segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A eficiência do grito

Muito se tem falado na reforma ministerial como panaceia para todos os males do governo Dilma. Coloco menos fichas nessa dança das cadeiras, que tem até mês marcado: fevereiro, depois da volta do Congresso. Acho que sairão, sim, alguns dos ministros atuais, como Fernando Haddad e Irini Lopes, porque vão disputar as prefeituras de São Paulo e Vitória, respectivamente; Mário Negromonte, porque perdeu a sustentação da bancada; e Carlos Lupi porque jamais foi figura do agrado da presidente (sem contar que contra ele já se avistam no horizonte as vagas de escândalos no Ministério do Trabalho, que podem engoli-lo antes de o carnaval chegar).
E quanto a Ana de Hollanda (Cultura), Isabella Teixeira (Meio Ambiente) e Tereza Campello (Desenvolvimento Social)? Eu iria com um pouco mais de calma nesse pano verde de apostas, já que tem muita gente chutando com as duas e com as quatro pernas sobre substituição das três. O que vejo é esse movimento marítimo da falta de notícia e do requentamento de velhas suspeitas, todas elas atendendo a alguém ou a algum grupo.
Acostumou-se no Brasil a acharem que governo bom é governo que se propagandeia. Isso se estende a ministros, secretários e todos aqueles que têm a certeza de que a mídia é uma espécie de massa corrida que disfarça as imperfeições da construção. Quanto mais o sujeito aparece, mais se fixa a ideia de que está trabalhando, fazendo algo, correndo atrás. Exemplos disso foram os governos Lula e José Roberto Arruda, no DF, que ganharam imenso espaço - no primeiro caso, pela obviedade de que qualquer coisa que o presidente da República diga deve ser registrado; no segundo, porque havia a complacência bem remunerada dos veículos de comunicação locais.
Venderam a imagem de gestores modernos, atuantes, que vão onde a ação se passa. Várias vezes Lula botou ministro debaixo do braço para defendê-lo das pesadas acusações que a imprensa fazia. Nesse cabo de guerra com jornais e revistas, acabava sempre ganhando, já que era parte do discurso a satanização dos meios de comunicação, responsáveis por uma suposta (e somente por ele enxergada) tentativa de desestabilizá-lo.
Assim, Lula jamais desceu do palanque e deu sempre a impressão de que estava disputando eleição e trabalhando, ao mesmo tempo. Com Arruda deu-se o mesmo fenômeno, inaugurando obras sem qualquer importância, participando de eventos duvidosos, apresentando plano que ou já tinha saído ou ainda custaria muito a deixar o papel. Enquanto não foi arrastado pela Caixa de Pandora, isso funcionou imensamente, a ponto de ele estar diante de duas excelentes hipóteses de futuro político: concorrer à reeleição ou sair como vice na chapa presidencial de José Serra.
Assim, fica para muitos a imagem de que gestor competente e operante é aquele que está sempre em evidência. Claro que discrição demais prejudica e ajuda a turbinar as críticas, mas parte da imprensa ainda não consegue conectar silêncio à eficiência. Está acostumada a histrionismo, ao populismo, ao discurso verborrágico, ao palanque, à frase de efeito.
Uma tradição que vem do grito de independência de Dom Pedro I, ao erguer a espada às margens do Ipiranga e exortar que aqueles que fossem brasileiros o seguissem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Uma bandinha meia-boca bem legal

Sempre achei o Bachman-Turner Overdrive uma bandinha meia-boca. Dois gordões que não são grande coisa como músicos, vindos do Canadá, com um jeitão reacionário de caminhoneiros - dizia-se que tinham ligação com a estrada por causa do símbolo do grupo, uma engrenagem -, e outros dois músicos somente medianos formaram um quarteto bem-sucedido. E que por aqui fez imenso sucesso.
Os dois gordões são Randy Bachman (guitarra e voz) e C.F. Turner (baixo e voz). A voz de Bachman, fraca e desafinada, não faz jus ao seu diâmetro. O time que explodiu nas paradas era completado por Blair Thornton (guitarra) e Rob (bateria), irmão de Randy - havia um terceiro irmão, Tim, guitarrista antes de Blair. Quer dizer, um negócio de família acrescentado de um amigo próximo. Dos irmãos, Randy é seguramente o mais talentoso, mesmo que isso não o torne brilhante.
E por que estou falando nesses caras já que, até agora, indiquei que não tenho por eles a menor simpatia? Porque tenho os quatro melhores discos deles - Not Fragile, Four Wheel DriveHead On e Freeways, que comprei terça-feira, por preço de banana, na Livraria Cultura, ao acompanhar minha mulher à noite de autógrafos da Vivian Oswald (enquanto ela aguardava a vez na fila conversando com colegas e conhecidos, fui dar um bordejo pela loja). E começo a entender as razões de uma bandinha meia-boca ter feito tanto sucesso.
Se juntar esses quatro discos, o BTO consegue fazer um disco muito bom. Separadamente, são somente razoáveis, embora ache Freeways, dentre eles, o mais fraco. Mas a razão de terem se tornado queridos, bem sucedidos, enchido estádios e explodido nas rádios está no fato de fazerem hits irresistíveis. Em cada um desses LPs trouxe um sucesso mostruoso: por aqui, era comum ouvir Hey you, Down, down, Not Fragile, Flat Broke Love ou You Ain't Seen Not Yet. Não são rocks pesadíssimos, mas têm uma pegada irresistível, um refrão marcante, um quê que permitiria fazer uma versão bem braba, se alguém quisesse. Fico imaginando se o Black Label Society pegasse uma delas e turbinasse.
Então, estou mudando de opinião - podem pensar vocês, meus escassos leitores. Não, continuo pensando da mesma maneira, com a diferença que passei a achar o BTO simpático. Randy Bachman não é um grande guitarrista, assim com Blair Thornton - são apenas corretos e sem muitas ousadias. C.F. Turner é um baixista fraco e se faz presente por causa do bom vocal, rouco e alto, ao contrário da voz de Randy, que é limitadíssima. Mas o pior dos quatro é Rob Bachman: é um baterista ruim. Suas levadas são básicas e as viradas são quase desastrosas - rulos e rufos, nem pensar. É o tipo do cara que, como se diz, trocou o pneu com o carro em movimento: foi aprendendo a tocar enquanto a banda evoluía.
O curioso é que todos tiveram passagens anteriores por grupos com relativo sucesso, como Brave Belt e Guess Who, sobretudo o segundo. Eram bandas de pop rock, bem ao gosto do Canadá da década de 60, um país conhecido pelo conservadorismo e pelo quase isolamento em relação ao restante do mundo - apesar de fazer parte da Comunidade Britânica e ser um riquíssimo vizinho dos Estados Unidos. Nos anos 70, com o Rush, é que algo começou a mudar lá dentro, com bandas como April Wine, Pat Travers (que se radicou na Inglaterra e depois voltou aos EUA para consolidar o sucesso), e nos anos 80 com Voi Vod, Anihilator ou Anvil. Onde Neil Young entra nisso aí? Não entra. Neil só nasceu lá, mas fez da Califórnia o portal contra a caretice canadense.
Isso aí é o BTO: uma banda papai-e-mamãe, formada por caras simpáticos e que sequer fumavam ou bebiam. Pareciam mórmons sem serem. Tanto que, longe um do outro, não arranjaram coisa alguma. Randy saiu, tentou alavancar o Iron Horse e naufragou. Os outros três levaram a banda com Jim Clench, fizeram dois álbuns sem repercusão alguma (Street Action e Rock'n'roll Nights) e encerraram as atividades.
O BTO voltou anos depois, com Rob malandramente assumindo-o. O pau quebrou em família e Rob se deu por vencido. Randy e C.F. pegaram a banda e voltaram a gravar e excursionar, mas não fizeram coisa alguma digna de nota.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

CQD ou Como Queríamos Demonstrar

Admito que tenho má vontade com governos, qualquer governo. Não consigo dizer que "fulano fez um grande governo", tampouco "beltrano foi um governante que entrará para a história". Mas não sou nenhum anarquista, para os quais "hay gobierno, soy contra". Só que não posse deixar de me surpreender com o governo Dilma. E positivamente, mas não a ponto de elogiá-la.
Esse episódio Orlando Silva mostra que algo mudou. Foi mais um que entrou na dança daqueles alcançados por algum tipo de malfeito. Como ele, outros quatro ministros foram sacados do time pelas mesmas razões, todos herdados de Lula. Tenho a mais firme das certezas de que, se fosse o governo do ex-presidente, ele sairia pelo Brasil batendo bumbo, com o ministro acusado a tiracolo, afirmando que a imprensa golpista e elitista queria dar um tiro de morte no seu governo.
No caso de Orlando, vejo o cenário: visitaria uma obra de um estádio qualquer da Copa, e falando para uma plateia de operários e iletrados, que têm o legítimo direito de admirar Lula, soltaria um destampatório contra os jornalistas. Colocaria o ex-ministro do Esporte debaixo da asa e o defenderia com veemência, afirmando que o acusador não apresentou provas e que foi procurado para dar depoimento a uma revista que não esconde a linha editorial de colisão com o Palácio. Vejo Lula verberando, rosto vermelho, camisa polo, dedo em riste, acusando a imprensa, enquanto, atrás, Orlando olharia no horizonte, embevecido e garantido pela certeza de que conta com a complacência e o entendimento do chefe maior. Estaria salvo.
Mas com Dilma a banda tem tocado diferente. Em momento algum, ela aproveitou (ou criou) uma oportunidade para defender Orlando. Foi prudente, disse que era preciso esperar os fatos. Não atacou nem defendeu Orlando. Deixou-o diante da incômoda situação de ter que se defender sozinho.
Orlando foi à luta, no Congresso, disse o que quis. Os governistas não se empenharam tanto assim; até facilitaram a trajetória de queda do ex-ministro, ao cochilar e deixar a oposição aprovar um convite ao PM que dedurou o ex-homem forte do esporte. Claro que esse corpo mole escondia uma manobra política (era a chance de o PT levar um gordíssimo ministério e escantear o PCdoB para uma pasta de menor visibilidade), mas mesmo os companheiros comunistas viam que o desgaste só aumentava.
Aí, valeu a lei da sobrevivência: entregar a cabeça de Orlando para ficar com uma pasta que terá imenso protagonismo nos próximos meses. E conseguiram emplacar Aldo Rebelo, uma espécie de genérico cuja seriedade jamais foi colocada em dúvida.
Dilma não vem defendendo ninguém que é alcançado por uma denúncia. Não quer dizer que todo o tempo ela tenha agido assim: tem aí o episódio Erenice Guerra para mostrar que a presidente também tem seus escolhidos. Mas dirão que, quando a poderosa caiu no alçapão, Dilma era somente candidata e agora é presidente. Ou seja, naquela época podia e agora não. Não justifica nada, porém...
Quando a Veja torpedeou Orlando, já se podia prever o desfecho. Iria se esvair em sangue até morrer. Foi o que aconteceu, sobretudo depois que o Supremo abriu inquérito para investigar o ex-ministro. Deu o tiro fatal.
Aliás, parabéns para a Veja. Está conseguindo fazer com que o governo evolua em matéria de pouca tolerância com aqueles que são flagrados com a mão na cumbuca. Os ministros foram saídos em boa parte por causa das denúncias que fez. Forçou Dilma a tomar alguma atitude; isolou os herdados de Lula, como se comprovasse a tese de que o governo anterior foi leniente - e que a regra continuaria em vigor porque o ex-presidente assim queria.
Nem por isso gosto mais de Dilma, que é apenas reativa à questão da corrupção. Mas não posso deixar de reconhecer que prefiro os métodos dela aos de Lula.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O tiro fatal

O delator é sempre uma figura desprezível. No Brasil, é chamado de dedo-duro, aquele camarada que aponta o indicador para alguém. Esse é o nome mais comum. Menos conhecida (e pertencente ao jargão policial) é a alcunha de alcaguete (fala-se "alcagoete"), que por ser uma palavra difícil acabou se tornando cagueta (ou "cagoeta", agora que extinguiram o trema). Nos Estados Unidos, é "snitch" ou "rat", o cara que dá com a língua nos dentes.
Independentemente de classificações, o delator não se torna um por nobreza, firmeza de caráter, decência. Torna-se delator porque teve o interesse contariado ou porque está se protegendo, na briga entre os bandidos. Contra-ataca com a arma da informação, cuja capacidade de destruição equivale a uma bomba atômica, se bem aproveitada. Nada mais apetitoso que uma informação privilegiada, para o bem e para o mal.
O tal PM que está acusando o ministro Orlando Silva não pode ser medido pela envergadura moral. Da forma como ele relata, estava na jogada também para se beneficiar. A diferença é que, pelo jeito, começaram a cobrar dele uma porcentagem alta demais, que lhe diminuiria os lucros.
Pelo que pude compreender, foi negociar. Quando viu que não tinha jogo e o outro lado ia forçar a barra, colocando-o contra a parede para fazê-lo se ajoelhar, contra-atacou. E avisou que se fosse prejudicado, iria contar o que sabe.
Questões de ombridade não entram nessa discussão. O que há é uma briga de quadrilha, pura e simplesmente. Mas nem por isso se pode desqualificar o PM, tampouco menosprezar as acusações que faz. São graves e devem ser apuradas. Dizer que ele é um desclassificado e que não deve ser levado a sério não passa de "manobra diversionista", para usar um jargão bem ao gosto dos comunistas, neo e da velha guarda.
O PM já disse que tem provas e jamais duvidei disso, pois quem faz uma acusação dessas tem que ter algo a mostrar. Mas minha dúvida passou a ser sobre a contundência dessas provas. Quando ele confessou que o tal Fredo Ebling foi que relatou que entregava dinheiro ao ministro, torci o nariz. Para a Justiça, ouvir falar não quer dizer coisa alguma. Mesmo porque, quem lhe relatou essa história pode perfeitamente negá-la, dizer que estava brincando, sacaneando...
Acho que Orlando Silva cai de qualquer forma, provando ou não as acusações que lhe são imputadas. Já ficou a aura de que algo existe de errado e que, no mínimo, ele sabia. Isso não dá para ser desmontado. Houve alguém que se levantou e apontou-lhe o dedo. Para um ministro de estado, um gesto desses é fatal, sobretudo depois que vários dos seus semelhantes seguiram o caminho da roça. Sejamos justos aqui: contra eles, havia provas em excesso de que estavam envolvidos em malfeitos.
Dilma herdou Orlando de Lula e o ministro lutou muito para permanecer no cargo. Ficou apesar de - dizem - a presidente ter cedido a contragosto. O mais provável é que, na reforma ministerial de fevereiro - que cada vez se concretiza mais -, desse a vez a alguém que Dilma queria realmente ver ministro do Esporte. Por enquanto, goza da confiança desconfiada da presidente, que já está se acostumando a ser surpreendida pelo tanto de desonestidade daqueles que foram indicados pelo antecessor e padrinho.
Orlando vai cair, sem nenhuma dúvida. Respondeu porque não se pode simplesmente ouvir calado uma acusação dessa magnitude. Mas está maculado, manchado, desgastado, e isso com Dilma é fatal. A pá de cal pode vir no próximo final de semana, com a nova edição da Veja.
Ou vocês acham que a revista iria dar um único tiro, acreditando que acertaria em cheio? Feriu Orlando gravemente sabendo que, dependendo da resistência política do ministro, sobreviveria à primeira semana pós-denúncia. Vai enterrá-lo com o tiro fatal na tarde do próximo sábado.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Provas concretas

As comportas de esgoto se escancararam com toda violência. São jorros e mais jorros de sujeira, de gente suja que é suja e assume e de gente suja que se faz passar por limpa. Orlando Silva e Agnelo Queiroz têm advogados muito competentes, mas essa história que os envolve só está sendo trazida de volta à tona pela Veja por causa de um único fator: existência de provas concretas. Não acredito que uma revista desse tamanho esteja sem um arsenal de documentos, cabais e irrefutáveis, de tudo que publicou contra o ministro do Esporte e o governador do DF. E tudo rigorosamente verdadeiro, analisado por peritos.
Vale voltar um pouco no tempo e recordar que, pelo menos Agnelo, livrou-se ano passado, quando acusações de teor parecido lhe foram feitas. Eu era coordenador de política do Jornal de Brasília, na eleição passada, quando surgiu um cidadão no programa de TV da Weslian Roriz fazendo acusações gravíssimas ao hoje governador. Dizia que tinha entregado dinheiro a ele; relatou até mesmo que, num dia, Agnelo o aguardava debaixo do prédio em que morava, ansioso para receber o suposto pacote.
Só que tinha um detalhe: o acusador não tinha filmagem, provas, nada. Afirmava que os encontros furtivos se referiam à época de Agnelo à frente do Ministério. E chorava dizendo que estava enfrentando uma máquina que trabalhava para humilhá-lo e desacreditá-lo. Até matá-lo.
Em imprensa, para quem não sabe, a primeira versão é a que fica. Já havia rumores, das hostes de Roriz, que viria uma bomba capaz de danificar profundamente a campanha de Agnelo. Ficamos à espera. Não se tinha a menor indicação do que chegaria, por meio do horário nobre.
O programa era bem-feito, não resta dúvida. Apareciam trechos do depoimento do cidadão, entrecortados por pontuações de um locutor em tom grave, arrematadas com a provocação de um ator, que cobrava explicações de Agnelo - "Pois é, senhor Agnelo. O DF quer saber...".
O acusador fazia bem o papel do sujeito assustado e acuado, que resolveu falar porque corria risco. Olhar entre o preocupado e o desamparado, alternando frases curtas hesitantes e com outras longas e firmes. Gestos nervosos com as mãos. Em alguns  momentos, o choro de desespero, de angústia, de temor.
Mas... tem sempre um mas nessa história. Uma tia dele, que era (ou é) policial militar, foi à TV pelo programa de Agnelo desqualificar as acusações do sobrinho. Em adição, um delegado (hoje deputado distrital) afirmou que o acusador tinha uma folha corrida de boas proporções. A verdade nessa história foi contada pelo vencedor, que conseguiu desmontar a manobra do adversário. Porque, se não conseguisse, estaria sendo investigado pelo Ministério Público.
O hoje governador do DF várias vezes veio a público mostrar que suas contas, à frente do Ministério, haviam sido aprovadas e que investigações abertas contra ele haviam sido arquivadas por falta de provas.
Para desmontar a acusação do programa de Weslian, o contra-ataque foi feito com documentos e testemunhos. Verdadeiros? Havia papeis e pessoas, inclusive da família do acusador, colocando a cara para desconstruir a primeira versão. Do outro lado, somente acusações sem provas materiais de que tudo seria verdade. Se era, ninguém jamais ficará sabendo. Corrupção não preenche protocolo de recebimento.
Como editor, publiquei aquilo que me chegou às mãos. Abri espaço rigorosamente igual para Paulo Fona, que coordenava a campanha de Roriz, e para Lula Costa Pinto, que fazia o mesmo para Agnelo. Enquanto Fona me acusava, e ao jornal, de fazer campanha pró-PT, Lula foi me dando munição de sobra. No horário político, o depoimento do tal cidadão contra Agnelo acabou sendo tirado do ar. Acusavam Agnelo de censura e a mim de partidarismo.
Quando entrevistei Roriz, ainda candidato, no escritório da mansão dele, no Park Way, Fona não me acusou de coisa alguma. Ainda agradeceu - não explicitamente, mas tenho certeza de que o resultado na campanha foi excelente - a página dupla central do caderno que eu editava. Admito que saí impressionado da entrevista e estava convicto da vitória do ex-governador, mas a Lei da Ficha Limpa não quis assim.
Na época, a história passada pela campanha de Weslian não colou em Agnelo - teve até efeito contrário, turbinando-o e fazendo com que a eleição se decidisse com mais facilidade. Mas só há uma justificativa para que o assunto tenha voltado à tona, trazido pela Veja: provas materiais. O acusador está muito tranquilo, garantindo que pode provar tudo o que diz. O ministro e o governador dizem também estarem sossegados.
Que as provas venham à tona. Aguardo-as ansiosamente.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu gosto do cara sim

Da maneira como escrevi aqui ontem, meus poucos seguidores pensarão que eu odeio o Ritchie Blackmore e que fiquei absolutamente feliz com a saída dele do Purple, tanto nos anos 90, quanto nos 70. Não é verdade. Embora admita que ele é insuportável (não o conheço pessoalmente, mas de relatos pela imprensa e pelas notas nos discos), considero-o brilhante. Para mim, ele é, ao lado de Jimmy Page e Tony Iommi, o maior guitarrista do rock pesado, hard rock ou coisa que o valha. Todos os que vieram depois, vieram por causa desses três.
Ouvi Blackmore pela primeira vez quando tomei um susto na abertura de Deep Purple In Rock. Um disco absolutamente estupendo, com inúmeras variações e que merece ser ouvido por todo aquele que considerar que conhece algo de rock. A partir daí, fiquei siderado pela sonoridade da banda, que era indubitavelmente direcionada por Blackmore e por Jon Lord, no órgão. Atrás, Ian Paice fazia a cama, ora com baixistas mais sólidos (como Roger Glover ou Nick Simper), ora com mais exuberantes (Glenn Hughes).
Seguiu-se Made in Japan, que considero o melhor álbum ao vivo de rock gravado até hoje. O meu ficou fino de tanto ouvir. Blackmore estraçalha com solos brilhantes e precisos, embora, com o passar do tempo, eu percebesse que sua criatividade se resumia aos mesmos toques, às mesmas citações. Não sei se estava de saco cheio ou se preferia a segurança de fazer aquilo que a plateia esperava dele. No primeiro caso ou no segundo, não tiro sua razão: ser criativo noite após noite pode ser perigoso; uma jornada menos inspirada e o show se torna uma tragédia.
Comecei a pesquisar mais sobre Blackmore e sua aversão por participação em discos alheios e as várias bandas que formou. Considerando que, no começo, o Purple era um ajuntamento em que dois músicos estavam claramente abaixo do que se fazia na época - enquanto o Cream e Jimi Hendrix haviam aumentado o volume e o Led Zeppelin levou o blues às últimas consequências -, tratava-se de uma banda que começava a ficar para trás, fazendo um som que os próprios Beatles já tinham feito. Shades Of, The Book of Taliesyn e Deep Purple mostra um time de músicos correto, nada mais que isso.
Foi por causa de Blackmore que a banda mudou. Com Simper e Rod Evans, convenceu Paice e Lord que não iriam muito longe. Vieram Ian Gillan e Roger Glover, bem superiores aos antecessores, sobretudo e matéria de musicalidade. Prova é que estão aí até hoje, enquanto que Evans sumiu e Simper ressurge em shows esporádicos.
Concert for Group and Orchestra é o chamado "ponto fora da curva". Uma intervenção classicosa de Lord, com aquiescência de Blackmore. Mas, já nessa época, se sabia que não era o futuro do Purple. Há registros em Mono e de rádio que mostram uma banda mais agressiva, já apontando na tendência que o Zeppelin despontava. E que seria potencializada pelo Black Sabbath e confirmada pelo Uriah Heep. A diferença é que enquanto o Zeppelin resgatava muito do blues e do folk, com várias obras acústicas, o Purple trazia o panorama do erudito para dentro do terreno elétrico.
Depois do já citado In Rock, vieram a seguir Fireball, a obra-prima Machine Head, Made in Japan e Who do You Think We Are, que mantêm uma regularidade estupenda. Uns mais felizes, outros menos, mas igualmente imperdíveis.
À saída de Gillan e Glover segue-se a vinda de David Coverdale e Glenn Hughes, que apesar da cultura funk e soul, agregam mais peso à banda. Burn e Stormbringer são discos fabulosos, dentro da nova direção do Purple. Mas quem ouvir os registros ao vivo - como o formidável Live in London ou Made in Europe, ou ainda o imperdível Live at California Jam -, perceberá que alguns pruridos foram deixados de lado. Sobretudo, a banda toca sem medo de errar, sem querer ser certinha demais. Há espaço para mancadas, para notas fora do tom, para mais improvisos, para desafinos.
Mas, mesmo assim, Blackmore parecia cansado do Purple. Alegando divergências musicais, pegou as coisas e foi embora. Arregimentou uma banda pronta, o Elf, e lançou aquilo que, a princípio, seria um álbum solo, Ritchie Blackmore's Rainbow. Já no segundo LP montaria a banda que pretendia, convocando sobretudo o pesadíssimo Cozy Powell para a bateria. Rising é tido como um dos melhores discos de hard rock de todos os tempos. O mesmo time é o responsável por On Stage, igualmente um belo disco ao vivo, que curiosamente traz uma canção da fase Coverdale-Hughes - o bluesaço Mistreated. Nada de Smoke On The Water, Highway Star ou Child In Time.
Long Live Rock'n'roll é o canto do cisne de uma banda imprensada entre o respeito e o reconhecimento e a falta de dinheiro. Discos ótimos, mas que não penetravam no formidável mercado norte-americano. Elementos pop foram agregados à nova formação - sai Ronnie James Dio, entra Grahan Bonnett; sai David Stone (que já substituíra Tony Carey e Mickey Lee Soule), entra Don Airey; Powell permanece; e volta Glover, bem sucedido produtor, na vaga de Bob Daisley (que assumira o posto de Jimmy Bain e Gary Driscoll). Down to Earth, se não é um disco brilhante, é palatável.
E o Rainbow foi de trabalho aceitável em trabalho aceitável, sempre trocando formações (Powell abriu espaço para Bobby Rondinelli, que o cedeu a Chuck Burgi; Airey foi trocado por David Rosenthal; Bonnett deu a vaga a Joe Lynn Turner) até o fim, para uma volta ao Purple que tinha tudo para não dar certo.
Menos do ponto de vista comercial do que pessoal, ressalte-se. Perfect Strangers foi um sucesso de público e de crítica, provando que a marca Deep Purple ainda era forte 10 anos depois. Pessoalmente não acho que seja um grande disco, porque não é Purple, não é Rainbow, não é Whitesnake (o filhote de Coverdale, onde Lord e Paice passaram alguns anos). É uma outra banda, que não resgata o som dos anos 70 nem faz algo que seja dos anos 80.
Tudo parece sem graça e os discos seguintes apenas comprovaram isso. Até que Blackmore, mais uma vez de saco cheio, vai embora Tenta reeditar o Rainbow (Stranger in all us é simplesmente péssimo), mas dá errado. Uma banda americana de aluguel apenas correta não consegue reeditar o êxito que, anos atrás, ele conseguira por meio do Elf, que apresentou Ronnie James Dio ao mundo.
Blackmore ao menos tem a honestidade de não sustentar um cadáver insepulto, coisa que o Purple é atualmente. Lançou o Blackmore's Night com a mulher, Candice Night, e fazem uma música insossa, insípida e inodora. Jamais me dei ao trabalho de ouvir qualquer desses discos porque acho que não acrescentam nada.
Mas concordo com Blackmore num ponto: se a música o agrada, é o que ele pretende fazer, que vá em frente, por mais que eu lamente. Como lamentei a música híbrida, ultrapassada, que o Purple vinha fazendo antes de ele sair. O som da Fender Strato de Blackmore soava datado, com o ranço de anos antes. Uma opção feita por alguém rigorosamente avesso a mudanças, a novas sonoridades. Da mesma forma como ele sempre tocou em quinteto, com a formação voz-guitarra-teclado-baixo-bateria. Não optou por trio, quarteto ou mesmo quinteto ou sexteto com uma seguinda guitarra. Isso representa que Blackmore resumiu de tal forma suas opções que pouco restou.
Mas se esse mínimo o agrada, nada a opor ou reparar. Sobretudo porque é honesto.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Purple com Turner: eu estava lá

Estava dando uma olhada no Estadão quando vejo uma matéria sobre os 20 anos da vinda do Deep Purple ao Brasil. Pois é, meus amigos: EU ESTAVA LÁ. Em pleno Maracanãzinho, com um som embolado e sem definição, vi aquela versão da minha banda predileta maculada pela presença de Joe Lynn Turner nos vocais. Para variar, Ian Gillan tinha puxado o carro por causa das inúmeras brigas com o insuportável Ritchie Blackmore. Pior para o Purple e seu público.
Mas eu não estava nem aí. Tais reflexões faço agora, quando considero que o Purple deveria ter encerrado a carreira ali mesmo nos anos 70. Não acho Perfect Strangers um discaço, como muita gente pode pensar. Acho até bem mediano. The House of the Blue Light, então, é de chorar. Nobody's Perfect, que veio depois e era ao vivo, é bem ruizinho. Enfim, já ouviram o ditado de que "quem sai aos seus não degenera"? Degeneraram.
Turner entrou no Slaves & Masters, que é péssimo e não tem a menor chance de ser lembrado dentro de uns anos como um disco injustiçado. Foi com esse trabalho que eles desembarcaram por aqui.
Comprei o ingresso para ver, pela primeira vez, um show do Purple. Nem estava ligando para a presença de Turner, tamanha era minha fome por Blackmore-Glover-Lord-Paice. A fila interminável foi amenizada pelo encontro com um amigo de colégio, Leonardo Pires, o Pirão Bangu (não sei porque tal apelido). Ficamos ali, naquele papo interminável sobre Purple e coisa e tal.
Entramos juntos e fomos para perto da mesa de som. Tinha eu a vã ilusão de que ali conseguiria ser menos afetado pela histórica péssima acústica do Maracanãzinho. As luzes se apagaram, a banda entrou e atacou, se não me engano, Burn. Aí vejo de longe o Turner brigando com alguém na primeira fila, gesticulando e apontando para a plateia, embaixo. Algum babaca deve ter estendido uma faixa ofensiva a ele ou elogiando Ian Gillan. É o tipo da coisa que não faz diferença. Um show desses não é para protestos. E se sabia que o cantor era o Turner, o babacão da plateia foi por quê?
Eu e Pires cantamos o show inteiro e ainda tomamos um baculejo da segurança, que estava prendendo vagabundo que fazia tráfico lá dentro. Cheiraram nossas mãos no meio da apresentação e nos "liberaram". Quem eram aqueles caras? Policiais, claro, fazendo segurança particular e sem ter direito algum àquilo. Mas como a gente não estava a fim de discussão e apenas fumavamos o "oficial", o show seguiu para nós dois. Mas teve neguinho grampeado. Com que autoridade, repito, vai saber...
Como Joe Lynn Turner entrou no Purple é fácil de entender. Vinha tocando com Blackmore desde os tempos do Difficult to Cure, do Rainbow, um disco de que até gosto muito. Seguiram Straight Between the Eyes e Bent out of Shape, que são apenas medianos. Tem ainda uma coletânea, Finyl Vinyl, cuja presença maior é de Turner sobre Ronnie James Dio ou Grahan Bonnett. Quer dizer: Blackmore o considerava um cara leal, com o qual podia fazer o que quisesse.
Daí que, quando Gillan se encheu (e fez discos igualmente ruins nesse período, como Naked Thunder ou Toolbox), Turner era a opção mais à mão. Dio estava bem com sua própria banda e Bonnett, cansado de tentar dar sustentação ao seu Alcatrazz, se juntou ao xaroposo Chris Impelliteri com seus 925 dedos.
Mas Turner durou pouco e Gillan voltou logo em seguida, no também ruim The battle rages on. Quer dizer: o Purple vinha caindo pelas tabelas, confirmando aquilo que sempre disse sobre a banda - que deveria ter feito da morte de Tommy Bolin um exemplo e um epitáfio, pelo menos uns 18 anos antes.
O curioso é que o fechamento do ciclo Blackmore veio com um disco ao vivo de que gosto muito, Come Hell or High Water. Os caras estavam tão enojados de Blackmore e da picuinha que ele sustentava com Gillan que tocam com raiva, nas coxas, alto, sujo. No CD e no vídeo, Blackmore leva pelo menos uns três minutos para entrar em Highway Star e, quando entra, faz uma barulheira impressionante, como se estivesse ajustando a guitarra. E ainda atira um desses pratos de isopor na direção de Gillan só para sacaneá-lo. O cantor abaixa a cabeça em tom de deboche.
No final, tem ainda um discurso de Jon Lord, figura normalmente pacífica e passiva. Diz que a banda não aguenta mais as diatribes do "Sr. Blackmore" e que dali para diante os quatro seguiriam um rumo diferente daquele que o guitarrista tomaria.
Resumo: a turnê foi completada por Joe Satriani, antes da entrada de Steve Morse como membro permanente no bom Purplendicular. Que os trouxe novamente ao Brasil, para um show no extinto Metropolitan. E eu, claro, ESTAVA LÁ.
Mas essa é outra história.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Eu e Steve Jobs

Descobri que eu e o Steve Jobs temos algo em comum. Não, não sou gênio como ele, embora me esforce para ter cultura. Não essa cultura enciclopédica, que é uma imensa bobagem. Para mim, não tem valor algum o cara ficar falando sobre os escritores americanos do final do século 19 se não leu nenhum deles. Não os analisou a forma, não percebeu as características sociais dos Estados Unidos passada em cada um daqueles livros, não lhes captou a essência. Falo de cultura como formação do caráter.
Mas, enfim... voltando ao trilho. Li agora no Estadão a lista de discos da preferência de Jobs. Entre os 10 "mais" (se é que algo assim pode existir, de a pessoa ter somente 10 discos do coração) estão American Beauty, do Grateful Dead; Who's Next, do The Who; e Goldberg Variations, por Glenn Gould. Esses três exemplares fazem parte da minha coleção, que não é pequena.
Tempos atrás, dei uma entrevista (sim, já dei uma entrevista!) para um blog fabuloso chamado Collector's Room. Os caras conhecem música, sobretudo rock, a fundo. Têm uma seção chamada Mostre sua Coleção, que foi o que fiz: mostrei meus vinis e CDs, que são  minha maior curtição, à frente dos relógios suíços, meus DVDs de filmes e do squash com meu compadre Marcelo Agner. Só não estão à frente dos meus filhotes Bernardo e Cecília e da minha amada Renata. Pareci pernóstico? Foi mal.
O disco do Dead é da grande fase da banda, junto com Workingman's Dead, Aoxomoxoa, Live/Dead. Depois dessa fase, os únicos que gosto são Shakedown street e Terrapin Station. Até aí, Jerry Garcia e Bob Weir faziam um som de primeiríssima, mas depois, talvez pelos projetos paralelos e algumas trocas de formação, a liga começou a ficar menos consistente.
Sobre Who's Next não há o que dizer. É o melhor disco do Who, disparado. Adoro Quadrophenia e Tommy, mas confesso que cansam. Um disco que tem Baba O'Riley, Behind Blue Eyes e We Won't Get Fooled Again não precisa ser analisado. É perfeito. E tenho dito!
Goldberg Variations ainda é a maior execução de Gould. A obra de Bach, o João Sebastião, foi inicialmente escrita para o cravo e, depois, transposta para o piano, se minha memória/cultura em música erudita não falha. Se ainda não estou enganado, o canadense a gravou inicialmente na década de 50, quando despontou para a genialidade. E se também não estou enganado, voltou a gravá-la nos anos 60. E se não continuo enganado, a segunda fase de gravações é considerada a definitiva, pois Gould estaria não somente no auge da técnica, mas da maturidade. Daí para diante, sobretudo nos anos 70, a esquisofrenia se manifestou com força e ele passou a se apresentar esporadicamente. E, se não falho, não produziu nada que possa ser incluído entre aquilo que vale à pena na sua obra.
Jobs tinha um gosto mais light que o meu. John Lennon ou Bob Dylan só entram na minha coleção pela via de outros artistas. Reconheço-os como grandes compositores, poetas de mão cheia, mas não tenho apreço pela obra individual que nos legaram. O mais perto que passei de um disco de Lennon foram os de Ricardo Xavier, o Rixa, roteirista-chefe do Video Show da Globo e meu ex-colega de colégio. E dos de Dylan, de uma colega cujo nome não me lembro (Simone? Bruna?), também da época do São Vicente, que tentei namorar. Ela ouvia Blood on the tracks sem parar.
Segundo vi, também gostava de Cat Stevens, que também nunca foi da minha simpatia. Lembro, inclusive, que meus amigos Alexandre, Antônio Paulo e André (irmãos) tinham comprado Izitso, um dos últimos álbuns de Cat antes de se tornar Yusuf Islam. Na capa, Cat/Yusuf está brincando com um ioiô. Aliás, para quem não sacou, Izitso é a expressão Is it so? ( tradução: é assim?), pergunta que Cat/Yussuf faz ao brincar com o ioiô. Nunca parei para ouvir esse álbum, nem tenho lembrança se gostei ou não. Mas a voz rouca de Cat/Yusuf até que me agradava.
Enfim, escrevi até aqui não porque quero me comparar a Jobs ou homenageá-lo, embora, de certa forma, o esteja fazendo. Escrevi porque gosto de música e porque, temos sim, algo em comum. Então, se isso é verdade, qual a razão da falsa modéstia?