segunda-feira, 29 de agosto de 2011

De moralidades e imoralidades

Da coluna de Augusto Nunes, no site da Veja.
O suicídio foi um ato de coragem protagonizado pelo político que errou muito e cometeu pecados graves, mas nunca transigiu com roubalheiras, nunca barganhou nem se acumpliciou com ladrões. Lula fez da corrupção endêmica um estilo de governo e um instrumento de poder. O tiro disparado na manhã de 24 de agosto de 1954 atingiu o coração de um homem honrado. Getúlio matou-se por ter vergonha na cara. Lula morrerá sem saber o que é isso.
Até reconheço que não é preciso ter simpatias por Lula; que o ex-presidente legou à sua pupila uma monumental quadrilha, cuja certeza de que jamais seria descoberta explica as desavergonhadas manobras nos ministérios dos Transportes, da Agricultura e do Turismo. Mas não é possível, em momento algum, fazer defesa de Vargas como se fosse um paladino da moralidade pública.
O caudilho cometeu suicídio porque, com a instalação da República do Galeão, corria ele o risco de parar na cadeira para ser julgado, tal como foi feito com Gregório Fortunato, O Anjo Negro, e Benjamin Vargas, o Beijo. Quem pegar os jornais da época, sobretudo a falecida Tribuna da Imprensa, verá que Carlos Lacerda, o Corvo, sugeria uma saída para o presidente, enredado cada vez mais num escândalo de corrupção não por ação, mas por omissão.
Lacerda sugeria uma saída "à Balmaceda" para o alquebrado presidente. Vale lembrar que Juan Manuel Balmaceda, ex-presidente do Chile, suicidou-se na embaixada argentina, acreditando que seria preso, torturado e fuzilado quando fosse capturado pelos sublevados que se levantaram contra seu governo despótico. Convenhamos que não é tanta coincidência assim com Vargas.
Não foi somente Lacerda que fez carga contra Getúlio. Assis Chateaubriand mantinha uma relação de amor e ódio com o velho caudilho, assim como Roberto Marinho. Talvez Augusto Nunes, cuja pena é sem dúvida brilhante, esteja se deixando levar pelo livro que elaborou sobre as memórias de Samuel Wainer, fundador da Última Hora justamente com o beneplácito de Vargas. Minha razão de viver continua sendo um clássico, que todo jornalista que se preza deveria ler.
Os escândalos não paravam e, de alguma forma, passavam pelo Palácio do Catete. Do escândalo dos Cadillacs ao das filipetas, sem contar a polêmica passagem de Horácio Lafer pelo Ministério da Fazenda. A administração de Ricardo Jafet no Banco do Brasil; as pressões de Etelvino Lins e Café Filho e a corrente nordestina; a atuação de Agenor Barcelos Feio, que subira com Vargas na caminhada rumo ao poder desde Porto Alegre, nas mais variadas negociações do governo; o vezo ditatorial de Lourival Fontes, que do DIP pulara para o poderso Gabinete Civil; o aconselhamento político de Amaral Peixoto e as matreirices do PSD - tudo isso levou o presidente a meter uma bala no peito.
Nenhum dos homens citados acima são exemplo de retidão e trato respeitoso com a coisa pública. Talvez Lula tenha razão, sim, em se comparar com Vargas. E exatamente pelo formato de conexão política que ambos mantinham.

Para quem dignificou a vida

Passei o domingo lendo sobre as homenagens a Rodolfo Fernandes. Todas absolutamente justas, embora eu não o tenha conhecido. Por relatos de interpostas pessoas, tratava-se de um profissional de primeira linha, de trato fácil e tranquilo. O contrário de seu pai e de seu irmão, com os quais convivi durante nada menos que 15 anos.
Fui para a Tribuna da Imprensa exatamente em agosto de 1990. Tinha acabado de passar cinco meses desempregado, demitido que fora de O Globo. Nessa época, pelo que pude ler, Rodolfo já era uma das jovens estrelas do jornalismo. Somos quase contemporâneos, pois sou somente um ano mais novo do que ele era.
Vendo hoje a cobertura do sepultamento de Rodolfo, revi Helio Fernandes depois de quatro anos. Exceto pelo cabelo longo, talvez devido ao sofrimento por acompanhar o filho definhar, me pareceu o mesmo.
Em março de 2007, despediu-se de mim friamente, estendendo a mão mole, daqueles que, com nojo, cumprimentam por pura formalidade. Eu acabara de me demitir para tentar uma retomada profissional em Brasília, atendendo a chamado de um grande amigo, Jorge Eduardo Antunes.
Helio entrara minutos antes na redação como um foguete, sem olhar para os lados, indo se instalar numa sala vazia contígua a que fora minha. Sempre que surgia assim, o código era tácito: eu deveria me encontrar com ele. Os olhos frios, de desprezo, apenas emulduravam uma conversa que era sempre tensa.
A Tribuna era o pior dos infernos profissionais: meses de salários atrasados, direitos trabalhistas ignorados, pessoas maltratadas, humilhações diárias. Helio não tinha medo de enfrentar seus poucos funcionários, que também tinham perdido o respeito por ele. O mais indiferente ao velho jornalista lhe devotava um profundo ódio.
Perguntou-me se eu deixara a coluna do dia seguinte. Disse-lhe, timidamente, que não. Que eu me demitira na sexta-feira anterior, que ali estava somente para cumprir algumas formalidades e me despedir de quem gostava. Também angariei muita inimizade. Afinal, estava entre os funcionários - que legitimanente queriam seus direitos - e Helio, que exigia que as pessoas trabalhassem gratuitamente.
Foi quando ele me estendeu a mão macilenta, virou as coisas e deixou a sala. Foi fazer a coluna da página 2, o Fato do Dia, que durante alguns anos fiz sem cobrar ou receber coisa alguma. Fiz pressionado pelos bilhetes humilhantes que escrevia para seu filho mais velho, Helio Fernandes Filho, e para o diretor de redação, Carlos Newton Azevedo. Poderia ter me demitido, claro, mas com uma mulher e uma filha, se tolera mais ofensas do que se imagina. Não foram poucas as minhas tentativa de deixar a Tribuna.
Aquele homem de "imensa coragem", como imaginam vários dos seus leitores, queria que eu enfrentasse o filho e meu superior. Aliás, foram várias as vezes que Helio achou que tanto eu quanto Carlinhos estávamos por trás dos movimentos grevistas dos funcionários. E, por causa disso, pagava (com atraso) a todos, menos nós. O meu era mais atrasado que o atrasado.
Helio, porém, me contou excelentes histórias, nos poucos contatos que não eram desgastantes e difíceis. A maioria guardo como recordação de um homem que não tinha enlouquecido, não tinha se transformara num miserável. Reproduzo-as sempre que posso, bem como as expressões brilhantes que cunhou.
Nessa convivência conflituosa, lembro-me que, anos antes, Helio se solidarizara comigo quando da morte da minha filha, poucos dias depois do parto. Eu estava um caco, como creio que ele hoje esteja com a partida de Rodolfo. Mas me lembro de suas palavras, um consolo estranho, mas extrememente verdadeiro.
- Fabio, não sei o que é pior: perder um filho tal como você ou perder os pais como eu.
Entendi o que ele queria dizer, já que, várias vezes, relatara que o pai morrera quando ele e os irmãos (além de Millôr, tem duas irmãs, Ruth e Judith) eram pequenos. Logo em seguida foi a vez da mãe. Se minha memória não falha, cresceu criado por um tio, irmão da mãe, que era gráfico e levou ele e Millôr para o universo dos jornais.
Esse homem, aos 90 anos, sepultou um filho. A ordem natural da vida foi invertida. Às vezes imagino as razões para se viver tanto, os motivos dessa longevidade que não sei se é desejada. Para quê? Para ver um filho desaparecer? Para ver dois filhos desaparecerem? A gente vive, mas não quer presenciar tais partidas.
Não me uno a Helio e sua família porque somos pais ou porque o drama de Rodolfo poderia ter sido o meu. Me uno àqueles que tenham dignificado a vida. Creio tenha sido assim com Rodolfo - e tudo indica que foi, por aquilo que escutei falar.
Mas lamento dizer que a de Helio não foi assim.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sons para se ouvir no carro II

Vim para o Ministério hoje ouvindo um dos discos que mais gosto da minha coleção: "Fire down under", do Riot. Fiquei sabendo da existência dessa banda de metal novaiorquina no começo dos anos 80. O LP deles foi lançado pela Elektra, embora minha versão em CD seja por um pequeno selo alemão especializado em trabalhos que saíram de catálogo de gravadoras maiores. Taí um bom negócio para todo mundo: não fica engavetado no arquivo da major, o artista recebe seus direitos e o fã tem a possibilidade de obter uma peça que lhe interessa. Difícil, é claro, sempre é achá-la.
Questões burocráticas à parte, foi o primeiro disco que ouvi deles, embora tenha dois outros anteriores, que não acho grande coisa. Em "Fire down under", exceto pelo vocalista Guy Speranza e pelo guitarrista-solo Mark Reale, o restante da banda foi toda trocada e, a meu conceito, por músicos bem superiores que aqueles que estavam nos dois primeiros LPs. Sandy Slavin, Kip Leming e Rick Ventura deram outra força ao grupo.
Mas não foi somente isso. As composições também são bem mais inspiradas, mais maduras. A faixa que dá nome ao disco é logo a segunda, em vez de ter ficado lá para o final. A que abre, "Swords & Tequila", é um rocaço que merece atenção. O restante rola redondo, intenso. Eletriza do começo ao final e é um dos poucos discos de metal do começo dos anos 80 que resistiram ao teste do tempo. Experimente pegar, por exemplo, "Straight between the eyes", do Rainbow, e veja o quanto é datado. "Fire down under" não comete esse pecado.
Foi sobretudo por causa desse disco que Mark Reale chegou a ser chamado por Ozzy Osbourne para substituir Randy Rhoads, numa época, aliás, que ele tentou desesperadamente encontrar alguém igual - coisa que nem os excelentes Bernie Tormé e Brad Gillis conseguiram. Até que Ozzy se deu conta de que tinha de partir para alguém igualmente técnico, mas de personalidade, como foi Jake E. Lee (de quem falo na seção anterior, aliás).
Mas voltando ao Riot. Em seguida eles lançaram um disco, "Riot live", gravado na Inglaterra, resultado dos shows que fizeram por lá. Ainda ajudou a manter o bom momento de "Fire down under" para a banda. No LP seguinte, "Restless breed", as coisas começaram a degringolar: o religioso Speranza foi substituído por Rhett Forrester, que tinha um timbre de voz mais sujo e cansativo. O restante do time era o mesmo, só que não foi capaz de frear o carro na descida da ladeira. A partir do "Born in USA", o Riot se arrastou e se tornou mais uma desses grupos cujos discos são plenamente dispensáveis. Mais nada.
Daí que, se você quiser ouvir o melhor do Riot, escolha "Fire down under". É um excelente trababalho de estúdio. "Riot live" é um bom substituto e "Resteless breed" serve para matar a curiosidade, mas pode impressionar negativamente. O restante, esqueça.
Para concluir: os dois vocalistas, Speranza e Forrester, já morreram. O primeiro, de uma doença que não lembro qual é; o segundo, assassinado.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sons para se ouvir no carro I

Sei que tenho andado negligente com meus poucos leitores (sei apenas de dois amigos, Jorge Eduardo e Lobão - não o músico, mas o jornalista e crítico de cinema aqui de BSB), mas, para preencher esta lacuna, vou criar uma seção. Como músico frustrado e fã incondicional dos mais variados sons, não me furto a falar de música, seja em que ambiente for. Assim, copiando descaradamente uma parte do site do cantor Richie, está estabelecido a partir deste momento o SONS PARA SE OUVIR NO CARRO.
Vou começar com o que estou escutando neste momento (tá bem, não exatamente neste momento, pois estou na frente do computador digitando estas linhas) no meu super Chevy Vectra: Badlands. Ouço os CDs "Voodoo highway" e "Dusk". Tenho também o primeiro, somente "Badlands", que está guardadinho em casa.
"Voodoo hwy" não é um grande disco, mas não é de se jogar às feras. Nem sei exatamente se é inferior ao disco de estreia da banda, mas superior certamente não é. Explico: quando o Badlands apareceu, chegou com a pecha de supergrupo. Jake E. Lee (ex-Ozzy Osbourne), Ray Gillen (ex-Black Sabbath, embora não oficialmente), Eric Singer (ex-Sabbath e futuramente no Kiss) e Greg Chaisson formavam um quarteto altamente influenciado pelo Led Zeppelin. Se Gillen pudesse, apertava um botão e virava Robert Plant.
Essa reunião de músicos com currículo certamente dispersou a atenção para a música, que, ouvindo hoje, não chega a ser brilhante. É boa, apenas. No "Voodoo hwy", a fórmula permanece a mesma, embora o baterista seja outro - o muito bom Jeff Martin. Os toques de blues e até mesmo uma versão de "Fire & Rain", de James Taylor, não foram suficientes para salvar o disco, que naufragou. Depois do primeiro, que foi um baita sucesso, não se esperava tal decepção.
A partir daí a aura de supergrupo se desfez. Afinal, todos os assim classificados têm a obrigação de fazer gols de placa. Não foi o caso e a banda foi para o saco. O contrato com a Atlantic (via Titanium Records) foi devidamente cancelado. E cada um foi para seu lado.
"Dusk" é um terceiro disco que jamais foi lançado em grande circuito. As gravações já estavam prontas e mixadas, quando o Badlands ficou sem contrato. O disco foi engavetado até que Chaisson resolvesse tirá-lo da prateleira para editá-lo por uma pequena gravadora europeia. É um CD que somente os aficcionados têm, mas entra tranquilamente na lista dos dispensáveis. Em tempo: a sonoridade é a mesma de "Badlands" e "Voodoo hwy", sem tirar nem pôr. Inclusive, tem uma bela canção, "Sun red sun", que daria nome a um fracassado projeto que Gillen se envolveria em seguida. "Dusk" terminou sendo uma homenagem a Gillen, que não muito tempo depois morreria de Aids.
Resumo da ópera: são bons trabalhos, mas nada que vá mudar sua vida. Se você os tiver, ótimo; se não, ótimo também. São bem executados, mas sem muita inspiração. Dão a impressão que você já ouviu aquilo, anos antes e de forma mais brilhante, num disco de sobras do Zeppelin. Isso se o Zeppelin não tivesse legado sobras sensacionais, como "Physical graffiti" e "Coda".

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A culpa é do técnico

Assistia a uma discussão ontem, na TV, sobre as razões pelas quais tantos ministros caíram em tão pouco tempo. A certa altura, a pergunta foi feita ao cientista político Murilo de Aragão, que disse ver coincidência na sinistra sequência que enfileirou ministros na direção do olho da rua. Não acredito em lances fortuitos, incumbidos ao destino. Tenho uma explicação própria para tudo isso: trata-se de “fadiga de material”.
O ministério de Dilma é fraco, muito fraco. Ela teve de assumir vários compromissos para ser eleita, que se refletiram na composição do primeiro escalão. Primeiro, vieram os acertos firmados por Lula, com a aquiescência dela, pelo qual vários ministros foram mantidos e outros tantos chegaram. Entre os que vieram, Antônio Palocci e Pedro Novais, um endossado pelo ex-presidente, o outro com a bênção do senador José Sarney. Entre os que foram mantidos, Alfredo Nascimento, Wagner Rossi e Nelson Jobim, a pedido de Lula, na composição das alianças que levaram Dilma à vitória.
Em segundo, têm os acordos firmados por ela mesma. Nessa carreira aparecem Ideli Salvatti, Paulo Bernardo e Luiz Sérgio, figuras ligadas ao PT e ao governo anterior, que ascenderam ao ministério no balcão de negócios da campanha eleitoral. E finalmente, em terceiro, aqueles que vieram por indicação, mas que ela apenas ouvira falar. Tal como Ana de Hollanda, guindada à condição de ministra por intermédio de Palocci.
Na reforma ministerial de dezembro, boa parte deles sairia. Mas sairia pela porta da frente, com o currículo imaculado. A presidente faria um cotejo, veria quem se saiu bem e quem se saiu mal e trocaria aqueles que estão na segunda condição. Tudo seria sem atropelo, para que biografias não se tornassem folhas corridas. Haveria uma fofoca aqui, outra ali, mas nada que desabonasse ninguém.
Só que, como diz a Lei de Murphy, nada é tão ruim que não possa ficar pior. Um ministério fraco, vulnerável, daria nisso mesmo. Apesar do fogo amigo petista, que de olho num ministério para chamar de seu jogou no ventilador a questão das diárias de Ana de Hollanda, há a concordância geral de que a ministra da Cultura fez questão de se colocar na janela. E aí, conforme a música de Gonzaguinha, deu aos seus adversários a chance de “passar a mão nela”. Todos sabem o que esta expressão quer dizer.
Cair, não caiu, mas a imprensa ficou atenta e mais receptiva a dossiês. Aqui entra a fadiga de material: muitos dos que vinham do governo anterior perderam o cuidado, tornaram-se imprudentes e, principalmente, tinham a certeza de que Dilma seria tão leniente quanto Lula foi. Juntou-se jornalistas atentos com a falta de vergonha e deu no que deu. A explosão que abateu três ministros – o quarto, Nelson Jobim, saiu porque não conseguiu manter a língua dentro da boca – tem potencial para abater mais um tanto, pelas mesmas razões.
Não creio que o casal Gleisi Hoffman e Paulo Bernardo vá sair por causa da carona do jatinho do empresário que tem negócios com o governo. Mas criou-se novo contrangimento. Isso só mostra que o time é fraco e pouco cuidadoso. Aliás, a prova suprema da dura verdade sobre a mediocridade do primeiro escalão foi a troca de Luiz Sérgio por Ideli Salvatti. Ela estava largada num ministério sem visibilidade e sem importância, o da Pesca, e foi puxada para uma das funções mais importantes do governo, que é a articulação política. Ele estava na articulação política com um desempenho pífio e foi relegado a um ministério sem visibilidade, o da Pesca. Ninguém percebeu o engano antes? Que, neste caso, as funções estavam invertidas? É como se tivessem colocado o zagueiro central de volante e o volante de zagueiro central. A culpa na escalação errada é do técnico.
Consideram um grande feito as trocas que Dilma vem executando. Num país desacostumado com isso, é, de fato, um avanço. Sobretudo depois que ela mostrou imensa hesitação no caso Palocci. Mas é pouco, quase nada. A presidente ainda precisa aprender a treinar sua equipe. Somente sabendo onde cada um vai jogar é que será capaz de escalar direito o time.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Já tinha cantado essa pedra...

Vejam meu post "Às portas de 2014", no qual cantei a pedra sobre a qual versa a matéria que segue abaixo. Não é preciso ser  visionário para perceber que isso aconteceria. Basta saber ler nas entrelinhas.

Petistas temem que "faxina" de Dilma carimbe gestão de Lula como "corrupta"

Por Vera Rosa, no Estadão:
A “faxina” no governo da presidente Dilma Rousseff, que já derrubou quatro ministros em dois meses e doze dias, causa extremo desconforto no PT. Dirigentes do partido, senadores, deputados e até ministros temem que, com a escalada de escândalos revelados nos últimos meses - especialmente nas pastas dos Transportes, do Turismo e da Agricultura -, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva acabe carimbado como corrupto. Todos os abatidos na Esplanada foram herdados de Lula.
Em conversas a portas fechadas, petistas criticam o estilo de Dilma, a “descoordenação” na seara política e o que chamam de “jeito duro” da presidente. Uma das frases mais ouvidas nessas rodas é: “Temos de defender o nosso projeto e o Lula.” Mesmo os que não pregam abertamente a volta de Lula na eleição de 2014 dizem que Dilma está comprando brigas em todas as frentes - do Congresso ao movimento sindical -, sem perceber que, com sua atitude, alimenta o “insaciável leão” do noticiário e incentiva o tiroteio entre aliados.
Na avaliação de petistas, o poderoso PMDB - que na quarta-feira perdeu o ministro da Agricultura, Wagner Rossi - não é confiável e acabará dando o troco a qualquer momento.
Dilma chamou ministros e dirigentes do PT para uma conversa no domingo à noite, no Alvorada. A presidente pediu o encontro para ouvir a avaliação de auxiliares sobre a crise na base.
Ela contou ali sobre a reunião com Lula na semana anterior, admitiu a necessidade de se reaproximar dos partidos que compõem a coligação e avisou que teria um tête-à-tête no dia seguinte com o vice-presidente Michel Temer e com os líderes do PMDB na Câmara e no Senado. Àquela altura, a situação de Rossi era considerada complicada, mas ainda não havia sido divulgada a notícia do uso do jatinho de uma empresa que tem negócios com o governo pelo então ministro, afilhado de Temer.
Com receio da reação de Dilma - conhecida pelo temperamento explosivo -, alguns ministros pontuaram, com todo o cuidado, os problemas de relacionamento no Congresso após as demissões e citaram o PMDB e o PR. As alianças para as eleições municipais de 2012 também entraram na conversa. Diante de Dilma, no entanto, ninguém rasgou o verbo e muito menos criticou o estilo adotado por ela.
Um ministro disse ao Estado, sob a condição de anonimato, que, não fosse a pesquisa CNI/Ibope recém saída do forno - o levantamento fora divulgado na quarta-feira, quatro dias antes da reunião no Alvorada -, a presidente acharia que tudo estava bem. Naquela pesquisa, a avaliação favorável do governo Dilma caiu 8 pontos em relação à sondagem anterior, de março, quando 56% dos entrevistados consideraram o governo Dilma “ótimo ou bom”. Agora foram 48%.
Embora Dilma tenha falado sobre a necessidade de curar feridas em sua base de sustentação no Congresso, em nenhum momento ela mostrou arrependimento na forma como tem agido. Segundo relatos, a presidente disse que precisou fazer uma reformulação no Ministério dos Transportes, administrado pelo PR, por causa de irregularidades descobertas no setor. Mas não seria sua intenção recorrer a uma “faxina geral” na Esplanada, sem motivos concretos.
Uma mudança de estratégia, no entanto, foi acertada no Alvorada. Dilma concordou que o governo precisa divulgar melhor os seus programas e criar uma agenda positiva para reagir à crise. Não foi só: ela também garantiu aos petistas que viajará mais e dará mais entrevistas aos veículos de comunicação do interior.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Estancando a sangria


A saída de Wagner Rossi é a prova de que a presidente Dilma faz mais política do que muita gente imagina. Claro que houve uma mudança de postura entre a atitude dela ante a crise do Ministério dos Transportes e a do Ministério da Agricultura. Com Alfredo Nascimento, houve sim uma medida maior de força do que com Rossi e a razão disso é o PMDB. O PR não é levado a sério pelo Palácio do Planalto, sobretudo quando o ex-ministro e hoje senador anuncia postura de independência, que o partido entregará os cargos no governo, mas não se tem notícia de nada tenha sido feito nesta direção.
Rossi poderia até não cair agora, mas não resistiria à reforma ministerial que – comenta-se – virá no final do ano. Sairia pela porta da frente e depois de receber tempo suficiente para fechar negócios inacabados. Porém, perdeu-se ao achar que ética é um conceito elástico, que pode ser explicado conforme os olhos de quem o vê. Foi por isso que se traiu ao afirmar que não via nada de mais em pegar carona no jatinho de um empresário que tinha negócios com o Ministério. Negócios, aliás, que experimentaram imenso avanço desde a chegada de Rossi.
Da mesma forma, foi devastadora a entrevista de um funcionário da pasta ao Jornal Nacional, afirmando que nas concorrências do Ministério havia cartas marcadas. Nada disso era novidade: a Veja trouxera o caso na edição do final de semana, dando nomes e datas, e ainda chamou a atenção para o oásis que o ex-ministro tinha no interior de São Paulo. Não terminou aí: mostrou que o patrimônio de Rossi engordou como gado bem nutrido desde que entrou para a política.
A revista mostrou mais. Que o ex-ministro tinha uma ligação umbilical com Michel Temer, que passava pelo Porto de Santos. As histórias envolvendo o vice-presidente e as maiores docas do País são conhecidas há tempos e comentadas à boca pequena. Na medida em que algo assim aparece, com dados concretos, a luz amarela acende. Temer quer ficar com o espólio de Orestes Quércia em São Paulo e suspeitas como essas são pedras no caminho. Sem contar o prejuízo que isso traz para a imagem do governo federal e para a União. Afinal, Temer é o segundo homem da República.
No momento em que todos esses fatores foram misturados, Temer e Dilma tiveram de conversar. O prejuízo causado pela denúncia ameaçava desmoralizar o governo. Era um desgaste que o Palácio do Planalto poderia evitar, não estivesse o PMDB do outro lado da linha. Fisiológico e acostumado com o estilo Lula de atropelar a moralidade, o partido não se conforma com o fato de os ventos não serem mais os mesmos.
O problema era achar uma equação que não colocasse a legenda à beira do precipício. A carta de demissão, sob a justificativa de que a família de Rossi não aguentava mais os aborrecimentos trazidos desde que a denúncia veio à tona, é protocolar. Mas funciona. Afinal, família é família, por pior que seja o chefe dela.
Posso afirmar que em relação a Pedro Novais a mesma saída está sendo gestada. O problema é, mais uma vez, não deixar o partido exposto com outra dispensa desonrosa, apesar de todos os eufemismos e disfarces que uma medida dessas possa ter. Dependendo daquilo que as revistas trouxerem neste final de semana, o ministro do Turismo joga a toalha.
Novais, porém, foi mais traiçoeiro que Rossi: disse que fica à frente da pasta até quando Dilma quiser. Ou seja, jogou para ela a responsabilidade de dispensá-lo, criando um problema entre a presidente e o PMDB. Mas ela não é boba e percebeu a esperteza.
Novamente, se preciso for, Dilma vai chamar Temer para chegarem a um nome para substituir Novais que agrade a todos. No Palácio do Planalto, há o consenso que trocar ministro traz traumas, mas apanhar da imprensa, que expõe os malfeitos de algumas figuras do primeiro escalão, é ainda pior. Trocar ministro não abrevia governo. Pressão de jornalista, sim.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Às portas de 2014

Quando o ministro Paulo Bernardo admite, no site da Folha de S.Paulo, que Lula e Dilma decidirão quem disputará a eleição presidencial de 2014, não o faz por mera traição ou indiscrição. O faz para mostrar a fraqueza de uma presidente e para dizer também que há sempre uma alternativa no banco de reservas – que, dependendo das circunstâncias, pode ser melhor do que a que está em campo. E para anunciar também que todos aqueles que estão sendo atingidos por pesadas acusações de corrupção, embora sejam ligados ao ex-presidente, tal fator não é suficiente para minar o patrimônio de Lula junto ao eleitorado.
Aqui eu me confesso reticente. Não sei até que ponto algumas coisas acontecem. 1) Dilma é fraca porque não pune ou porque não pode punir?; 2) Não pode punir por causa dos partidos ou por causa do seu mentor; e 3) o desgaste de Dilma não será transferido para Lula? São incógnitas demais que, creio, nem o melhor analista político será capaz de vaticinar como será o resultado dessa equação.
Dilma está perdida. A estampa da mulher durona se fragiliza diante de seguidas evidências de que a corrupção grassa em seu governo, ainda que não tenha sido ela a responsável pela colocação dessas conspícuas figuras. Mas as mantém, e isso tem um efeito devastador. Diz-se que nem a liberação das emendas constitucionais será capaz de acalmar a dita base aliada. É verdade. O que os partidos querem é que seja levantada a fiscalização e volte-se aos bons tempos da vista grossa.
A presidente também tem que resistir à contra-pressão do seu antecessor. Para cada vontade de tomar uma atitude, o telefone celular de Lula dispara. O ex-presidente, que mantém ativos todos os interlocutores no governo e na base aliada, é pródigo em recados. Alguns até parecem que são ideias de quem os passa. Vários senadores, deputados e ministros não são nada mais que bonecos de ventríloquo, sentados que estão no colo de Lula, cuja mão nas costas lhes mexe a boca e finge a voz.
Na Operação Voucher, que botou em cana gente de peso do Ministério do Turismo, jogaram o prejuízo político no colo do ministro José Eduardo Cardozo. Não sei o que foi pior: ele dizer que nada sabia ou vir a admitir que sabia e levou adiante, a bem da moralidade. A Polícia Federal de insubordinada não tem coisa alguma. E no Palácio do Planalto tinha gente que conhecia a dimensão da operação e dos estragos que viriam. A indignação mais uma vez foi porque o telefone de Lula tocou sem parar.
Petistas, peemedebistas e outros “istas” desabafaram a irritação com o ex-presidente porque, fosse na antiga gestão, isto jamais aconteceria. O Gabinete de Segurança Institucional e a Agência Brasileira de Inteligência dariam o alerta ao quarto andar do Palácio, que provavelmente mandaria fazer uma operação pontual. Ou seja, prendesse uns e livrasse outros. O rodo dessa vez passou geral e colheu vários apadrinhados de surpresa e isso, para quem se acostumou com oito anos de frouxidão moral, é o intolerável.
O quer Lula não pode mensurar é o quanto querem que Dilma fique, porque, apesar dos pesares, é mais séria e compenetrada do que o ex-presidente. Ou melhor, é menos conivente com a formação de feudos políticos que sugam o governo sem parar. Há hoje um grupo encastelado na máquina que não deseja a volta de Lula, um pouco porque não quer largar o governo, outro tanto porque defende Dilma. Além disso, pela primeira vez uma revista de circulação nacional – falo da Veja, que surrou de forma incessante o ex-presidente por oito anos – dá respaldo à presidente. Vá lá que seja um apoio insincero e que será retirado no momento em que as coisas não se alterarem, mas isso jamais aconteceu com Lula. Para a publicação, o ex-presidente foi um desastre moral e ético, um grosseiro engano que não pode se repetir. Veja acha que ainda há espaço para que Dilma volte à trilha certa.
Haverá desgaste para Dilma? Haverá. Haverá desgaste para Lula? Haverá. Haverá uma batalha fratricida entre Dilma e Lula sobre quem disputara a corrida presidencial de 2014? Haverá. O PT vai cindir-se entre Dilma e Lula? Vai. Dilma realmente não pretende se reeleger? Não. Lula quer voltar? Quer.
A oposição poderá pegar carona nesse vácuo? Se não pegar, será de uma incompetência siderúrgica.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Cortem-lhes a cabeça

Dilma está diante de uma equação difícil, mas interessante. Quem leu o editorial da revista Veja, que foi às bancas no final de semana, percebeu algo inédito: o apoio da revista à limpeza da presidente. Noves fora a hipocrisia de querer apresentar a ela o caminho que deve ser seguido – claro, falar de fora é sempre muito fácil e a revista não tem de lidar com partidos políticos para sobreviver –, Dilma pode fazer desse limão azedo uma dulcícima limonada.
A Veja representa a voz de uma classe média irritada com a bandalheira do governo Lula. Deu parte do seu voto a Dilma acreditando justamente que o jeitão de sargento dos Fuzileiros Navais faria com que os malandrões e malandrinhos do governo passado fossem colocados para fora, sem honra nem glória. Nenhum matiz escaparia ao desejo de limpeza sonhado pela classe média, levado adiante pelo martelo de ferro de Dilma: nem petistas, nem peemedebistas, tampouco petebistas e outros penduricalhistas.
Quando a presidente passou o rodo no Ministério dos Transportes, foi aplaudida de pé. A choradeira do PR ainda engrossou a impressão de que acertara na medida. As recentes pesquisas de opinião, se não a colocam com a popularidade lá em cima, é por causa da hesitação em relação a Antônio Palocci. Com a entrada de Lula em cena, para tentar salvar o amigo e parceiro no episódio, Dilma deu a impressão de que era pau mandado. Mas acabou por dispensá-lo, apesar dos apelos do criador.
Acreditava-se que o padrão de faxina continuaria, agora na Agricultura e no Turismo. O complicado é que a briga desta vez é com o PMDB e com o PT. Ainda assim, a opinião pública continuou dizendo: “Vamos lá, presidente. Seja implacável com eles também.” Ou seja: a sociedade está avisando a ela que está cansada, farta, de os mesmos continuarem assaltando os cofres públicos. Não aguenta uma carga tributária violenta que, no final das contas, serve somente para engordar o porquinho do governo, cuja chave uma parcela de ungidos tem acesso. E disso faz uso gostosamente, às vezes aumentando o patrimônio em mais de 85 mil por cento, como aconteceu com o filho do ex-ministro dos Transportes.
Do outro lado do balcão estão os malandrinhos e malandrões, que já fizeram greve branca no Congresso, reclamaram das algemas nas prisões feitas pela Polícia Federal, não suportam o tratamento de desprezo dispensado por Dilma a eles, e vivem fazendo ameaças e mandando recados pela imprensa. Todos os dias, jornais, TVs, revistas e net mostram a atuação dessa turma e não a poupa, inclusive classificando-a com os adjetivos mais pejorativos: chantagistas, usurpadores, espertalhões, entre outros. Os fins de semana tornaram-se não de descanso e paz, mas de tensão, angústia e, em algumas vezes, de ódio. Na sexta-feira, não são poucos os governistas que têm acessos de sudorese e outros sintomas de mal-estar.
Lula, no auge das suas crises, disse que bastava se apegar ao povão que as coisas se ajeitavam. Dilma pode tentar fazer o mesmo, não com o povão, mas com a classe média pagadora de impostos. O PT, inclusive, está muito preocupado com esse estrato social, que abandonou durante os oito anos de lulismo. Sobretudo porque, com as melhorias econômicas, houve o alargamento da faixa da classe média, já que muita gente ascendeu à condição de incluída na economia. É para esse povo que Dilma fala hoje; uma gente para a qual já não basta consumir bens antes inalcançáveis, tampouco trabalhar para que o filho faça a universidade que o pai e a mãe não fizeram.
Esse povo quer é que o dinheiro dos seus impostos seja respeitado, aplicado com transparência e correção. A inclusão econômica tem isso de bom: obriga o cidadão-contribuinte-eleitor a se preocupar mais com o destino do seu voto e o caminho que faz o dinheiro do salário que ganha, cuja parte expressiva é tungada na forma de tributos. Dilma deve explicações a essa gente.
E essa gente está dizendo assim: arranque a cabeça, presidente. Difícil, porém, é mensurar se a classe média, velha e nova, tem cacife político para bancar a presidente, em caso de um confronto direto com o Congresso. Da mesma forma como é difícil saber se a Dilma vai fazer a classe média de rede de proteção, enquanto se equilibra no trapézio no alto do picadeiro.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Livros e música: poucos

Cresci numa família de poucos livros e pouca música. Meus pais sempre foram trabalhadores, embora um tanto obcecados pela aposentadoria. Questão de geração. É, pode ser. Reconheço que, desde cedo, os dois tiveram uma vida dura: um, filho de um taxista/gesseiro com uma dona de casa; outra, filha de um modesto comerciante de tintas com uma costureira esforçada. Ainda assim não entendo, nem entenderei, a vontade dos velhos de pendurar as chuteiras precocemente.
Melhoraram de vida quando os filhos se foram. Dois casaram e se descasaram e um continua casado. Para a vida eterna? Não se pode apostar nisso. A vida empurra a gente para vários lados. A casa, que antes tinha cinco, passou a ter dois. Três, se for considerado Zezinho, o gato. Dois e 1/3 talvez seja mais justo, mesmo porque Zezinho, se os cálculos para idades de gatos estiverem certos, já passou dos 100 anos. Mas está com corpinho de 25.
Os livros começaram a entrar pelo Círculo do Livro. Foi por ele que li “Os 10 dias que abalaram o mundo”, “Arquipélago Gulag”, “Duce – Ascensão e queda de Benito Mussolini”, “Treblinka”, “Por dentro do Terceiro Reich”. Seus autores: John Reed, Aleksandr Soljenisin, Richard Collyer, Jean-François Steiner e Albert Speer. Nomes que a gente guarda não somente porque marcaram a alma com seus escritos, mas sobretudo pela tenra idade. Na adolescência, se guarda tudo.
A grande maioria dos livros do Círculo era de documentários, livros históricos. Para não brigar com meu pai, que pagava a conta. Romances e contos vieram depois, bem depois.
Cheguei a ter uma bela biblioteca, que custou cerca de R$ 1,2 mil quando precisei de dinheiro. A sobrevivência falou mais alto. A má vontade dos meus pais com os livros também. Acham que livro, na quadra da vida em que estão, é um monte de papel sem proveito. Uma pena. Lamento ter sido obrigado a passar nos cobres, pouco depois que meu filho nasceu. O que me acalenta nesse episódio é que muito do que tinha eu já havia lido. “Judas, o obscuro”, de Thomas Hardy, “O alimento dos deuses”, de HG Wells, ou “O momento supremo”, de Stefan Zweig, são experiências inesquecíveis que do sebo vieram e ao sebo retornaram.
Disse que a casa dos meus pais era de pouca música também. Embolsava o dinheiro da merenda para comprar discos, LPs. Tinha uma loja em Icaraí, na minha Niterói natal, chamada Stop, quase na praia. Era a grande loja, com as novidades. Foi nela que comprei o “Moving pictures”, do Rush, que tenho até hoje. De lá veio também meu “Difficult to cure”, de uma fase do Rainbow que muita gente abomina. E outros vários, mas esses dois me lembro bem. Até hoje, quando passo em frente à loja, vejo a Stop, embora já tenha se tornado, há anos, uma imobiliária.
Depois foi o tempo da Center Sound, de Zé e sua barba de séculos. Ninguém jamais viu Zé sem barba, embora tenha ficado sem ela uma vez, pelo que me lembro. Meus primeiros LPs com ele foram um “Journey to the centre of the Earth”, de Rick Wakeman, e um “Look at youself”, do Uriah Heep. Ambos discos usados, que também negociava. Foram caros, pois estavam fora de catálogo. Dos dois, apenas o do Heep eu ainda tenho, assim mesmo na versão CD.
Lá pela primeira vez ouvi “Ace of spades”, do Motorhead. A aparelhagem de som era ótima e empurrava duas megacaixas de som, que eram excelentes e cristalinas. Me lembro que Zé abriu o gás no volume de um amplificador Sansui (ou Marantz, não tenho certeza; ou ainda Technics). Pela primeira vez ouvi Motorhead como deve ser ouvido.
Alguns discos tive mais de uma, duas vezes. “Made in Europe”, do Deep Purple, tive pelo menos dois, pois o primeiro que comprei estava empenado. O mesmo aconteceu com um “Electric Guitarrist”, do John McLaughlin. Ambos vindos da Stop. Deixei de comprar lá porque não tinham cuidado com o produto. Logo depois a loja fechou. Não tenho nada a ver com isso, por favor.
Dos meus discos eu não me desfiz. Tinha e ainda tenho um quarto só para eles e para os CDs. De vez em quando ainda vou ao sebo, compro uma coisa ou outra. Teve época que eu tirava um dinheiro do orçamento só para isso. Graças a Deus minha ex-mulher não implicava. Tinha vários defeitos, mas esse, não.
Tentei acreditar que meu pai um dia gostaria de livros ou de música. É um leitor de jornais, mas de livros, não. Insisti com ele no ramo dos arranjos e orquestrações, mas ele não deu muita pelota. Tentei apresentar-lhe coisas diferentes: Wayne Shorter, Gary McFarland, Stan Kenton, três nomes que aprecio muitíssimo no jazz. Acho que o único CD que consegui emplacar foi uma coletânea de Harry James que tinha algumas coisas da época do swing. Fora isso, mais nada. Não se abalou muito com o material que lhe ofereci.
Minha mãe não liga para nada disso. Ocupa-se com televisão e palavras cruzadas. Não é muito. Lembro-me, quando era menor, que ela cantava, que gostava. Não sei se a velhice fez com que perdesse o viço e a vontade. Eu lamento que o passar dos anos não tenha feito bem a ela.
Enfim, é a vida. Sei que não é a maneira mais brilhante de terminar um artigo, mas não vejo outro jeito além de cair no lugar comum. Como a vida, que é cheia de lugares-comuns.
  

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Taca pedra na Geni

O futebol tem uma sabedoria que embute um certo cinismo nas relações pessoais. Uma das primeiras coisas que aprendi, na época e que cobria os clubes do Rio de Janeiro, para a Placar e para O Globo, foi que a expressão “O técnico está prestigiado” não é o que parece ser. Dá a entender que a diretoria, apesar dos maus resultados, está disposta a bancar o treinador, só que é justamente o contrário. O cara está com um pé fora do time. O mau resultado seguinte geralmente o obriga a colocar o segundo pé na rua.
Vejo da mesma maneira a expressão da presidente Dilma em relação ao ministro Wagner Rossi. Ele está “prestigiado”, por assim dizer. A presidente manda, com outras palavras, o seguinte recado: se vier mais uma denúncia, não vou te mandar embora, mas você também não fica. Ou seja, o ministro passará à condição de demitido por uma suposta vontade própria.
A essa altura do campeonato – para continuarmos nas metáforas futebolísticas, embora Dilma não seja Lula –, o recado já foi enviado ao PMDB. O vice Michel Temer até gostaria de segurar o apadrinhado, mas sabe que mais ainda pode vir na direção de Wagner Rossi. Já estaria negociando a entrada de um substituto em cena. O Palácio do Planalto vai trabalhar discretamente, pois é muita crise de corrupção levantada em pouco tempo. A presidente está fazendo uma reforma ministerial que não gostaria de realizar agora.
Na quarta-feira, Rossi vai ao Congresso para dar mais explicações. Vão querer saber da relação entre ele e seu ex-secretário-executivo, Milton Ortolani, com o lobista Júlio Froés. Fróes já deixou claro que conhece o primeiro e o ex-segundo do Ministério; o ministro primeiro disse que não sabia quem era, mas, depois, acabou por “lembrar-se” dele. Ortolani nem se deu ao trabalho de tentar justificar: pediu demissão antes que a coisa fedesse demais. E vai feder, não tenham dúvidas. A oposição não pretende dar trégua, embora algumas coisas nem dependam dela.
O que Dilma está fazendo é dar a chance ao PMDB de resolver uma questão de governo, do qual faz parte. Daí a defesa pública de Rossi. Afinal, se todos forem para o buraco, o PMDB vai junto.  Só que uma briga com os peemedebistas não interessa em nada ao Palácio do Planalto, que só teria a perder no Congresso. Isso tudo faz da operação de substituição de Wagner Rossi uma questão extremamente delicada.
Tão delicada que chama a atenção, sobretudo do PR. O partido foi satanizado e tornou-se uma espécie de cloaca do qual não se espera nada além de sujeira e porcaria. O tratamento vip dado ao PMDB vai colocar os republicanos na condição de ainda mais ressentidos do que já estão. Vão trair o governo e não o farão esfaqueando pelas costas. Vão cravar a lâmina de frente mesmo.
Isso não quer dizer que o PMDB vá atuar unido contra uma eventual revolta do PR. Não é um partido disso: dependendo da pressão que sofrer do Palácio para a substituição de Rossi, dá tranquilamente uma rasteira no governo.
A presidente não vai correr o risco de, ao longo desta semana, mais coisas aparecerem no âmbito do Ministério da Agricultura. Mostrou que há um nó ético a ser desfeito e chamou os peemedebistas a meterem a mão na massa. Ou seja: encontrem um substituto para Rossi, que sairá alegando problemas pessoais no caso de mais uma denúncia.
Caso a denúncia não venha e ele permaneça, haverá uma limpeza em regra a partir do segundo escalão do Ministério. Será feita sem alarde e colocada na conta dos méritos do ministro sobrevivente, que poderá salvar-se afirmando que foi ele quem promoveu a faxina e nem precisou de ordem da presidente para fazê-lo. A partir daí as coisas se acalmam e tanto governo, quanto PMDB, respondem à opinião pública, que está com gosto de sangue na boca e quer mais cabeças rolando pela Esplanada dos Ministérios.
E o PR? Continuará como a Geni, que ganhou pedradas ao sair nua com uma mala de dinheiro pelo Eixo Monumental.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dupla desconfiança

A mão-de-obra causada pela colocação de Celso Amorim requereu um dia de reuniões para que os ânimos fossem acalmados. Não que a Vila Militar fosse “descer”, como costumavam dizer, nos tempos da ditadura, em tom de ameaça, quando a caserna se sentia incomodada. Os tanques agora não rolam mais pela Avenida Brasil, rumo ao Centro do Rio de Janeiro. Não há esse tipo de sublevação, de afronta.
Mas a presidente foi obrigada a chamar os comandantes militares para dizer-lhes que, sem Jobim e com Amorim – a rima é péssima, mas não há como fugir dela –, tudo continua dantes como no quartel de Abrantes. A colocação do ex-chanceler no comando da Defesa foi pessimamente recebida, por acreditarem que o esquerdismo congênito de Amorim passará a nortear as ações da pasta a partir de agora. Mas não só isso: veem com péssimos olhos uma eventual ressurreição do eixo entre ele e Marco Aurélio Garcia, capaz de confrontar com Antônio Patriota a condução da diplomacia brasileira.
Por outro lado, Amorim chegou mais humilde do que de costume. Percebeu quer a reação a seu nome era forte e que, uma única palavra fora do lugar, poderia representar um mau começo. Bem instruído pelo Palácio do Planalto, disse que nada iria mudar e que procuraria prosseguir o trabalho do seu antecessor. Expressões como estas não costumam acalmar ninguém, sobretudo porque, para os militares, o que conta é a ação. Também não se poderia esperar que, logo de cara, o ministro fosse comprar briga.
Amorim, que não é dado a elogios, teceu as maiores loas a Jobim, também como forma de acalmar a situação e criar o menos de aresta possível. Mas mostrará se está ou não do lado dos militares quando da sua atuação pela criação da Comissão da Verdade e a questão sobre a classificação de documentos sigilosos. Embora nem sempre tenha sido um admirador dos Direitos Humanos – deve achar que se trata de um conceito relativo, visto que se ombreou às ditaduras do Oriente Médio, sobretudo a do Irã –, é natural que grupos que tinham saído enfraquecidos no governo passado tentem trazê-lo para seu lado.
O ex-chanceler também chega com a incumbência de apagar o mal-estar causado pela passagem do embaixador José Viegas, diplomata como Amorim. Valdir Pires também não foi um bom ministro da Defesa, um tanto por seus princípios políticos de esquerda, outro tanto pela inabilidade. Somente quando o Ministério esteve sob a égide de políticos cuja trajetória foi erguida em partidos inorgânicos, como José Alencar e Jobim, é que as coisas se acalmaram. Amorim une aquilo que os militares consideram o pior de dois mundos: é diplomata e com tendências de esquerda.
Desconfiança dupla, portanto.

Dos males, o maior

“Ficou pior a amêndoa que a sineta”, como supostamente diria o hoje quase esquecido Ibrahim Sued, segundo o também pouco lembrado Sérgio Porto – vulgo Stanislaw Ponte Preta. Porque da mesma forma que o governo Dilma consegue marcar gols de placa, como a faxina no Ministério dos Transportes, faz gols contra bisonhos, como a substituição de Nelson Jobim por Celso Amorim. Até a rima entre os sobrenomes é pobre. O desalento é completo. É o Festival de Besteiras que Assola o País, o Febeapá, em seu grau mais elevado, diria Stanislaw.
Falaram muito sobre a péssima escolha, pelo esquerdismo estúpido de Amorim, embalado pelas loucuras antiamericanas de Samuel Pinheiro Guimarães, seu ex segundo no Itamaraty e com quem tem relações que vão além da afinidade doutrinária – os une também um contraparentesco. Irã, Farc, Venezuela, Cuba, apoio às ditaduras árabes, desprezo pelos direitos humanos, derrotas históricas nas indicações feitas pelo Brasil para organismos internacionais – é grande a lista de fracassos na conta de Celso Amorim nos seus oito anos à frente do Itamaraty. Mas estão deixando passar algumas coisas que não poderiam ficar em segundo plano.
Ao assumir o Ministério da Defesa, o ex-chanceler refaz em parte o eixo diplomático que tinha com Marco Aurélio Garcia. O delirante professor, que acha ainda que o socialismo será a rendição da humanidade, deve ter dado urros de satisfação. Impossível não pensar que, trabalhando juntos, vão desviar o Ministério das Relações Exteriores de um caminho que, se não é o da mais completa correção, pelo menos não é o da total boçalidade.
Com Antônio Patriota, o Itamaraty tomou atitudes coerentes. Logo de cara mostrou aos Estados Unidos de Obama que há entre os dois países muito mais em comum do que imagina nossa vã diplomacia. Afastou dos cachorros loucos de Teerã, assim como colocou Hugo Chávez em sua posição – a de completa irrelevância, sobretudo porque os projetos comuns com a Venezuela ficaram somente a cargo do Brasil. Com esses dois escanteados, Evo Morales e Rafael Correa também passam a se identificar na porta do Palácio do Planalto, bem diferente da época em que subiam direto para o gabinete presidencial sem se anunciar.
Sobre a condenação ao ditador sírio, ainda que a postura do Brasil seja medrosa, é bem mais correta do que no passado. Aquela zona é explosiva demais para sair condenando ou atacando quem quer que seja. Israel mesmo teme que, depois de Assad, sejam os loucos ligados ao Hezbollah os donos do poder em Damasco. O que é ruim pode sempre ficar pior. O Itamaraty não faz nada que os EUA não tenham feito: uma política de omissão, de condenação branda ou de apoio fraco. Pode ter causado imensas insatisfações, mas, fosse em outras épocas, nossa diplomacia teria se jogado gostosamente nos braços do claudicante governo da Síria.
Patriota, inclusive, assume um legado de desastres que levará tempo para desfazer. Mas com Amorim em conexão direta com Garcia, no Palácio do Planalto, e o acesso direto à presidente, são grandes as possibilidades de uma vigorosa oposição se fazer dentro do governo contra as conduções feitas pelo Itamaraty. E isso é péssimo. Como Dilma tem mostrado uma imensa hesitação em alguns momentos, dois lados a lhe soprarem direções diferentes apenas aumentará as dúvidas da presidente.
Por fim, outro aspecto que está passando batido: a da compra dos caças para a Força Aérea Brasileira. Quando Dilma quis rever o processo de escolha desde o começo, deu um duro golpe nos Rafale franceses, que já estavam praticamente embalados para serem trazidos ao Brasil. Pelos militares da FAB, a escolha recai sobre o Gripen NG, que terão oportunidade de desenvolver com os suecos, adaptando o avião às necessidades brasileiras. Porém, há ainda o F-18, uma espécie de sucesso e público e de venda, que os EUA juram que serão entregues a nós sem qualquer restrição tecnológica. Com a volta de Amorim ao cenário, o jogo começa a ser desempatado em favor dos Rafale.
O ex-chanceler foi um dos artífices da escolha do caça francês, a ponto de ter promovido uma imensa gafe ao trazer o presidente Nicolas Sarkozy para participar do Sete de Setembro. Embora Nelson Jobim também fosse um promotor do jato da Marcel Dassault, tinha ao menos o bom senso de entregar a decisão para a tropa, que é quem vai voar neles e sabe de ciência certa o que nos atenderia melhor. No caso de Amorim, será ele quem procurará definir a escolha, não somente pelo seu estilo centralizador, mas pelos compromissos assumidos com os franceses.
A presidente Dilma até que vinha bem. Tinha algumas boas opções para o Ministério da Defesa, como o deputado Aldo Rabelo e até mesmo a interinidade do vice Michel Temer. Preferiu aquela que tem tudo para ser a pior. Deus a ajude e nos proteja.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Sinais trocados

Difícil entender o que o ministro Nelson Jobim realmente pretende com as traulitadas que tem dado no governo. Há quem diga que ele está tentando se cacifar, desde já, como pré-candidato à Presidência em 2014, pelo PMDB. O grande problema é que algumas coisas teriam de acontecer nesse meio-tempo, a principal delas que o governo Dilma fosse um desastre tão completo que sua reeleição seria impraticável. Outra coisa também teria que acontecer para viabilizar uma eventual candidatura Jobim: Lula não querer disputar essa eleição. Em qualquer dos dois casos, o PMDB seguirá colado ao PT, seja com Dilma, seja com Lula.
Jobim, de qualquer forma, morre no final do filme. Assim, sem um objetivo claro, suas declarações não passam de provocações que, evidentemente, não seriam toleradas. O mais curioso é que ele dá sinais dúbios: primeiro, quando abre a boca para criticar e, depois, fazendo juras de amor ao governo, à presidente Dilma, aos ministros. Ele não é um bobo; é suficientemente experimentado para saber que tudo o que disse até agora causaria constrangimento.
Estaria querendo sair? Por que, então, na conversa com a presidente, dias atrás, disse que se tivesse de deixar o Ministério da Defesa, preferia fazê-lo numa eventual reforma ministerial, no final do ano? Não sabia das consequências da entrevista à Piauí, na qual chama Ideli Salvatti de “fraquinha” e acusa Gleisi Hoffman de “não conhecer Brasília”? Por que não falou sobre isso com Dilma, no encontro? E por que desmentir que tenha criticado as duas ministras? Por que não entregou já ali a carta de demissão?
Primeiro foi no aniversário de 80 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando se disse “cercado de idiotas”. Claro que estava mandando um recado ao PT. Os petistas perceberam isso, mas os caciques resolveram não colocar mais lenha na fogueira. Em nome de não fazer marola, preferiram minimizar a crítica.
Depois foi a confissão de que, na eleição presidencial passada, votou em José Serra. Bem, se votou em Serra, por uma questão de coerência não deveria ter aceitado convite para permanecer no ministério. Mais uma vez, todos sorriram amarelo e esforçaram-se para parecerem liberais, afirmando que o voto é livre e que isso não o desqualifica como ministro.
Agora, uma tamancada bem cocoruto de Dilma, Ideli e Gleisi.
Não se justifica o desmentido da Assessoria de Imprensa do Ministério da Defesa, que entrou em bate-boca com a direção da Piauí. Não se justifica que o próprio Jobim, quando indagado sobre o assunto, em Tabatinga (AM), tenha afirmado que se trata de intriga e desejo de derrubá-lo do Ministério. Como ex-parlamentar e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, se há algo que Jobim conhece é justamente Brasília, seus ambientes, suas artimanhas e suas tramas. Exatamente aquilo que acusou Gleisi Hoffman de não saber o que é.
As horas para Jobim estão contadas. Não sairá atirando, é claro, mesmo porque não há razões para isso. Se alguém deu motivos para a saída, foi justamente o (ainda?) ministro da Defesa. Com os dias a gente vai descobrir o que realmente se passou. E certamente não foi apenas a incontinência verbal de Jobim que o levou a esta situação.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Nascimento fala, eu rebato

Gosto de ler a Veja. Geralmente pesa a mão contra o governo, sobretudo desde que Lula chegou ao poder. Com Dilma tem tido mais boa vontade: não a coloca (ainda) no rol dos grandes bandidos petistas, que a revista se farta de apontar como responsáveis pelas malezas passadas, presentes e futuras do País. Mas... Mas é sempre bom tomar cuidado com a Veja. Pode ser que as acusações feitas pelo irmão de Romero Jucá não gerem a mesma onda de demissões causada pelas denúncias contra Alfredo Nascimento. E, aí, a publicação se volte com força contra Dilma.
Enquanto isso não acontece, comento a matéria abaixo, tirada do site da Veja. É o discurso do hoje senador Alfredo Nascimento, na tribuna da Casa. Falar, não falou. Por isso, vou comentar (em vermelho) cada parágrafo da reportagem sobre esse anticlímax constante provocado por ex-integrantes do governo.

O ex-ministro dos Transportes e senador Alfredo Nascimento (PR) ocupou a tribuna do Senado, nesta terça-feira, para, durante quarenta minutos, falar sobre o esquema de corrupção na pasta, revelado por VEJA - que culminou na sua queda e numa verdadeira "faxina" ordenada pela presidente Dilma Rousseff. O senador negou irregularidades em sua gestão e disse que trabalhou com lisura e clareza. “Venho aqui com consciência tranquila", afirmou. (No dia em que um homem contra o qual pesam tantas e várias acusações chegar na tribuna do Senado, colocar na boca o cano de um revólver e disparar na frente de todos, algo terá mudado nesse país. Enquanto isso não acontece e figuras como essa se consideram personagens honrados, o desmoralizado jargão "consciência tranquila" saltará da boca como perdigotos)

Nascimento afirmou que deixou o governo porque não recebeu o apoio que esperava da presidente. “Em momento algum pedi ou determinei ação de que pudesse me arrepender ou me envergonhar e somente agora fui submetido a um julgamento sem provas e de forma tão sumária. Renunciei ao cargo diante dos ataques a mim proferidos e porque não recebi do governo o apoio que me havia sido prometido pela presidente Dilma Rousseff”, declarou. (As acusações e provas contra Nascimento são pesadíssimas. Receber o apoio de Dilma seria a constatação de que o governo terminara sete meses depois de começado. O ex-ministro pode até não ter pedido nem determinado ação que pudesse se arrepender ou envergonhar, mas calou. Ou fez ouvidos de mercador. Portanto, consentiu. Além disso, ele não explicou o estupendo salto patrimonial da empresa do filho, que com 27 anos de idade multiplicou-lhe o valor em 86 mil por cento.)

O ex-ministro disse que recebeu o convite de Dilma para continuar à frente dos Transportes na gestão dela pelo “excelente” relacionamento pessoal e político que tinha com a presidente. (Não é verdade. Dilma jamais teve simpatias por Nascimento. Na verdade, nutria-lhe até certo desprezo, pois o considerava inepto e trapalhão)

PR - O senador saiu em defesa do PR, partido pivô do escândalo nos Transportes: “Não sou lixo, meu partido não é lixo. Nossos sete senadores não são lixo. O PR não é lixo para ser varrido da administração. Não somos melhores nem piores do que ninguém. Em momento algum recebi pedido ou determinei prática de qualquer ação contra os cofres públicos, nem autorizei uso do meu nome para interesses partidários dento da administração.” (O PR, que nasceu da junção do PL com o Prona, abriga figuras conspícuas da política nacional. O vídeo da reunião entre Nascimento, o deputado Valdemar Costa Neto e um deputado federal maranhense, pertencente ao baixo clero, mostra que algo errado havia no Ministério. Sobretudo porque Valdemar fala todo o tempo, ciente de que aquela verba seria a moeda de troca para que o parlamentar deixasse seu partido rumo ao PR. Aliás, Valdemar fala com uma propriedade tal que mais parece ele o ministro, e que o ministro seria um mero carimbador. O PR, de fato, não é melhor nem pior que ninguém, principalmente depois do Mensalão, em que caiu por terra a postura de vestal dos petistas. Também concordo que seus parlamentares não são lixo, mas somente do ponto de vista humano.)

Nascimento admitiu, por outro lado, a influência do deputado Valdemar Costa Neto (PR) na pasta. “De minha parte nunca vedei a presença dele ou de qualquer outro parlamentar que tenha procurado meu gabinete. Meu gabinete nunca se fechou sequer aos representantes de partidos da oposição. Todos os que me procuraram foram atendidos.” (A presença do deputado até se justificaria, desde que as coisas não se misturassem. Foi exatamente isso que NÃO aconteceu.)

O ex-ministro aproveitou para sair em defesa do filho, Gustavo Morais Pereira, que teve um crescimento de 86.500% do seu patrimônio, totalizando mais de 50 milhões de reais. A revelação foi feita pelo jornal O Globo. “O meu filho não é ladrão. Vou provar porque tenho toda documentação da Receita Federal, do imposto de renda do meu filho e do balanço patrimonial. Vou buscar correção da injustiça que cometeram com meu filho”. De acordo com o ex-ministro, seu filho não tem nenhum contrato com o governo federal e construiu seu patrimônio por “esforço próprio” e sem sua ajuda. (Claro que papai ministro não colocaria a mão nessa cumbuca. Seria estúpido demais. Mas certamente teria dado indicações ao filhão gênio das finanças. O caminho das pedras é precioso em algumas situações. Sobre a documentação na Receita, isso não prova nada: um bom contador sabe perfeitamente como driblar o leão. A expressão "esforço próprio" sequer merece comentários.)

Ele disse que colocou à disposição da Polícia Federal o acesso a seus dados bancários e fiscais. “Volto a rechaçar de modo veemente e categórico as suspeitas contra mim. Fui condenado sem apresentação de uma prova sequer.” (Aqui o senador se equivoca, provavelmente por causa do hábito do cachimbo, que deixou-lhe a boca torta. Tudo, rigorosamente tudo, que se passa no Ministério deve estar sob o controle do seu responsável. Ninguém engoliu o "eu não sabia" de Lula, no caso do Mensalão; portanto, não se pode engolir a mesma justificativa de Nascimento. Ele pode não ter participado diretamente de qualquer falcatrua, mas é estranho como começaram a pipocar denúncias de que seus auxiliares estavam ligados a toda sorte de negócios estranhos. Do DNIT à Valec, tudo parecia contaminado pelo interesse escuso, facilitado pelos homens de dentro da Pasta. Havia até mesmo um chamado "Casal DNIT": a mulher do executivo da autarquia era a encarregada de encaminhar os processos das empresas interessadas; uma despachante altamente gabaritada, já que seu marido era quem fazia correr ou parar os processos. Se isso não é anti-ético, imoral e desonesto, temos de alterar as definições para estes conceitos a partir desse momento. Além do mais, espera-se que o governo abra ações judiciais contra Nascimento e todos os afastados do Ministério. Aí, à Justiça caberá culpar ou inocentar tais personagens.)

Reunião - Nascimento se queixou de não ter sido convidado para a famosa reunião de Dilma no Palácio do Planalto no dia 24 de julho, detalhada por VEJA. No encontro, a presidente reclamou dos preços de obras que estavam acima do preço de mercado. E disse que os dirigentes do setor de Transportes precisavam de uma “babá”.  
“Não fui avisado, nem convocado para esse encontro. No dia 24 de julho falei duas vezes com a presidente Dilma por telefone. Na tarde daquele dia meus subordinados me informaram da reunião e vi o conteúdo na revista VEJA. Me pergunto até hoje por que Dilma não me convocou para a reunião. Será que a presidente não queria que eu participasse da conversa?”, disse Nascimento. (Sim, não queria. Seu destino já estava selado)

De acordo com o senador, antes mesmo da reunião convocada por Dilma, ele já havia levado suas preocupações sobre o descontrole do PAC à ministra do Planejamento, Miriam Belchior. “Nesse encontro concordamos com necessidade de revisão do projeto. Dias depois falei com a presidente e disse que começava a trabalhar para o ajuste necessário às obras de sua gestão. Na prática, o cenário que encontrei em janeiro significava que a nossa gestão não tinha recursos para efetuar nenhuma nova ação. Mantido o orçamento, não teríamos o PAC 2.” (A presidente já sabia que o responsável pelo descontrole tinha nome e sobrenome: Alfredo Nascimento. Nada daquilo que dissesse iria mudar a certeza de que o grau de contaminação dentro do Ministério tornara-se elevado mesmo para os mais tolerantes padrões. Dilma simplesmente não quis insistir no erro. E limpou a área)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Por enquanto é só aleivosia

Vi ainda há pouco, no blog do Reinaldo Azevedo, na edição on line da Veja, vídeo dos 15 anos da neta do ex-presidente Lula. Bia Lula naturalmente não tem talento algum, mas não se pode culpá-la completamente. Debutando, montou uma festa cafona, como são todas as do gênero – eu mesmo corro este risco dentro de mais quatro anos; torço para que minha filha prefira uma viagem. Como bailarina e aspirante a atriz, nesses poucos anos de vida ostenta um peso maior do que o recomendável. Está longe de ser uma moça esbelta e longilínea.
Bia Lula está no centro de uma polêmica envolvendo o Ministério da Cultura sobre a peça em que vem atuando. A insinuação é óbvia: mexeram os pauzinhos para que o dinheiro da montagem saísse porque ela é neta do ex-presidente. Típica acusação de tráfico de influência, o que não seria de causar qualquer estranhamento. Afinal de contas, a camarilha que tomou conta do Ministério dos Transportes fez do cenário público um reino para negócios privados exatamente porque vovô Lula assim permitiu.
Como o ex-presidente ainda manda pra caramba no governo da presidente Dilma, fica óbvia a conexão. De um lado, os serviçais ávidos em agradar; do outro, aspirantes a tubarões que fizeram de Bia Lula e seu “talento” um pé-de-cabra. O resultado seria o jorro de financiamento para uma peça que dificilmente entrará para a história do teatro pátrio. Apenas deram razão ao monte de artistas sem talento que invadiu a Funarte, em São Paulo, “exigindo” um bestialógico sem pé nem cabeça, de cheiro e forma tipicamente esquerdóides. Os caras são tão delirantes que preconizam até o descontingenciamento das verbas para a cultura, com o se isso fosse assim, num estalar de dedos.
O vídeo é apenas bobo. Bia dança, samba, canta e sapateia, mostrando que não passa de uma aluna esforçada. O dinheiro fez dela protagonista de uma megafesta de gosto duvidoso. Não a culpo: o Amaury Júnior se farta de mostrar eventos semelhantes, nos quais o ponto comum é o dinheiro jogado fora numa efeméride de pura vaidade. Bia quis o mesmo e, com o avô presidente da República, por quê não? O que não é possível dizer é que o contribuinte pagou o regabofe.
O Ministério se apressou em avisar que o edital da peça na qual Bia participa foi submetido aos trâmites normais. É uma situação complicada: a menina tem todo direito de ser bailarina, atriz, engenheira, arquiteta, médica, o que quiser. Em todos os lugares que chegar, será sempre recebida com tapete vermelho. E aí, o que fazer? Volta para casa e se prepara para ser mãe e esposa ou vai tentar a vida no exterior, para que ninguém possa acusá-la de eventualmente se servir das conexões da família?
A filha do ex-presidente Reagan, Patti Davis, posou nua para a Playboy, com 58 anos. Esperou o pai e a mãe morrerem, mas, se estivessem vivos, o que lhe cassaria tal direito? Seria constrangedor, apenas isso. Acusariam-na (ou a acusaram) de, em troca do corpo despido, receber um bom cachê só por ser quem é? Pergunta difícil de responder, dependendo sobretudo da quantidade de Photoshop utilizado para torneá-la.
Guido Mantega tem uma filha que é um avião. Marina andou mostrando o corpaço por aí e ninguém disse que o ministro da Fazenda a ajudou na empreitada, talvez porque pai algum auxilie a filha a aparecer despida. Claro que o nome a precedeu, tal como aconteceu com a neta de Lula. Mas, e aí? Pagamos ou não pagamos para ver o talento da mocinha nos palcos? Difícil dizer.
Por enquanto, Bia é apenas vítima da falta de talento e dos quilinhos a mais. Mas pode ser também do julgamento precipitado, da aleivosia e da falta de provas.