segunda-feira, 30 de maio de 2011

Dos perigos de se ouvir demais

Não foi sem certa surpresa que li, na primeira página de O Globo, sábado, que a discussão entre Michel Temer e Antônio Palocci tinha incluído até mesmo uma palavra chula, com a qual o vice teria pontuado o entrevero com o ministro. Achei estranho, porque Temer sempre me pareceu extremamente fleugmático para dar uma resposta atravessada dessas, conforme era relatado em uma coluna publicada somente naquele dia no jornal. Desde os tempos do massacre do Carandiru, quando Temer emergiu para o grande público como secretário de Segurança Pública de São Paulo e em meio a uma crise de tamanha magnitude, que vejo nele a personificação da frieza. Seja qual for o assunto, no contexto que vier, não se altera, mantém sempre o mesmo tom de voz, a mesma acentuação facial.
Pois bem: na primeira página do site d'O Globo de hoje está o veemente desmentido de Temer. Garantiu que jamais usou a palavra chula publicada na primeira página e na coluna da página 3. A afirmação do vice conta com o endosso de outro ministro, correligionário de PMDB, Moreira Franco. E para ultrapassar o mal-estar visível causado por uma informação equivocada, segue-se uma entrevista de respostas estranhamente lacônicas. Antes, porém, há uma enorme introdução sem muito sentido, na qual só se entra no desmentido propriamente dito mais para baixo do texto. Ou seja: se você chegou até ali, ficou sabendo exatamente a razão da entrevista.
Me fez lembrar outro colunista, que conheci bem de perto (e não se qualificava como colunista, dono de jornal - que era - ou coisa do gênero, mas simplesmente como "repórter"), cuja coluna certa vez adentrava a mansão de Nelson Rockefeller. Descrevia a escadaria do térreo para o primeiro andar como sendo uma obra de arte composta de vários tipos de mármore italiano. A riqueza de detalhes me espantou.
Depois que fui trabalhar com ele, e o conheci bem de perto - evito citar-lhe o nome para não dar tamanho prazer, sobretudo agora que está esquecido - , vi que a escadaria de Rockefeller e outros episódios não passavam de ficção. Numa palavra mais cruel: mentira. Diálogos inventados, descrições equivocadas, análises maldosas, previsões estranhas - tudo porque este jornalista, que fora grande um dia, não admitia o ostracismo; ou seu irmão ser lembrado e ele não. Seu jornal perdera totalmente a importância e fechou melancólicamente as portas em 2008, sem falir e deixando dezenas de estóicos funcionários na mais completa miséria. Este jornalista ainda ensaiou a farsa que de o jornal um dia voltaria. Virou somente um blog, como este aqui, tocado por um profissional que considero correto, já que o "repórter" fora vencido pela idade e por sérios problemas de família.
Disse tudo isso para observar o seguinte: se o vice-presidente da República usasse a expressão chula que usou, a primeira coisa que eu faria seria ligar para ele. Se eu que estou de longe e não conheço o Temer desconfiei, por que o colunista, macaco velho de Brasília e de desenvolto trânsito pelos gabinetes mais fechados do poder, não fez o mesmo? A menos que eu fosse testemunha ocular - e assim mesmo pedisse autorização para publicar o que presenciei -, algo dessa natureza eu não deixaria na boca da fonte. Ou confirmaria ou não publicaria, tamanho seu poder explosivo.
Não tenho a experiência e a desenvoltura do colunista, que pode até mesmo pegar briga com um deputado do Rio de Janeiro, na qual a troca de farpas vai além daquilo que estou habituado. Também não tenho espaço tão nobre, num jornal de tamanha importância. Se o fez sem ouvir o Temer, deve ter havido razão para tal. Digo somente que eu não faria assim, porque venho aprendendo a duras penas que não há ascensão que não possa se tornar queda. Teria, sim, sentado em cima da informação se não tivesse conseguido confirmar com o vice. E se ele me desmentisse, ligaria imediatamente para quem me relatou o episódio para cobrar-lhe explicação, pois se a experiência de vida nos ensina algo é não cair em algumas armadilhas.
É nessas horas que velhos ditados parecem sábios e inventados por alguém que sabe exatamente o que representam. Tal como aquele que diz que "prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém".

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O capitão enlouqueceu

Leio a Dora Kramer, no site do Estadão, e fico sabendo que terça-feira passada Palocci ligou para o vice Michel Temer para dar nele e no PMDB uma "chave de galão". Essa expressão bem carioca representa enquadrar, emparedar outra pessoa. Colocar-lhe a faca no peito, enfim.
Pelo telefone, Palocci transmitiu recado da presidente Dilma, dando conta de que todos os ministros do PMDB seriam demitidos caso o partido votasse contra o governo no Código Florestal. Temer, fleumático, respondeu que isso não seria preciso, pois no dia seguinte todos colocariam os cargos à disposição, independentemente do resultado da votação.
Ou seja: o ministro tratou o vice-presidente como um subordinado. Palocci ate desculpou-se depois, mas o estrago estava feito, sobretudo porque, na ameaçadora conversa, fora especialmente duro com Wagner Rossi, ministro da Agricutura, indicação pessoal de Temer. Um diálogo desses mostra que as coisas estão de cabeça para baixo no governo.
Primeiro porque Palocci está hierarquicamente abaixo de Temer e, se alguma conversa tivesse em nome de Dilma, os termos deveriam ser outros. O vice-presidente foi tratado como um subalterno, alguém do segundo escalão. Isso é impensável e Temer foi até brando no tratamento dado ao ministro, evitando colocá-lo no devido lugar e criar um problema difícil de ser contornado.
Segundo porque a interlocução, neste caso, é da presidente para o vice. Se Dilma não gosta de fazer política de varejo, está na hora de aprender. Existem coisas que somente ela pode fazer, como tratar com Temer a rebeldia do PMDB. Assim mesmo, num tom de voz aceitável, sem tapas na mesa.
Num momento em que Palocci precisa de todo apoio para manter-se respirando, um entrevero com o vice significa entrevero com o PMDB, que representa complicar ainda mais as coisas para o governo. Sobretudo porque a relação entre o partido e o da presidente, o PT, é tempestuosa.
Na minha visão, isso representa o seguinte: a defesa política do ministro está se tornando cara demais para o governo e pode ficar inviável se episódios como este se tornarem comuns.

País do deboche

No jornal da uma da tarde, foi mostrada reportagem de um grupo de soldados dançando o Hino Nacional em ritmo de funk. A introdução da música é feita, mas ali pelo terceiro verso entra aquele batuque eletrônico desprezível, próprio desse tipo de música de péssima qualidade. Fardados, começam a rebolar acompanhando o ritmo e levando um dos símbolos nacionais na galhofa. Detalhe: tudo feito dentro de uma unidade militar, no Rio Grande do Sul.
É fácil entender as razões da brincadeira e do descompromisso. O Brasil é pátria-mãe gentil somente no Hino que virou motivo de chacota. Dá pouco e cobra muito dos seus filhos. Não lhes dá segurança, saúde, educação e ainda por cima o achaca com uma carga tributária absurda, razão de críticas de todos os que têm bom-senso. O Brasil só se une na Copa do Mundo. Nem nas tragédias, pois, em 2009, em Santa Catarina, se viu gente roubando doações às vítimas da enchente que devastou parte do Estado. Aqueles que estavam incumbidos de distribuir os donativos escolhiam tênis, camisetas, bermudas e outros itens de vestuário como se estivessem num shopping.
Isso só acontece num país sem educação, sem civismo. Num país em que existe máfia de desvio de medicamentos que deviam ser distribuídos gratuitamente para a população necessitada. Num país em que se permite construir em encostas de morros e ainda se cobra IPTU por considerá-las áreas nobre. Num país que estimula a se fazer casas e barracos em cima de um lixão - e vem tudo abaixo na chuva mais forte. Num país em que filhos de um ex-presidente da República ganham, no apagar da luz do seu governo, passaportes diplomáticos, prometem devolver e não devolvem.
Num país em que a elite não dá exemplo. Ao contrário: explora, vilipendia, cobra, exige, humilha.
Esse é o Brasil, no qual um grupo de soldados vão servir á pátria sem terem a mínima noção do que signifique nação, país. Resumo do desprezo que o estado brasileiro devota às suas futuras gerações.
A mesma emissora exibiu, durante uma semana, reportagens sobre a situação da educação. Apesar das ilhas de excelência, bem se vê que o futuro, a depender da instrução que é dada aos meninos de hoje, está seriamente comprometido. As escolas formam milhares de analfabetos, por mais contraditório que isso possa parecer. Numa matéria, um menino já pré-adolescente escrevia algo que não sabia o que significava. Não sabia interpretar.
O que será dessa criança? Que tipo de cidadão virá daí? À medida que o país avança, vê-se uma quantidade maior de vagas a serem ocupadas por falta de pessoal qualificado. A tecnologia é um bicho indomável que engole gerações e mais gerações de brasileiros. Hoje, para uma tarefa modesta, se exige escolaridade de alguma qualidade.
Para piorar a situação, o Ministério da Educação ainda adota um livro didático em que se estimula o jovem a acreditar que existe uma língua culta e uma língua popular. Nesta segunda, você pode falar tranquilamente "os peixe", "a gente fomos", "nós sou", "os carro" que não estaria errado; simplesmente trataria-se de uma opção de expressão. Impressionante como a ignorância, a boçalidade, a tacanhez, a mediocridade e a miopia são estimuladas pelo estado.
Quer dizer: amanhã pode surgir também uma matemática culta, que permite que operações básicas de aritimética tornem-se diferentes daquelas consagradas. Tudo certo como dois e dois são cinco.
Esse é o Brasil, país do deboche, nação da galhofa. Você se incomodou com a dancinha dos soldados e com o Hino Nacional em formato funk? Não devia. É o resultado de um país deitado em berço esplêndido.

Reloginhos e relojões

Contei aqui, num post anterior, minha paixão por relógios. A coisa começou com uma viagem, ano passado, à Suíça. Quando voltei, com dois Tissots no pulso - o segundo comprei no freeshop de Munique, pouco antes de embarcar para Paris - por pura paúra de ser arrochado na Alfândega, quando aqui desembarcasse, comecei a olhar com mais carinho para essas máquinas espetaculares e que muita gente julga insignificantes.
É um erro. Um relógio automático, que funciona simplesmente com o uso, com o balanço do braço, é o mais próximo que se conhece de um moto perpétuo. Uma máquina de, uma vez colocada para funcionar, funciona por si mesma. Poderão dizer que, se tirado do braço, o relógio para. Sim, da mesma maneira que o moto perpétuo pararia se algo interrompesse seu funcionamento.
O relógio automático vem do final da década de 40, início da de 50, pelo menos oficialmente. Quem o inventou, sinceramente não sei dizer. Muitos reivindicam a paternidade e, no final das contas, parece ser o caso de que várias pessoas chegam ao mesmo resultado, ao mesmo tempo. Foram os japoneses que inventaram o relógio a quartzo, que os colocou na frente dos suíços em matéria de tecnologia e precisão. Tanto que grandes marcas suíças tiveram de se adaptar à nova regra, que sobretudo barateia custos.
A partir da minha volta ao Brasil comecei a me interessar pelo assunto. Não sou um especialista, sou apenas um fã e com algum conhecimento para saber que, mesmo no universo da relojoaria, há boas e más relações de custo-benefício. Há muito valor percebido que não justifica o que é cobrado, enquanto outros são extremamente subestimados, embora entreguem produtos de qualidade finíssima.
Naturalmente que grandes marcas serão sempre motivo de admiração e voltadas para poucos. Claro: a elas não interessa se tornarem populares, se fazerem comuns. Quanto mais exclusivas, maior valor agregado. Não se compra um Jaeger LeCoultre Amvox por menos de R$ 10 mil. Mas para quem já teve um nas mãos, o reconhece como obra de arte.
Começando pela JLC, são vários os grandes ateliêres. Quem está de fora credita à Rolex o status da exclusividade. Posso dizer sem medo de errar que trata-se apenas de mais uma das altas marcas. Existem algumas ainda mais exclusivas. A lista é relativamente pequena e, de cabeça, citaria as que me lembro, como a própria JLC, Patek Phillippe, Vacheron Constantin, Breguet, Blancpain, A. Lange & Sohne, Zenith, Officine Panerai, Girard-Peregaux, IWC, Glashütte Original, Omega e Audemars Piguet. Grandes grifes, como Piaget, Cartier, Bulgari, Louis Vuitton e Chanel, embora venham do mundo da moda, têm seus representantes no segmento AAAA dos relógios. Aliás, estão mais para este universo do que para produtos acessíveis ao mortal médio.
Se você que me está lendo chegou até aqui, deve estar perguntando se há algo "mais em conta", mas sem perder qualidade. Sim, há. Aí, depende daquilo que você deseja. Há marcas como Glycine, Bremont e Raymond Weil que oferecem produtos de primeira linha, embora não sejam das mais badaladas por aqui. Outras, como Breitling, Baume & Mercier, Graham ou TAG Heuer, são as prediletas entre aqueles que pretendem se destacar, em frequentar, em ser vistos. Popularizaram-se como da moda e pelo agressivo marketing que fazem, usando atores de primeira linha de Hollywood, como Andy Garcia ou Leonardo Di Caprio.
E tem algo ainda, digamos assim, mais barato? Tem, claro. Os Tissot são conhecidos por serem populares e extremamente honestos. Fazem relógios que considero bem distintos. Nessa gama colocaria os Oris, igualmente excelentes, ou os Hamilton, marca norte-americana que migrou para a Suíça. Têm os Christopher Ward, ingleses, pouco conhecidos por aqui. Ou os Movado, cujos modelos Tempomatic são queridos e respeitados.
O resumo dessa ópera é que nenhuma dessas peças é barata e eu concordo que, mesmo aquelas que em tese seriam marcas de entrada no universo da relojoaria, não podem ter qualquer preço. Japoneses e chineses inundam o andar de baixo com instrumentos de boa qualidade e confiáveis, jogando o preço no chão. Então, quem busca um relógio suíço, inglês ou alemão pretende algo num patamar acima.
É como uísque. Se você quer tomar um drinque descompromissado, um Johnnie Walker rótulo vermelho é uma boa pedida. Se você é um apreciador, vai em busca de um Dimple, um Consulate, um President ou algo ainda mais exclusivo. Mas se o negócio é tomar porre sem se preocupar em acordar com a cabeça inchada no dia seguinte, qualquer Royal Label serve.

O cerco se fecha contra Palocci

Está na manchete de todos os sites de hoje: "Ministério Público decide investigar Palocci". Isso definitivamente não é bom para o ministro. O MP tem uma tradição de seriedade e de independência e pode acabar chegando em questões delicadas para Palocci e para o governo Dilma. Vai correr em segredo de Justiça. Mais ou menos. A gente sabe que sempre acaba vazando alguma coisa. Afinal, o MP é um emérito "vazador" quando quer que seu investigado dê um passo em falso.
A prova de que o Ministério Público não deve dar moleza está nesse trecho da decisão de apurar a extraordinária evolução patrimonial de Palocci: "Não foram apresentadas publicamente justificativas que permitam aferir a compatibilidade dos serviços prestados com os vultosos valores recebidos." Ou seja, entre aquilo que a empresa do ministro, a Projeto, realizou para seus clientes e o que entrou no caixa da empresa há um hiato que precisa ser mais bem explicado.
Não se pode dizer que Palocci vá jogar a toalha ou que o governo vá desistir dele. Mas que o preço das coisas vai subir para o Palácio do Planalto, lá isso vai. Há todo um segundo escalão, estatais e outras autarquias que a presidente Dilma vem segurando para ou torná-las moeda de troca no momento mais adequado ou transformá-las em ilhas de excelência. Vai ter de conceder e deixar o plano de fazer do Estado brasileiro eficiente e profissional para outra hora.
O PMDB já mandou recado de que, para ajudar Palocci, derrubar o Código Florestal aprovado terça-feira e cuidar de outras questões de interesse do governo, vai ter um preço. O partido sente-se alijado do poder desde a montagem do ministério, quando teve o quinhão limitado a seis postos no primeiro escalão, alguns muito a contragosto. Está na hora, com a crise política subindo calmamente a rampa do Palácio do Planalto, de começar a cobrar pelo espaço não ocupado.
Isso, inclusive, foi uma das coisas que Lula disse a Dilma, quando por aqui esteve, na quarta-feira. Não se pode enfraquecer a interlocução com negativas e precondições. O ex-presidente mostrou a ela que o governo tem um poder limitado quando se trata de negociar com o Congresso, sobretudo com o negociador enfraquecido por suspeita de que traficou influência em favor de clientes privados. A presidente, que tem ojeriza a cuidar do varejinho que agrada tanto aos

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Onde caiu o parafuso

Desde garoto gosto de relógios. Meu velho, virava e mexia, aparecia com um novo no pulso. Geralmente eram os japoneses, trazidos pelo Miguelzinho Grumblatt, de quem comprava. Seikos eram comuns lá em casa, até que surgiram Citizens e Orients, as três grandes e principais marcas da terra dos terremotos.
Um dia o coroa apareceu com um GUB, da Alemanha Oriental. Morri de rir. Fundo azul, cafonérrimo, parecia ter saído da década de 60. Não sabia que GUB significava Glashütte Uhren Betrieb, mais ou menos União das Relojoeiras de Glashütte, cidade alemã com tradição secular no ramo. Ou seja: o velho teve um Union Glashütte ou um Glashütte Original, das maiores marcas da alta relojoaria, nas mãos e eu estava rindo porque era da Alemanha Oriental. Não sabia nada mesmo.
Ano passado, fui a Basiléia e havia me prometido que, da Suíça, traria um relógio. Até então tivera peças modestíssimas, exceto por um Jaeger LeCoultre do final da década de 40, que trato como meu maior xodó. Não apenas por ser do grande atelier, mas porque quem me deu era muito especial. Um dia conto essa história.
Depois de nove horas até Paris e mais uma e meia até o aeroporto de Basel-Mulhouse-Freiburg (explico: o complexo atende três cidades em países diferentes: Basiléia; Mulhouse, na França; e Freiburg, na Alemanha), e mais uns 30 minutos de táxi até dentro da cidade, finalmente Basiléia. Cheguei por volta das 14h30 e, apesar do cansaço e do frio intenso, bater perna era obrigatório. Dei meu alô ao Reno e segui rumo ao centro de Basiléia, cidade de pouca gente nas ruas e tráfego mínimo. E era dia de semana.
Depois de rodar, onde estarão os relógios? Joalherias. Meu susto foi grande: 2 mil, 3mil e muito mais em francos suíços por cada peça. Marcas famosas e outras nem tanto. Ia por água abaixo o sonho de trazer um bichinho desses.
De noite, depois do jantar, uma volta pelas cercanias do hotel. Poucas almas na rua gelada, mas isso não me intimidou. A sensação de segurança era absoluta. Na volta, uma vitrine iluminadíssima, sem grades, sem nada que pudesse afastar quem passava da vidraça. Um antiquário de... relógios! E com preços convidativos. A viagem estava salva.
Dia seguinte, depois de trabalhar, fui até o antiquário, que era bem próximo ao hotel. A conciérge de mais de 70 anos me indicou o botão certo do interfone do dono do antiquário. Era de um inglês, Terence Howell, radicado em Basiléia. O sujeito, alto, simpático e bem falante, me cumprimenta com efusão. Acho que depois de muito tempo ele tinha um freguês.
Junto à vitrine, descarto logo de cara uma fileira de Rolex. Estavam sem preço e não quis saber quanto eram. Certamente caros, pois Rolex é Rolex. Prestei atenção para não passar ridículo ao escolher um Patek Phillippe e não desmaiar com o preço. Terence pacientemente foi me mostrando o que tinha, até que cheguei num Tissot.
Tissot!? O cara vai a Basiléia e escolhe um Tissot!? Explico: primeiro, que a marca não era essa coqueluche atualmente; segundo, que fiquei com medo de queimar meus euros e ter algum problema no retorno ao Brasil. Cartão de crédito, imbecil! Não é bem assim, além do mais a máquina do Terence não funcionou. Justamente comigo. Mas há quanto tempo aquela máquina não via cartão?
Terence abriu o relógio, me mostrou a máquina (está lá bonitinho gravado na tampa traseira, por dentro: Tissot et Fils), puxou um catálogo e o localizou pela aparência. Fabricação ali pelo ano de 1961, 1962. O preço estava bom, decidi-me por ele.
Antes, porém, lancei o olho num cronógrafo Heuer, que me parecia da década de 50. O preço: mais de 2 mil francos suíços (que eram parelhos com o dólar; hoje...). Caríssimo. Por quê?
"Chronographs are another rank", disse-me Terence, que de forma subliminar me avisava que aquilo não era para meu bico. Tenho de admitir que os cronógrafos automáticos são, realmente, obras de arte.
Fiquei sabendo por Terence também que os suíços não admitem que um relógio de antiquário não esteja nas mesmas condições de um novo. Mais: que os colecionadores dificilmente compram relógios do Brasil por causa do estado de conservação e, em alguns casos, da maresia. Preconceito? Talvez. E que se eu quisesse comprar relógios antigos fora da Europa, que buscasse somente nos Estados Unidos, onde há um mercado pujante e com peças de qualidade.
Puxei da carteira as notas de euros novinhas. Ele brincou, dizendo que tinham sido feitas naquela manhã. Respondi-lhe brincando que os chineses faziam excelentes falsificações de Tissots da década de 60 para vender em antiquários na Suíça. Rimos. Apertamos as mãos.
Até qualquer dia.

Livros, livros e mais livros

No post anterior, falei sobre o livro de Nelson Motta sobre Tim Maia. Se derramei tantos elogios, foram insuficientes. Digo isso porque alguns livros que já comprei lendo apenas a sinopse são verdadeiros micos pretos. Chatíssimos, embora o assunto seja excelente. Mas a culpa é de quem o escreveu.
Aconteceu isso com Europa Saqueada, da historiadora Lynn Nicholas. O tema é fabuloso: o roubo de obras de arte pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial.
Impressionante como a narrativa de arrasta. Ah!, ela é historiadora, dirão alguns. Não sei se é isso. Acho que a pessoa, para escrever um livro (sobretudo um desses, que é um verdadeiro compêndio), deve ter na cabeça que se não tiver uma prosa que prenda, o leitor não chega ao final. Li livros "que ficavam de pé", como diria a mãe de Raquel de Queiroz, numa sentada só. Outros são duros de serem levados até o final.
Atualmente, estou lendo dois que não são exatamente fininhos. A biografia de Keith Richards, o sócio de Mick Jagger nos Rolling Stones, e um sobre entrevistas que um psiquiatra fez com os criminosos de guerra nazistas durante o julgamente de Nuremberg. Não há ninguém que discorde que tanto um quanto outro são de assuntos interessantes.
O de Richards, cujo título é simplesmente Vida, é ótimo. E olhe que estou na parte em que os Stones ainda estão taxiando rumo ao estrelato. Dá um panorama interessante dos tempos pré-Swinging London, quando os Yardbirds ainda não existiam totalmente, o Cream não era sequer projeto - Led Zeppelin e Deep Purple, nem pensar. Eram anos de formação de todas aquelas grandes bandas que viriam explodir no final dos anos 60. E, curiosamente, Richards nem é tão engraçado assim.
O outro livro, As Entrevistas de Nuremberg, é de Leon Goldensohn, que conviveu durante meses com os criminosos nazistas. É ruim, arrastado, monótono. Tudo bem que ele era psicólogo, não jornalista, e que não conseguiria arrancar muito daqueles caras que estavam fechados em copas e que, pouco depois, seriam em boa parte enforcados. Mas Goldensohn parece não saber por onde começar, mesmo sendo judeu, militar e já sabendo das atrocidades dos campos de concetração. Impressiona como aceita, sem contestar, a culpa que todos os criminosos jogam sobre Hitler, Himmler e Bormann. Impressiona também como tenha conversas longas com alguns deles (como Goering) e curtíssimas com outros (como Doenitz).
Não acredito que as conversas mais longas sejam porque os mais culpados tinham mais a dizer que os menos - o Doenitz ou Speer, quer também teve breve registro, escaparam da forca em Nuremberg. Acho que faltou assunto mesmo ou técnica para arrancar algo de figuras talvez monossilábicas.
O livro é um bom documento, mas fracassa quando se propõe a expor a alma daqueles criminosos. Queria saber mais sobre o roubo de obras de arte por Goering, a sucessão de Haydrich por Kaltenbrunner, a questão da Polônia por Hans Frank ou a campanha antissemita por Streicher. Para mim, ficou faltando.

De Tim Maia a Nelson Motta

Sou um leitor compulsivo. Dias atrás, devorei em três dias a biogafia de Tim Maia feita por Nelson Motta. Nelsinho (desculpe a intimidade) é um dos meus heróis no jornalismo e na intelectualidade. Desde o tempo do falecido programa Noites Cariocas, que apresentava com a Scarlet Moon numa emissora de pouca audiência - não sei dizer qual é; acho que era uma daquelas pré-CNT, no Rio -, o acompanho. E sei que, apesar de ser paulista de nascimento, é carioca de corpo e alma.
Aprendi expressões impagáveis durante as (excelentes) entrevistas que ele e Scarlet faziam. Era um talk show que não tinha nada a ver com os xaroposos Jô Soares e Marília Gabriela, que não admitem ceder espaço para os convidados - interrompem o raciocínio do entrevistado, filosofam no meio da conversa, desviam o assunto... enfim, uma chatice. Nelsinho e Scarlet brincavam, deixavam o cara falar, tiravam sarro, criticavam, mandavam recados... Um barato. Pena que, provavelmente, as entrevistas tenham desaparecido para sempre, apagadas para dar lugar a uma bobagem qualquer nas fitas de vídeo.
Lembro especialmente de uma entrevista com Sandro Solviatti, um louco completo, uma figuraça. Ele aparece na biografia de Tim como um guru de meia-tijela que o cantor encontrou em Londres. Para quem não sabe quem é Sandro, é o garçom que atende pelo nome de Prepúcio no filme Bar Esperança, de Hugo Carvana. Foi uma conversa de malucos, com Nelsinho e Scarlet entrando na onda do Sandrão - como era chamado. O cara tinha uma voz de lixa, de deixar Lemmy Kilmister morto de inveja. Só Deus sabe qual era a composição orgânica para aquela voz.
As expressões, ah! as expressões. Nelsinho certa vez, mandando um recado para alguém que não me lembro, disse olhando para a câmera.
"No tempo em que se vendia gente, você era troco!"
Sensacional!
Outra, brilhante, para definir um período de dificuldade:
"Roendo borda de penico."
Maravilhoso.
O livro de Nelsinho é engraçadíssimo, mesmo sendo Tim Maia uma figura peculiar, cheia de histórias e folclore. Mas se batesse nas mãos de alguém que não tivesse a mesma verve, o livro podia sair careta, cansativo. O bom de Nelsinho é que ele deu leveza a um personagem confuso, conturbado, duvidoso.
Já tinha lido antes o Noites Cariocas, que é tão gostoso quanto. Nelsinho agora enveredou pelo caminho da ficção. Não sei se ele é bom na coisa, não li. Mas se não for, ele pode voltar perfeitamente à realidade das histórias de vida, na qual sem dúvida é brilhante.

CHAMEM O SÍNDICO

O GOVERNO DILMA NÃO TEM ARTICULADORES POLÍTICOS. O MINISTRO LUIZ SÉRGIO NÃO PODE SER LEVADO A SÉRIO, POIS ESTÁ NO CARGO MAIS PARA ACALMAR O PT-RJ DO QUE POR SE INTENSO TRÂNSITO NA BANCADA GOVERNISTA. PALOCCI, ENFRAQUECIDO, VINHA TENDO POUCA AUTONOMIA NAS NEGOCIAÇÕES. DILMA ACREDITOU QUE A MELHOR MANEIRA DE LIDAR COM A BASE NO CONGRESSO ERA COLOCANDO NELA UMA PESADA CANGALHA. OU SEJA, ELA GUIARIA DEPUTADOS E SENADORES CONFORME SUAS CONVENIÊNCIAS E, UMA VEZ SENDO ATENDIDA, CONCEDERIA-LHES OS PEDIDOS. A COISA NÃO É BEM ASSIM.
QUER DIZER: NINGUÉM NO PALÁCIO DO PLANALTO CONVERSA COM A BASE. O VICE MICHEL TEMER NÃO RECEBEU AUTONOMIA PARA TAL E SUA INTERLOCUÇÃO É SOMENTE COM O PMDB, SEU PARTIDO. DILMA DEU A TAREFA PARA PALOCCI, MAS DESDE QUE SIGA SUAS REGRAS. O MINISTRO DA CASA CIVIL VAI ATÉ CERTO PONTO E COM O AVAL DE DILMA.
RESULTADO: GRAVEMENTE FERIDA NAS BATALHAS DA POLÍTICA, A ÚNICA PESSOA QUE CUIDAVA DA ARTICULAÇÃO TEVE DE SAIR DE CENA. QUEM OCUPA ESSE ESPAÇO? NO GOVERNO, NINGUÉM. CHAMEM O LULA, CHAMEM O SÍNDICO - COMO NA CANÇÃO W-BRASIL, EM QUE JORGE BENJOR GRITA POR TIM MAIA.

LULA REAPARECE PARA SALVAR O FUTURO

O PRESIDENTE LULA TEM SE EMPENHADO EM FAVOR DO MINISTRO ANTÔNIO PALOCCI PARA, ANTES DE MAIS NADA, SALVAR A SI MESMO. AFINAL, É O FIADOR DO TITULAR DA CASA CIVIL DO GOVERNO DILMA, INDICADO POR ELE À PUPILA NÃO APENAS POR ACREDITAR QUE PALOCCI É COMPETENTE, MAS PORQUE PROMOVE-LHE A RECUPERAÇÃO DA IMAGEM - AGASTADA DESDE O EPISÓDIO DO CASEIRO FRANCENILDO - E MANTÉM UMA CUNHA DENTRO DO PALÁCIO DO PLANALTO. LULA DESCEU A RAMPA EM JANEIRO PASSADO A CONTRAGOSTO E JÁ SE COLOCA COMO OPÇÃO PARA UM EVENTUAL FRACASSO DE DILMA.
SÓ QUE O FRACASSO DE DILMA NÃO PODE SER TÃO COMPLETO QUE A TERRA FIQUE ARRASADA. OU SEJA, A PRESIDENTE PODE ATÉ NÃO FAZER UMA BOA GESTÃO, CHEGAR SANGRANDO AO FINAL DO MANDATO. MAS NÃO PODE DEIXAR O TRABALHO PARA UMA EVENTUAL RETORNO DE LULA INVIÁVEL.
O EX-PRESIDENTE AGE DE FORMA MELÍFLUA: QUER O SUCESSO DA SUA EX-MINISTRA DA CASA CIVIL, MAS NÃO QUER MUITO. PARA QUEM ACALENTA O SONHO DE ESTAR DE VOLTA EM JANEIRO DE 2015, DILMA NÃO PODE SER UMA CAMPEÃ DE AUDIÊNCIA. MAS NÃO PODE SER UMA LÁSTIMA, A PONTO DE DAR MUSCULATURA À ENFRAQUECIDA OPOSIÇÃO.
ASSIM, LULA CORRE PARA PROTEGER A SIM MESMO E GARANTIR QUE, PARA ELE, HAJA ALGUM FUTURO.