Caron, diretor de Infraestrutura do DNIT e responsável pelos aditamentos contratuais com as firmas que prestavam serviço à autarquia. E é com esses dois que a porca começa a torcer o rabo.
Quando a presidente Dilma escolheu Paulo Passos para o comando do Ministério, em substituição a Alfredo Nascimento, disse que aqui que se mais escândalos houvesse, eles subiriam rapidamente a rampa do Palácio do Planalto.  Fica difícil o novo ministro explicar que nada sabia sobre a atuação de Sadok e de Freddy. Primeiro, porque é integrante do PR e, segundo, porque foi secretário-executivo da pasta. Nesta função, para quem não conhece a engrenagem, está todo o controle da máquina ministerial.
Sobre Hideraldo, também fica complicado explicar que não tinha a menor idéia de que a Construtora Araújo assinara contratos com o DNIT. O petista está na autarquia desde 2003 e a empresa da mulher de Sadok desde 2006 é uma das prestadoras de serviço. Muitos desses acordos passaram pelas mãos de Hideraldo e têm sua assinatura. E como petista não percebia o que estava acontecendo sob suas barbas? Ou o Ministério também servia para que o PT enchesse a burra, como fazia o PR?
Não acredito que Dilma vá tirar Passos com menos de uma semana no cargo, mas tem que pedir a ele explicações bem detalhadas. Porque, agora, acontecerá o seguinte: as demissões e afastamentos não surtirão qualquer efeito. São simplesmente uma confissão tardia de culpa e a demonstração de que a pasta tinha sido privatizada. Tirar Sadok do cargo, como foi feito agora, e Hideraldo, como tudo indica que acontecerá, representa pouquíssimo. É necessário fazer uma faxina, derrubar todo o quadro do Ministério, que parece contaminado pelo menos até o terceiro escalão.
Dirão que não se pode parar a máquina. Pode parar, sim. Porque, quem sair, vai sair atirando. E aumentando o desgaste para o governo, que parece atarantado com o nível de contaminação de uma das suas principais pastas, aquela que está diretamente envolvida com o PAC e com megaprojetos, como a Copa do Mundo e a Olimpíada.
O Ministério dos Transportes virou um saco de caranguejos: quando se puxa o primeiro, outros quatro vêm juntos. Agora que o fio foi levantado, o momento é de trazer tudo para fora e dar um banho de creolina com sabão português.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Alguém aposta na cassação?

Do site da Câmara dos Deputados.
"A deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) desistiu do recurso feito à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) contra o pedido de cassação aprovado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar no começo de junho. O pedido de desistência foi protocolado no início da tarde no colegiado. O processo segue agora para votação no Plenário da Câmara.
"Após protocolar o pedido de desistência do recurso na CCJ, Jaqueline Roriz enviou uma carta ao presidente da Câmara,  Marco Maia, em que ela afirma ter interesse na “celeridade no andamento do processo”. Segundo a deputada, com a desistência ela busca evitar "novos e inevitáveis constrangimentos".
"O deputado Vilson Covatti (PP-RS), designado relator na CCJ, já havia emitido parecer ontem sugerindo o fim do processo de cassação. O argumento, apresentado desde o início da defesa da deputada, é de que as denúncias referem-se a fatos anteriores ao início do mandato na Câmara.
"Jaqueline e seu marido, Manoel Neto, foram filmados em 2006, quando ela era candidata a deputada distrital, recebendo dinheiro de Durval Barbosa, operador e delator do esquema de corrupção conhecido como 'mensalão do DEM'.
"A relatoria de Covatti na CCJ havia sido questionada pelo PSOL, já que o deputado, que também integra o Conselho de Ética, já havia votado em favor de Jaqueline Roriz. O parecer pela cassação de Jaqueline foi aprovado no Conselho de Ética por 11 votos favoráveis e 3 contrários, um de Covatti. O questionamento estava sendo analisado por Marco Maia."
Estará chegando ao fim uma das grandes dinastias políticas do País, que, como toda dinastia, se envolveu nos mais rumorosos casos de corrupção de que se tem notícia? O pai, Joaquim, foi abatido ano passado pela Lei da Ficha Limpa e tentou inventar a mulher, a bisonha Weslian, como candidata. A distrital recém-eleita Liliane não tem estofo para segurar o estandarte dos Roriz e tentar voos mais altos. O ex-governador Rogério Rosso, que deu apoio a Joaquim e depois Weslian, trocou o PMDB pelo PSD de Gilberto Kassab, partido que não tem rosto definido mas que sente-se atraído pelo governismo petista. Celina Leão, ex-chefe de gabinete de Jaqueline, encontra-se na mesma posição de Liliane, embora apresente mais combatividade justamente porque não leva o sobrenome Roriz.
Apenas enumerei esses problemas envolvendo a família que, um dia, acreditou que poderia fazer de Brasília uma continuação de Luziânia. Mas não quis dizer que acabaram. Se Jaqueline evitou que impetrar mais um recurso é porque, no plenário, tudo pode acontecer. Há uma malta de parlamentares que tentam se segurar o mais possível nos mandatos, como forma de não responderem por crimes cometidos antes do mandato. Embora o presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo, tenha observado que cada caso e um caso, a porteira estará aberta. E é justamente nesse corporativismo que Jaqueline está apostando.
O outro lado dessa moeda é que a base aliada do governo federal conta com PT e PMDB, partidos que estão no poder no Distrito Federal. Agnelo Queiroz é petista, Tadeu Filippelli é peemedebista. A eles não interessa qualquer sopro de ressurreição dos Roriz. Não demora muito, 2014 está aí e evidentemente que a chapa vitoriosa ano passado vai querer a reeleição. E 2018 a coisa pode se inverter, com o PMDB na cabeça e o PT dando o vice mas isso está longe demais. Sem contar que, em 2012, haverá eleições municipais e o GDF tem interesse em fazer no Entorno uma boa quantidade de prefeituras, diminuindo a influência dos Roriz.
Apostar no plenário é um jogo arriscado para Jaqueline, mas certamente ela sabe o que está fazendo. E isso deveria preocupar aqueles que querem vê-la cassada.

Ora, tornem-se governistas

Quando a oposição afirma que vai endurecer o jogo no segundo semestre, causa-me, como diria Nelson Rodrigues, frouxos de riso. Tal afirmação é bem própria de quem não tem discurso, não tem projeto e não tem perspectiva. Se depender da oposição, o governo Dilma pode ficar tranquilo, pois nada provoca tanto estrago quanto a base aliada.
Não foi uma denúncia do DEM ou do PSDB que abriu a crise que se abateu sobre o Ministério dos Transportes, como de resto não foi de qualquer partido da oposição qualquer das crises enfrentadas por Dilma até agora. O fogo amigo tem sido o pior adversário do Palácio do Planalto, disparado por grupos de insatisfeitos. Todos eles estão plenamente identificados, porém, como fazem parte da base aliada, fica difícil mandá-los plantar batatas.
Quem vazou denúncias de uso errado de diárias de viagem pela ministra Ana de Hollanda (Cultura) foram setores do PT interessados na sua vaga. Da mesma forma que as conexões de Antonio Palocci, as peraltices de Pedro Novais e as armações de Alfredo Nascimento saíram das hostes petistas e peemedebistas. Esses mesmos partidos que, dias atrás, celebraram com um enorme bolo o casamento de conveniência que já ultrapassa dois pares de anos. E vão continuar se esfaqueando pelas costas por ainda mais tempo, até que o PMDB vire a casaca porque a oposição tem um candidato capaz de se opor à máquina governista azeitada pelo PT.
DEM e PSDB, os dois principais partidos adversários do governo – não incluo nessa conta PPS ou PSOL, que não têm a mesma capilaridade –, vêm de erro em erro desde que não conseguiram derrubar Lula, no escândalo do mensalão. Ali perderam a chance de pavimentar a volta ao poder quando fecharam um pacto de não-agressão em favor de uma suposta governabilidade. O PT, alquebrado pelo monte de provas que se avolumavam na CPI, apelou para a falácia do vácuo de poder, algo que, em tese, não seria do interesse de ninguém.
Naqueles dias, pensava-se que o PT estava pensando no Brasil, assim como democratas e tucanos acreditavam estar agindo com um desprendimento que lhe renderia votos na disputa eleitoral de 2006. Nem uma coisa, nem outra. O governo Lula entregou algumas cabeças, recobrou o fôlego e veio com tudo para a reeleição. Já DEM e PSDB jogaram as fichas em Geraldo “Picolé de Chuchu” Alkmin, que entrou na corrida para ser cristianizado e conseguiu ir para o segundo turno pela falta de méritos dele e do seu oponente. Ganhou quem tinha o discurso menos pior.
No segundo mandato, teve até oposicionista fazendo juras de amor ao presidente reeleito – caso de Eduardo Paes, que abandonara o PSDB e entrara no PMDB para poder utilizar a máquina de Sérgio Cabral Filho e se eleger prefeito do Rio de Janeiro. Esse foi o caso mais eloquente, mas teve governador que todo o tempo contemporizou com o Palácio do Planalto em busca da própria sobrevivência. Seu nome: Aécio Neves, eleito senador e considerado um dos mais civilizados (leia-se dóceis) adversários do governo.
Nem mesmo José Serra conseguiu rugir de forma que assustasse Lula e sua gente. Na campanha eleitoral, chegou a colocar o presidente no próprio programa. Ora, ele não é oposição? E que oposição é essa que tenta pegar carona da imagem do homem? Algo, claro, vai mal nas hostes adversárias.
Assim, quando os líderes da oposição afirmam que o segundo semestre não será como aquele que passou, chega a ser engraçado, para não dizer ridículo. Fariam melhor se entrassem para a base governista e, de dentro, dessem início à campanha de desestabilização da presidente Dilma.

Carne de pescoço

No jantar da presidente Dilma com líderes aliados e ministros, ontem à noite, tirou-se uma constatação dramática, feita por um dos convivas: nunca se votou tanto no Congresso sem levar coisa alguma. Ou seja: aquela pressão que havia, no governo Lula e no de Fernando Henrique Cardoso, para que as coisas andassem no Legislativo mediante barganha política, não funcionou no primeiro semestre. Estarão mudando as relações do Palácio do Planalto com a base?
Se estão mudando, já não era sem tempo. Desde a época de Roberto Cardoso Alves, no longínquo governo Sarney, que deputados e senadores entoam cinicamente o trecho da oração de São Francisco de Assis – o “é dando que se recebe”. Dilma mostrou, nos últimos dias, que sua gestão não será leniente com a esperteza e a corrupção, desfazendo a quadrilha encastelada no Ministério dos Transportes desde que Alfredo Nascimento ascendeu à pasta, em 2003. E apagou, pelo menos em parte, a impressão de que se estava diante de uma presidente refém dos malfeitos e hesitante, quando do período da demissão de Antônio Palocci.
Mas esses não foram os únicos acenos de que Dilma parece desejosa de imprimir uma nova marca no seu governo. A colocação de Paulo Sérgio Passos no comando do Ministério dos Transportes, à revelia do PR – que pretendia manter as torneiras abertas e o trânsito de Valdemar Costa Neto intacto –, bem como o anúncio de que Luiz Pagot não retorna ao DNIT – para irritação do seu padrinho, o senador Blairo Maggi –, fizeram a presidente ganhar pontos preciosos com a opinião pública.
Não se pode atribuir tais ações às ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffman. Ainda que tenha havido a conversa a três, para juntas com Dilma chegarem à conclusão do melhor rumo a ser tomado, foi a presidente que deu a forma de intolerância com o malfeito de personagens que herdou do seu antecessor. Fosse em outras épocas, o PR teria conseguido emplacar a chantagem que chegou a ensaiar durante o processo de substituição da cúpula dos Transportes.
Outro aspecto interessante dessa nova postura foi o fato de o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ter vindo a público no exato instante em que Pagot insinuou que atendera algumas duas suas ordens. Bernardo, então ministro do Planejamento, deu uma dura resposta às indagações que a imprensa lhe fizera, deixando claro que não o levariam – e, por extensão, sua mulher, a ministra da Casa Civil – para o lamaçal dos corruptos. E ontem, depois que Pagot, emparedado, não disse nada que se pudesse aproveitar na audiência na Câmara, o ministro foi igualmente duro ao afirmar que “tinha certeza de que Pagot não mentiria”. Pela primeira vez, a chantagem é tratada com deve ser: com assertividade e sem eufemismos.
Claro que o segundo semestre não será um mar de rosas. Há vários assuntos de interesse do governo tramitando e para serem votados no Congresso. Mas é importante notar que, durante o recesso, haverá muitas conversas dos dois lados para reverem ou confirmarem posições. O recado que Dilma passou nos últimos dias não se resume ao PR; diz respeito também ao PT e ao PMDB, que têm maior poder de retaliação.
O aspecto positivo é que, pela primeira vez em muito tempo, os partidos estão diante de um interlocutor duro, que não está disposto a ceder à primeira exposição dos caninos.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Mais gente na roda

O Ministério dos Transportes tem tudo para continuar no noticiário durante o recesso parlamentar, que efetivamente deve começar amanhã, depois da maratona de votações desta noite na Câmara. O fato de Paulo Sérgio Passos ter assumido o comando da pasta ameniza um pouco a insatisfação do PR – afinal, horas antes de ser designado para a função pela presidente, já havia senador do partido, como Magno Malta (ES), defendendo que fosse feita a vontade de Dilma. O foco agora é Hideraldo Caron, petista de quatro costados, saído da base do partido no Rio Grande do Sul e que está na Diretoria de Infraestrutra Rodoviária do DNIT desde 2003.
Seu nome já havia aparecido antes no noticiário, mas foi reforçado ontem, no depoimento de Luiz Antônio Pagot no Senado. O ex ou atual diretor do DNIT (foi afastado, mas pediu férias e, portanto, sua situação só se resolve quando se reapresentar) ressaltou que o órgão é um colegiado e que os aditamentos contratuais para obras nas estradas passam diretamente pelas mãos de Hideraldo.
Isso quer dizer que o PR pode até ter montado uma quadrilha dentro do Ministério, mas de alguma forma o representante do PT sabia o que se passava. E pode ser que não ficasse somente no conhecimento, na tolerância: pode ser que participasse. Mesmo porque, Hideraldo tem mancha no currículo, ao ter sido citado no relatório da Operação Castelo de Areia, desfechada pela Polícia Federal, em 2009. A acusação é a de que supostamente teria recebido propina da empreiteira Camargo Correia.
Segundo os relatórios da operação policial, um manuscrito sugere que Hideraldo e Luiz Munhoz Prosel Júnior, também do DNIT, teriam recebido propina de de R$ 74 mil após o acréscimo de R$ 80 milhões nas obras da rodovia BR-101 no Nordeste.
O petista também aparece num diálogo gravado pelos federais, dessa vez relacionado à BR-402. Na conversa, o dono da notória construtora Gautama, Zuleido Veras, o aponta como responsável pela liberação de uma pavimentação asfáltica do interesse da máfia das obras. O empreiteiro teria relatado a um representante do governo do Maranhão a atuação "fundamental" de Hideraldo na aprovação da obra. O petista, porém, sustentou que não fez qualquer pressão ou ameaça aos colegas de diretoria para acelerar a aprovação do convênio.
Ou seja: com a vinda de um petista para a roda de escândalos do Ministério dos Transportes, é previsível que neste final de semana possa vir algo pela Veja, que desencadeou a derrubada da quadrilha que atuava na pasta. Quanto mais não seja, poderiam requentar a trajetória de Hideraldo e suas manchas no currículo. Algo bem do interesse do PR, pois mostraria que PT participava da bandalheira – por ação ou por omissão.

Mais gente na roda

O Ministério dos Transportes tem tudo para continuar no noticiário durante o recesso parlamentar, que efetivamente deve começar amanhã, depois da maratona de votações desta noite na Câmara. O fato de Paulo Sérgio Passos ter assumido o comando da pasta ameniza um pouco a insatisfação do PR – afinal, horas antes de ser designado para a função pela presidente, já havia senador do partido, como Magno Malta (ES), defendendo que a pasta fosse feita a vontade de Dilma. O foco agora é Hideraldo Caron, petista de quatro costados, saído da base do partido no Rio Grande do Sul e que está na Diretoria de Infraestrutra Rodoviária do DNIT desde 2003.
Seu nome já havia aparecido antes no noticiário, mas foi reforçado ontem, no depoimento de Luiz Antônio Pagot no Senado. O ex ou atual diretor do DNIT (foi afastado, mas pediu férias e, portanto, sua situação só se resolve quando se reapresentar) ressaltou que o órgão é um colegiado e que os aditamentos contratuais para obras nas estradas brasileiras passam diretamente pelas mãos de Hideraldo.
Isso quer dizer que o PR pode até ter montado uma quadrilha dentro do Ministério, mas de alguma forma o representante do PT sabia o que se passava. E pode ser que não ficasse somente no conhecimento, na tolerância: pode ser que participasse. Mesmo porque, Hideraldo tem mancha no currículo, ao ter sido citado no relatório da Operação Castelo de Areia, desfechada pela Polícia Federal, em 2009. A acusação é a de que supostamente teria recebido propina da empreiteira Camargo Correia.
Segundo os relatórios da operação policial, um manuscrito sugere que Hideraldo e Luiz Munhoz Prosel Júnior, também do DNIT, teriam recebido propina de de R$ 74 mil após o acréscimo de R$ 80 milhões nas obras da rodovia BR-101 no Nordeste. O petista também aparece num diálogo gravado pelos federais.
Na conversa, o dono da notória construtora Gautama, Zuleido Veras, o aponta como o responsável pela liberação de uma obra do interesse da máfia das obras. O empreiteiro teria relatado a um representante do governo do Maranhão a atuação "fundamental" de Hideraldo na aprovação de uma pavimentação em uma rodovia daquele Estado. O petista, porém, sustentou que não fez qualquer pressão ou ameaça aos colegas de diretoria para acelerar a aprovação do convênio.
Ou seja: com a vinda de um petista para a roda de escândalos do Ministério dos Transportes, é previsível que neste final de semana possa vir algo pela Veja, que desencadeou a derrubada da quadrilha que atuava na pasta. Quanto mais não seja, poderiam requentar a trajetória de Hideraldo e suas manchas no currículo. Algo bem do interesse do PR, pois mostraria que PT participava da bandalheira – por ação ou por omissão.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tristes trópicos

Ao assumir o Ministério dos Transportes, ontem à tarde, Paulo Sérgio Passos não disse nada de impressionante. Foi protocolar ao afirmar que pretende rever contratos e que, dependendo da faxina que pretende promover, vai demitir um monte de gente. A primeira parte eu até acredito, mas a segunda, não. Seria mexer num vespeiro, já que, pelo tanto de tempo que ficou à frente da pasta, o PR pode infiltrar todos os seus apadrinhados a fim de que mapeassem os caminhos do partido dentro do Ministério.
Mesmo porque, algumas promessas se extinguem no exato momento em que são feitas, já que não aparecerá viva alma para cobrar a execução delas depois. Portanto, ninguém saberá se Passos está falando ou não a verdade. E isso, definitivamente, é péssimo.
Um dos grandes problemas da vida pública é o descompromisso. O Brasil é um país que se acostumou a ver as pessoas assumirem, apenas da boca para fora, algumas das posições que adotam. Não se pode, porém, cometer a injustiça de dizer que isso é coisa recente: tornou-se lamentavelmente um traço da alma política nacional. Quem sabe até mesmo um traço do caráter nacional, o que é infinitamente pior.
Olhando essa má tendência, atribui-se a ela o fato de ser resultado da impunidade, por si só uma distorção social. Quem pode se escuda em leis elaboradas exatamente com esse sentido, o de proteger os malfeitos de quem pode fazer mal. Para piorar essa situação, há uma série de juristas que simplesmente compram o pacote fechado – são os chamados legalistas. Debatem, sim, a validade do dispositivo, porém não dão um único passo para que seja revisto ou, na melhor das hipóteses, derrubado.
Caso evidente pode ser o da Lei da Ficha Limpa. Chegou-se a um empate em 5 a 5 no Supremo Tribunal Federal, que ficou para ser desempatado pelo novo ministro. Luiz Fux sentou-se na cadeira e deu um banho de água fria na sociedade, que pensava, já na eleição passada, ter-se livrado de uma raça de gente que insiste em sobreviver politicamente. Insiste, aliás, porque sabe como fazê-lo.
Assim, um sopro de moralidade é massacrado pelo palavrório difícil dos ministros do Supremo, escudados na ciência imperfeita que são as leis e tratados. O que isso quer dizer: que a sociedade, mais uma vez, fica a reboque e boquiaberta com o chão que lhe tiram dos pés. Detalhe: tudo isso com todo o arcabouço jurídico montado para justificar tal decisão.
Enfim, o ministro pode prometer, mentir, fazer e falar o que quiser que está tudo bem, que nada será cobrado, tampouco será execrado por aquilo que não fez. Não se pretende que a sociedade volte à Idade Média, aos tempos da tortura na roda, dos festivais da morte em praça pública. Mas o descompromisso e o cinismo de palavras sem qualquer sentido já incomodam mais do que a medida do bom-senso.

Na descida do altar

A presidente Dilma parece ter resolvido tomar o governo nas mãos, depois da série de absurdos que viu acontecer sob suas olheiras, no final de junho e começo de julho. No mesmo dia em que efetivou Paulo Sérgio Passos no comando do Ministério dos Transportes, mandou o BNDES sair da enrascada que era a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour. A despeito de vários agentes do governo afirmarem que, a longo prazo, seria o cidadão-contribuinte-eleitor o grande beneficiado – um dos que garantiram esse disparate foi o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) -, a curto os efeitos se mostraram desastrosos.
Primeiramente porque ninguém entendeu porque o BNDESPar entrou nessa parada, já que em negócio entre duas entidades privadas, ele não tinha nada que meter a colher. Ou entrar com ela. As críticas choveram de todos os lados e o presidente do banco, Luciano Coutinho, deu explicações no mínimo pífias para justificar a presença no negócio. Não foi apenas a opinião quem estrilou: da base aliada do governo no Congresso vieram análises no mínimo desconfortáveis sobre a presença estatal numa transação particular.
Dilma pode não ser política, mas sabe fazer conta. E percebeu que Carrefour e Pão de Açúcar ficariam com o bônus e a União com o ônus. Agora mesmo, em Paris, o sócio de Abílio Diniz no GPA, o grupo francês Casino - concorrente do Carrefour na terra de Carla Bruni – disse um sonoro não à proposta do brasileiro. O empresário ficou sozinho na reunião de acionistas, mas diz que vai “continuar tentando” para o negócio ser fechado. Ora, se nem os sócios se entendem sobre a conveniência da junção, não vai ser o governo quer vai entrar de financiador em algo assim.
Alguns trechos do comunicado emitido depois da reunião, na sede do Casino, são devastadores e maculam a imagem de Abílio como um empresário de sucesso. "O projeto de operação financeira transmitido por Gama (a empresa criada para viabilizar a fusão) é contrária ao interesse do GPA e do conjunto dos acionistas" (...) “(a proposta é fruto de) uma visão errada da estratégia do GPA". E finaliza sentenciando que "uma participação minoritária no capital de Carrefour não corresponde a uma internacionalização adequada para o Pão de Açúcar, que deve ter o domínio de tal desenvolvimento".
A decisão do Casino somente endossa aquilo que a presidente já havia decidido em relação à participação do BNDESPar. Porém, esse caso não pode ser encerrado sem que se saiba exatamente por que o banco ia roer o osso e as duas redes de supermercado ficariam com o filé nessa negociação. Não é de hoje que o BNDES é acusado de empatar dinheiro bom em negócios ruins, de ceder a pressões políticas para ficar com a parte podre. E nesse caso específico, o mercado de varejo de supermercados ficaria extremamente desfavorável ao consumidor.
Claro, pois as duas megarredes controlariam quase 50% do setor. Entidades ligadas ao comércio de atacado foram unânimes em afirmar que o poder de barganha diminuiria e não apenas elas perderam. Na ponta final, na gôndola, o cidadão poderia perceber muito brevemente o tamanho do prejuízo que representou a fusão. Preços mais altos representam pressão inflacionária, cuja meta vem sendo recalculada sucessivamente. As projeções do mercado financeiro para 2011 saltaram de 6,15% para 6,31%; as de 2012, de 5,10% para 5,20%.
A leitura de todos esses fatores fizeram a presidente ordenar a saída do BNDESPar desse casamento de jacaré com tubarão.

Atração fatal

O sujeito separa-se da mulher e, por uma questão de manter a nova privacidade, pede a um amigo que lhe empreste o apartamento que mantém vazio, já que mora em outra cidade. Até aí, nada de mais, embora o mais correto seria alugar um imóvel para que pudesse reorganizar a vida. Mas o que dizer quando o sujeito que se separa é governador de estado e o dono do apartamento é banqueiro com negócios com o estado do dito governador?
Vamos aos nomes. Sérgio Cabral Filho e Guilherme Paes, um dos donos do banco BTG Pactual. Guilherme, para aumentar a embrulhada, é irmão do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Detalhe de tudo isso: dias atrás, Cabral lançou um código de conduta pública por conta de conexões intimíssimas com os empresários Fernando Cavendish e Eike Batista. Pelo jeito, o código serve apenas para a plebe ignara que compõe o funcionalismo do Estado do Rio.
Concordo que Cabral não poderia voltar a morar na casa dos pais, como fazem vários “divorciantes”. Seria ridículo morar no antigo quarto da adolescência. Mas o que o levou a pedir o apartamento do amigo banqueiro emprestado? Não poderia ter alugado um, de acordo com o status de governador de que desfruta hoje? Ou Cabral é seguro a tal ponto de barrar os interesses dos amigos banqueiros e empresários quando o que está em jogo é o interesse público?
E por que Cabral não foi morar na vistosa mansão de Angra dos Reis? De helicóptero, o trajeto para o Rio não leva nem meia hora. O governador, aliás, faria jus, por conta do ofício que desempenha, a cortar os céus do Rio às custas do cidadão-contribuinte-eleitor. Seria menos comprometedor do que a estada na casa do amigo banqueiro.
Cabral, porém, deve ter algumas das respostas na ponta da língua. A primeira: estava tão incomodado com a convivência com a ex-mulher que um processo de aluguel de apartamento, que realmente não é dos mais rápidos, apenas aumentaria o desgaste entre eles. Outra resposta pronta: a de que se soubessem quem era o governador quem estava buscando um apartamento para alugar, o preço poderia subir um pouco mais. Vou dar ainda uma terceira resposta: o medo do locador em alugar um imóvel para o governador, algo acontecer e haver o constrangimento de cobrar a obra ou reforma do ilustre inquilino.
Naturalmente que qualquer dessas saídas é pura conversa mole. Sobretudo porque muitos políticos nada têm em seus nomes, colocando nas costas dos laranjas algumas das suas propriedades. Não posso dizer que Cabral tenha bens em nomes de laranjas, mas certamente conhece o processo de ao menos ter ouvido falar. Poderia ter alugado um imóvel em nome de qualquer secretário da mais estreita intimidade e, enquanto isso, poderia continuar morando provisoriamente nas suítes dos palácios Guanabara ou Laranjeiras. Quanto a eventualmente ser cobrado pelo dono do imóvel no caso de uma obra ou reforma, tenho a mais absoluta certeza de que Cabral não se furtaria a arcar com a dívida.
Como se vê, um processo que os simples mortais resolvem com alguma tranqüilidade, pois que a eles não é dado um lugar no olimpo. O impressionante nessa história é a atração de Cabral pela polêmica e por críticas, num momento em que qualquer pessoa de bom-senso tentaria se preservar.

Bandeira branca

Não era tão difícil assim prever que Luiz Antônio Pagot nada falaria na audiência do Senado. E se nada falou no Senado, são grandes as chances de manter a mesma postura na Câmara, amanhã. E por que não falou? Porque o governo não engoliu os blefes do PR. Pela primeira vez, em muito tempo, se vê um presidente da República enfrentar um partido que quis colocá-lo contra a parede. Num passado não tão distante assim, Valdemar Costa Neto e seus agentes teriam ganhado a queda de braço.
Dilma mostrou que o pretenso jogo pesado do PR não funcionaria. Ela insistiu que ou Paulo Sérgio Passos assumiria o Ministério dos Transportes ou quem a legenda indicasse ficaria isolado na cúpula, sem poder fazer os auxiliares. O único erro da presidente foi não ter colocado essa corja para fora antes, pois, como devia obrigações ao ex-presidente Lula, decidiu mantê-la. Mas assim que pode e houve argumento, Dilma tocou-a pela porta dos fundos a vassouradas.
O senador Blairo Maggi não aceitou a vaga não somente porque tem telhado de vidro, negócios com o governo etc. Não aceitou porque ficaria como a Rainha da Inglaterra, ou seja, manda, mas não governa. Quem governaria seria Dilma e sua gente. A presidente, inclusive, mostrou que cansou de cozinhar o galo ao efetivar Paulo Passos como ministro. Sinalizou que o PR continuava à frente do Ministério dos Transportes, mas não seria o PR de Valdemar e Alfredo Nascimento - seria o “seu” PR. Agora, Paulinho – como a presidente o chama – pode fazer seus auxiliares, inclusive os novos presidentes do DNIT e da Valec.
O governo também agiu com velocidade quando o partido tentou trazer o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) para brigar na rua. No domingo, ele concedeu entrevista a’O Globo, mostrando que as insinuações que vinham fazendo Pagot, Blairo e o PR não passavam de blefe. Ou seja, respondeu rápido e enfaticamente e jogou no colo deles o ônus da prova.
Dessa ópera, o resumo é que Pagot chegou ao depoimento de hoje no Senado sem ter muito o que dizer. O pessoal da oposição até que tentou, mas ficou evidente pela exposição de motivos que fez antes de responder às perguntas dos senadores que a montanha iria parir um rato. O que o PR faz agora é recolher os cacos para não perder mais espaço.
Isso quer dizer o seguinte: o partido vai engolir em seco a colocação de Paulo Passos como ministro e, de cara alegre, considerá-lo “do partido”. Havia até mesmo alguns senadores – como Magno Malta (ES) – que já trabalhavam com essa hipótese, sinal de que o PR estava pronto para estender a bandeira branca. Dilma conseguiu o que queria: que Valdemar Costa Neto e sua gente tivessem a entrada vetada no prédio do Ministério.
O outro lado dessa moeda é o seguinte: se algo de errado acontecer durante a gestão de Paulinho, o escândalo subirá a rampa do Palácio do Planalto com uma velocidade impressionante.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Vanitas vanitatum

O governo Dilma insiste nessa bobagem de trem-bala só para poder dizer ao mundo que o Brasil está construindo uma infra-estrutura de transportes com vistas à Copa e à Olimpíada. Pretende empurrar a conta para o cidadão-contribuinte-eleitor ao bancar 80% do projeto, deixando para as empreiteiras 20% - e nem assim elas se interessaram. Isso por si só é estranho: como é que as grandes fazedoras de obras do País deram de ombros para um projeto dessa magnitude?
Fácil entender. Eles entrariam com R$ 6 bilhões, isso numa etapa inicial. O grande problema é que não pararia nessa cifra. Chegaria a mais que o dobro, uns R$ 14 bilhões. Sem contar o seguinte: o governo, como fazedor de obras, é porco; assim, partes do projeto ficariam emperradas, o que levaria a iniciativa privada a assumi-los para não perder o tanto que empurrou nesse saco sem fundo. De R$ 14 bilhões, para que as empreiteiras não ficassem no prejuízo de ter completado trecho de um projeto inacabado, essa conta subiria sabe-se lá para quanto.
E aí, amigos, quem é o doido que se arrisca a segurar um cálculo que sabe-se onde começa, mas não se sabe onde termina? E não adianta o ministro Guido Mantega, da Fazenda, jogar seu peso sobre os construtores, acusando-os de atuarem contra o Brasil. Esse patriotismo histriônico e extemporâneo não os comove. O que os empurra é entrar numa obra com um determinado orçamento e ir tocando o barco, com os aditamentos necessários. O governo já provou que é um sócio traiçoeiro. Melhor fazer a obra toda, obter o financiamento e depois explorá-la com contratos de concessão.
Aliás, quanto duraria o contrato de cencessão do trem-bala? Esse trambolho que pretende ligar o Rio a Campinas, para piorar ainda mais as condições de sua execução, ainda será vítima da visão curta e do provincianismo dos políticos. O governador Sérgio Cabral Filho batalha a inclusão de uma estação no meio do caminho e, como eles, vários pensam no mesmo. Ou seja, de bala esse trem não teria coisa alguma. Ou você imaginaria uma composição dessas saindo do Rio, parando em Itatiaia, depois em Queluz, em Lorena, em São José dos Campos, em São Paulo e depois em Campinas? Seria uma rematada estupidez e perderia a razão de ser do projeto: unir duas cidades, separadas por oito horas de carro, em apenas três.
Por muito menos, o Trem de Prata, que saía da Central do Brasil, morreu sem deixar viúvos. Sem contar que o lobby das empresas de ônibus que fazem a ligação Rio-São Paulo seria mais um empecilho ao projeto do trem-bala. Vale lembrar que uma delas, a Cometa, pertence à família de João Havelange, ex-presidente da Fifa. E que o bem localizado Ricardo Teixeira, seu ex-sogro, poderia jogar todo o peso da CBF para fazer o negócio sonhado por Dilma tornar-se um imenso mico.
Mas não termina aí a saga do trem-bala. E as empreiteiras que tomam conta das bem pavimentadas estradas do interior paulista, sem contar a Via Dutra, também ela já privatizada? Dirão que o trem de alta velocidade terá custos que limitarão seu uso a uma certa classe social. Bobagem: se não for relativamente barato, o projeto torna-se inviável. Para piorar, têm ainda as passagens aéreas, cujos custos são cada vez democráticos.
Ou seja, dei um rol de problemas e de adversários do trem-bala. Só quem o deseja é o governo federal, mais por vaidade do que por utilizade. 

Vejam só que injustiça

O senador Eunício Oliveira tentou explicar que não influiu para que sua empresa, a Manchester, obtivesse mais num contrato milionário com a Petrobras, conforme denunciou o jornal O Estado de São Paulo no final de semana. Alegou que está afastado do comando dos negócios da empresa desde 1998. E isso, realmente, tem imensa importância.
A situação de Eunício é semelhante à do filho do ex-ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. O menino é um gênio das finanças, pois conseguiu multiplicar o patrimônio de sua empresa em mais de 86 mil por cento. O fato de isso ter ocorrido durante a gestão do pai à frente de uma das pastas mais irrigadas do governo, certamente é uma dessas constrangedoras coincidências. Afinal, não foi Mozart que compôs a primeira obra com quatro anos de idade? Por que, então, o filho do ministro não pode ser um desses foras-de-série?
A Manchester evidentemente mostrou que é uma empresa capaz de fazer negócios longe da esfera de influência de seu dono. É de reconhecida competência, que, aliás, ofereceu o menor preço porque tem condições de executá-lo. Sobre a relação de concorrentes, que, segundo a reportagem, a empresa soube antes e com eles tentou fazer acordo, trata-se de uma denúncia sem sentido de uma firma (a Seebla) que não soube perder o certame.
Mas que Eunício e o diretor da área da Petrobras incumbido de realizar o processo nada sabiam, lá isso é a mais pura verdade.
O que me espanta é como esses homens são envolvidos em malfeitos sem que não tenham nada a ver com o pato. Trata-se de uma leviandade, é claro. O senador é um empresário competente, cujas conexões com o governo não passam pelo fato de que é casado com a filha do ex-embaixador do Brasil em Portugal, Paes de Andrade – também ex-presidente da Câmara dos Deputados. Também não tem nada a ver com o fato de que Eunício já foi presidente do PMDB no Ceará e é um dos principais caciques do partido. Menos ainda o fato de ter sido, quando deputado federal, vice-líder do partido. Tampouco ter ocupado a relatoria da área de infra-estrutura na Comissão Mista do Orçamento. Um império que passa longe de qualquer conexão política ou com governos.
O grande problema é que tornou-se pecado, no Brasil, ser parlamentar e empresário ao mesmo tempo. Paira sempre a suspeita de que o sujeito trafica influência, o que é uma rematada injustiça. Veja o também senador Blairo Maggi: teve a dignidade de não aceitar substituir o correligionário Alfredo Nascimento no Ministério dos Transportes. Claro, tem vários negócios no governo e seria extremamente antiético. Muito justo, muito correto. Seus negócios também não foram turbinados por suas conexões com o ex-presidente Lula, tampouco pelo fato de ter doado uma boa quantia para a campanha da presidente Dilma.
Está na hora de a imprensa brasileira ser mais responsável. Já derrubou um ministro – Antônio Palocci – pela mera suspeita de que enriqueceu vertiginosamente nos últimos meses, antes de assumir a Casa Civil de Dilma. Ele não fez absolutamente nada de errado e é muito correto que tenha mantido segredo sobre seus clientes, protegidos pela cláusula da confidencialidade.

PS – Claro que tudo isso é um deboche da minha parte e não acredito em uma única e escassa linha do que está escrito acima. Poderia ter sido escrito pela genial criação dos Cassetas, o Agamenon Mendes Pedreira. Mas existem alguns jornalistas aqui em Brasília, que de jornalistas não têm coisa alguma, que assinariam o texto acima endossando todas as palavras.

Na reta final

Era fácil prever que depois do Ministério dos Transportes, a bola da vez seria o do Turismo. O ministro Pedro Novais começou sua gestão com o pé esquerdo: primeiro, jogou na verba de gabinete gastos com farra num motel de São Luís e, mais recentemente, vem irrigando as festas de São João com dinheiro público. Longe de serem eventos culturais, na realidade essas quadrilhas (no bom sentido) servem muito mais para políticos locais se derramarem em proselitismo. O deputado aparece como benfeitor e embolsa os louros obtidos com o forró à custa da União.
A presidente começou a minar Novais de maneira habilidosa: colocou na Embratur o ex-deputado Flávio Dino, desafeto declarado do clã Sarney, ao qual o ministro do Turismo é ligado. A rigor, a autarquia é a única coisa importante do Ministério e está nas mãos do Palácio do Planalto. Pela pasta passará uma boa quantidade de verbas com vistas à Copa e à Olimpíada. E Dilma não é louca de deixar alguém no qual não tem a menor confiança, como Novais, administrando tamanha quantidade de recursos.
A presidente só não dispensa o ministro agora porque seriam crises demais ao mesmo tempo. Na escala de prioridades está a solução do Ministério dos Transportes: o senador Blairo Maggi não aceitou o convite e amanhã Luiz Antônio Pagot vai ao Senado prestar depoimento. Claro que vai ser indagado sobre a questão do DNIT, pois já disse que apenas cumpria ordens.
Aliás, está aí uma situação interessante. Blairo deu entrevista a’O Globo no qual, além de afirmar que não é advogado de defesa de Pagot, negou que ele tenha falado as coisas de maneira que soassem como recados ao governo. No entendimento do senador, seu afilhado disse apenas que, embora fosse diretor de uma das principais autarquias do Ministério, não decidia nada somente pela própria cabeça. No domingo, ao mesmo O Globo, o ministro Paulo Bernardo deu uma entrevista em tom duríssimo, na qual negou que tivesse feito qualquer pedido especial – digamos assim – a Pagot.
Daí porque acredito que a montanha vai parir um rato amanhã. Nos últimos dias, o PR fez circular várias versões de que Pagot iria abrir a boca, que seria um “homem-bomba” etc. e tal. Puro blefe. Por mais que seja verdade, o partido não tem interesse algum de detonar revelações comprometedoras contra quem quer que seja. Usará isso como moeda de troca, embora, como diga o ditado, cão que ladra não morde. No atual estágio da hipocrisia nacional, ninguém enfrenta seu adversário de peito aberto: vaza a informação que lhe interessa para algum veículo de grande circulação.
Além do mais, com a questão do mensalão surgindo no horizonte, o PR e o PT têm que se acertar, porque alguns dos seus integrantes nada ganham com o chumbo trocado. Valdemar Costa Neto está aí na iminência de renunciar mais uma vez ao mandato para forçar seu inquérito do mensalão a voltar para a primeira instância da Justiça. Os demais petistas envolvidos na história são pessoas das quais o Palácio tem mantido equidistância, inclusive José Genoíno, cuja nomeação passou a ser um problema exclusivo do ministro Nelson Jobim.
Assim, com o recesso parlamentar chegando na sexta-feira e todos preocupados em votar o Orçamento, o momento é de meditação para os envolvidos. Dilma não vai precipitar nenhuma limpeza nesse instante, para não colar uma crise na outra. O PR, por sua vez, está sendo instado a procurar alguém que o represente no Ministério dos Transportes, embora a presidente já tenha deixado claro que a futura administração não será como aquela que passou. No Turismo, o Palácio já conseguiu pôr uma cunha na porta que o atrapalhado Pedro Novais mantém aberta. Blairo se recolhe para os bastidores na tentativa de segurar Pagot, que mandou recados, mas não vai confirmá-los.
Ou seja, o primeiro semestre político termina com todos revendo suas posições para os próximos seis meses.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Peraí, Ellroy

O escritor americano James Ellroy acertou uma e errou outra, na Feira Literária de Paraty (Flip), no debate do qual participou. Na coluna do acerto está o fato de que qualquer idiota que tem hoje um blog se pensa escritor. Concordo em gênero, número e grau. O que tem de gente fazendo literatice, contando histórias que ninguém quer ouvir, experiências desnecessárias, não está no gibi. Geralmente são jovens, que não viveram coisa alguma da vida, mas acreditam que do alto dos seus 20 anos podem se equiparar a um Rimbaud, a um Thomas Hardy.
Fui jovem, fui pretensioso, mas nunca acreditei que aquilo que escrevi na flor da idade – para utilizar uma expressão que hoje poucos conhecem – ficaria como uma obra definitiva. Nem mesmo esses pensamentos que coloco aqui, no Potengi, tenho a impressão de que vão ficar. Amanhã ou depois, conhecendo como me conheço, posso achar tudo ridículo e me envergonhar profundamente do tempo que perdi escrevendo para ninguém.
Na coluna dos erros cometidos por Ellroy está no fato de que, ao dizer que nos Estados Unidos as pessoas ainda acreditam que o Brasil é um país de mulheres boazudas em trajes sumários, pouco trabalho, sol o ano inteiro e aquela alegria irritante que faz pensar que somos todos débeis-mentais, agrediu a tradição musical nacional ao citar a salsa como um ritmo nosso. E isso exatamente no dia em que morreu Billy Blanco, grande compositor, autor de maravilhas como Estatutos da Gafieira, A banca do distinto ou Tereza da Praia.
Prezado Ellroy: a salsa NÃO é um ritmo brasileiro. É cubano, portorriquenho... enfim, estamos a milhares de quilômetros da sua origem. Alguns dos seus expoentes são Miguelito Valdez, Willie “El Malo” Colon, Hector Lavoé, Tito Puente, Célia Cruz e outros que ou migraram para os EUA, ou nasceram em El Barrio, o Bronx latino de Nova York, ou ainda são da comunidade latina da Flórida. Para um escritor do peso de Ellroy, que teve de pesquisar as décadas de 30 e 40 para escrever Dália negra, com base num assassinato não esclarecido em Los Angeles, tal ignorância assusta.
E por que me irrito com o lapso de Ellroy? Porque não é incomum os americanos ainda dizerem que aqui é o Rio de Janeiro e a capital é Buenos Aires. Não sabem, ou fingem não saber, que é Brasil, capital Brasília. É como se chamássemos o presidente deles Obama Bin Laden e achássemos que Washington é somente a DC, do District of Columbia. Ignorância tem limite.
Fica parecendo que por mais que o Brasil avance na economia, que existam relatórios que sugiram o apoio dos EUA às nossas pretensões de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, somos eternamente equiparados a Bangladesh, ao Chade. E fico igualmente impressionado com a incapacidade do brasileiro em não reclamar de tais equívocos. Nessas horas, parece que nossa “alma gentil” se manifesta e silenciamos reverencialmente às batatas que nos são atiradas.
Ellroy é um escritor razoável, nada mais do que isso. Comparado a alguns daqueles que consolidaram a literatura americana de thriller, não tem vaga no clube. Dashiell Hammett, Patrícia Highsmith, Carson McCullers, Graham Greene, Raymond Chandler, ou roteiristas como Dalton Trumbo e Ring Lardner Jr., talvez se sentissem incomodados com a presença de Ellroy na sala. Admito que todos esses que citei ainda acreditassem que o Brasil era um país com cobras andando sobre o asfalto e índios dando flechadas naqueles que desembarcam no aeroporto. Afinal, há 40, 50 anos, éramos realmente uma imensa massa de terra ao sul do Equador, apesar de toda a nossa tradição cultural, desconhecida pelo Hemisfério Norte. O mundo era de uma ignorância brutal, pequeno e ainda respirando os últimos ares do colonialismo e do imperialismo.
Já faz pelo menos 20 anos que o Brasil entrou no mapa-múndi. E não foi pela janela da bizarrice.

A mesma coisa há mais de 20 anos

O Ricardo Teixeira que está aí, destilando importância na entrevista concedida à revista Piauí, já podia ser percebido em 1989. Cobri para O Globo a eleição da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que o elegeu por unanimidade, na sequência da desastrosa gestão de Octávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid. Depois de uma dupla de trapalhões, o então genro do presidente da FIFA, João Havelange, se credenciava como a pessoa certa para arrumar toda a bagunça reinante.
Já naquela época, a pele de Teixeira tinha a tonalidade Vermelho Johnnie Walker. Entendam como que quiserem essa relação que acabo de fazer. Era respaldado por supostamente todas as pessoas sérias dos clubes e das federações, essas mesmas que apóiam qualquer pessoa desde que regiamente remuneradas. Até o sinistro Eduardo Vianna, o Caixa D’água – incrível como se orgulhava do estranho apelido -, estava com Teixeira. E não era à toa: o diretor de Futebol da CBF, que se elegeu com o novo presidente, era ninguém menos que Eurico Miranda, então vice-presidente do Vasco da Gama e amigo do peito do Caixa.
Ninguém traz Eurico para perto de si sem que algo de muito estranho esteja por trás. Mas, naquela época, final de governo Sarney, com Lula anunciando que iria disputar sua primeira eleição presidencial e um certo governador de Alagoas fazendo saber a todo o Brasil que perseguia implacavelmente os marajás do seu Estado, imaginava-se que o País estava virando uma página cinzenta da sua história. Viu-se depois que a realidade matou a esperança a pauladas.
Uma das promessas de Teixeira era anunciar o técnico da seleção assim que tomasse posse, no começo de 1990, e que levaria o time à Copa da Itália. O então futuro presidente da CBF já havia externado em alto e bom som quem seria: Carlos Alberto Parreira. Parreira, então treinando um time qualquer do mundo árabe, não confirmava nem negava. Creio que acreditava que os xeiques iriam liberá-lo quando Teixeira assumisse. As negociações para isso, aliás, pareciam ir de vento em popa.
Parreira, porém, não veio e a resposta foi dada em cima da hora. O recém-eleito presidente da CBF, nessa época ainda num prédio de portaria apertada na Rua da Alfândega, no Centro do Rio, ficou de saia-justa. Promessa é dívida e a imprensa queria o nome do técnico da seleção na Copa.
Foi um corre-corre, porque, junto com o técnico, também seria anunciada uma lista de 22 jogadores, pré-convocados para o Mundial. Estava lá eu escoltado pelo veterano Jorge Areias, quase dois metros de um mulato educadíssimo. Eu era a impetuosidade, a juventude, e Areias a experiência, a tranquilidade. Deu tudo errado, porque, no meio da confusão, acrescentaram mais quatro nomes aos 22. Avisei a Areias, que, pelo jeito, esqueceu-se. O resultado é que Renato Maurício Prado, nosso chefe na época, deu-nos uma bronca de homéricas proporções. Aliás, isso tem outro nome: um puta esporro. Quase pagamos com nossos empregos.
Enfim, voltando à CBF, nada de o nome do técnico sair. Os veteranos nos corredores da entidade, como Baffinha, Israel Gympel, Cachorrão, Arthur Parahyba, Mário Silva, perceberam que aquela demora era porque algo estava errado. Começou o zum-zum-zum. Depois de alguma tensão, aparece Eurico que, com a cara mais deslavada do mundo, anuncia Sebastião Lazaroni técnico da seleção.
Os meses que se seguiram, com Lazaroni usando expressões que não tinha a menor ideia do que significavam – a ponto de a imprensa, jocosamente, colocar o nome nesse estranho dialeto de “lazaronês” -, mostraram que a CBF não mudara tanto assim. Continuava uma confusão dos diabos e com todos querendo tirar proveito desse reino em que ninguém se entendia.
O resultado disso vocês devem se lembrar: a seleção de 1990 foi um bando em campo, eliminada com justiça pela Argentina de Maradona e Caniggia. Teixeira sobreviveu aos mais variados vendavais, sobretudo a CPI da Bola, em que o notório Eurico – que sabe-se lá como foi eleito deputado federal, prometendo “defender os interesses do Vasco” - rasgou o relatório final na frente das câmeras e disse que apresentaria outro, um “alternativo”. Eurico, aliás, para o bem do futebol, desapareceu e levou junto sua figura esdrúxula e anti- higiênica.
Teixeira ainda não.

Mais uma decepção a caminho

A ex-ministra Marina Silva disse ontem, ao deixar o PV, que o momento é mais para ser “sonhática” do que “pragmática”. Tirando o trocadilho de péssima qualidade, seria interessante perguntar a ela o que pretende fazer com o capital de votos que amealhou na eleição presidencial passada, quando conseguiu atrapalhar a vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno. Porque não se justifica que não saiba que rumo vá tomar da vida.
Marina tem tudo para transformar a esperança de que seria um sopro benfazejo na política numa enorme decepção. A saída do partido sem que tenha decidido seu futuro a empurra nessa direção. Quem votou em Marina, ano passado, foi porque recusou veementemente aquilo que Dilma representava, que eram os oito polêmicos anos de Lula, ou a volta de um projeto indefinido, representado por Serra. Marina representou verdadeiramente uma terceira via, um compromisso diferente daquele que torna a hoje presidente e o ex-governador tucano mais parecidos do que imaginam.
Só que a ex-ministra prefere ser “sonhática”, seja lá o que isso represente. O Brasil, definitivamente, não precisa de sonhos. Precisa de gente com capacidade e isenção dfe torná-los realidade. Sonhar por sonhar é coisa de enredo de escola de samba, feito para durar o tempo exato de pouco mais de uma hora de desfile. De Marina espera-se muito mais do que sonhos; espera-se projetos.
Com essa saída espetaculosa do PV, num salto mortal sem rede de proteção embaixo, Marina assume uma decepcionante face aventureira. Briga feio contra um status político estabelecido desde que o Brasil foi descoberto, no qual personagens como ela têm sempre condição de fazer alguma diferença. Não fosse assim, não teria obtido uma bela votação. Sinal de que, na democracia capenga e corrupta do Brasil, os eleitores anseiam por pessoas de bem, diferentes, com programas distintos, que não façam parte da geléia geral que una a ponta da esquerda na direita.
Ela não entendeu o significado dos votos que recebeu. Se uma parte foi de protesto, daqueles que não queriam Dilma e tampouco Serra, a outra foi de pessoas que viram nela um compromisso diferente. Um compromisso com a sociedade, com a retidão, com a decência, com o desempenho, com o engrandecimento do País. Marina levou aqueles votos que, em 2002, foram para Lula, cansados que estavam de oito anos de Fernando Henrique Cardoso e de uma curriola que se imaginava na época que jamais voltaria. Pois o que subiu com Lula foi exatamente igual, senão pior.
O que a ex-ministra vai fazer em 2012? Nem ela sabe. E aqueles que pretendiam atrelar seus projetos políticos à imagem dela, para que na disputa municipal começassem a formar uma corrente que fizesse diferença? Marina relegou todos ao desamparo, ignorando que sua imagem não mais lhe pertence. O símbolo que representa era uma esperança para quem ainda acredita que é possível fazer política com ética.
Ficam todos no ar. O Brasil dispensa solenemente os que têm propostas, mas não têm meios de executá-las. Marina vai voltar a ser somente a voz da floresta, do conservacionismo? Pouquíssimo. Naturalmente que ela não era obrigada a continuar numa legenda que já começa a vestir o figurino do adesismo, mas, ao menos, poderia mostrar para todos que seguiria trilhando um caminho dentro da política que justificaria os milhares de votos que recebeu.
Se Marina tornar-se uma decepção, fica claro que somente os piores sobrevivem às corridas eleitorais. Não é a lei do mais forte, mas a lei do cão.